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Celebridades

Ana Salazar ou o sentido estético da vida

O seu nome é indissociável de um estilo vanguardista, que marcou uma nova ideia de moda no país conservador dos anos 70. Ana Salazar escreve agora um novo capítulo da sua vida.

Ana Salazar ou o sentido estético da vida
Ana Salazar ou o sentido estético da vida
15 de maio de 2012 às 08:05 Máxima

Um nome, um mito, uma figura exemplar na nossa memória deste tempo. Em fase tumultuosa, anunciou uma rutura e afirma um renascimento. Quem a conhece garante a sua doçura a temperar a firmeza na arte e profissão. Contam-se gestos de apoio a quem precisou. Sabem-se amizades seguras. Em sua casa, Lisboa rasgada na vista e no céu, recebeu e conversou. Um chá, um biscoito, um momento bom.

Este é tempo de pausa ou nova fase na sua vida?

Sou muito positiva e tenho confiança em mim, penso que vou sempre fazer qualquer coisa, depois de outra. Troquei uma vida sentimental para criar moda. Casei muito cedo com o Manuel [Salazar], já estávamos separados há muitos anos quando ele morreu, em fevereiro de 2009, com um cancro no sistema linfático. Casámos, tinha eu 16 anos e ele 18, precisei de autorização dos meus pais. Casei-me por paixão, houve uma fase em que só dizia: vou ter crianças… Os meus pais separaram-se quando eu tinha 10 anos, foi complicado. E um dos meus objetivos na vida era criar uma família. Tinha 23 anos quando a Rita nasceu. Mas o amor e o casamento foram uma deceção. Quando abri uma loja, a Maçã, em 1972, o Manuel trabalhava nas Páginas Amarelas, na venda de publicidade. E enquanto em Portugal a média dos salários era de quatro contos, o Manuel ganhava quinhentos. Depois foi nomeado administrador da empresa, passou a ter um carro fantástico e muitas outras coisas. Por causa da Maçã, eu comecei a viajar três vezes por mês a Londres e tive clientes fiéis até hoje. Eu ia lá, escolhia as coleções, selecionava o que vinha, acompanhava o estilismo. Em 1975, fomos os maiores importadores em Portugal, com um lucro líquido de mil contos no primeiro mês. Já tinha cinco lojas em Lisboa e uma parte de fábrica, uma de showroom e uma de armazém, onde estavam as coisas que vinham de Londres. Com tão bons resultados, o Manuel saiu das Páginas Amarelas e eu abri a Ana Salazar. Em 1980, fizemos uma pequena empresa familiar. E neste tipo de empresas, a família tem uma situação hierárquica definida ou não…

Tem a sensação de perda, por, pela primeira vez, não estar na ModaLisboa?

… Por não ter coleção para apresentar. Não há gabinete criativo no momento. O não estar é circunstancial, deve-se ao incumprimento de uma empresa que tem a minha marca e o nome que criei há 30 anos, onde eu agora só exercia funções criativas e que deixou de pagar ao pessoal, aos fornecedores, a todos. Hoje aquilo não existe. Resolvi fazer aquela declaração [em 15 de fevereiro] porque queria acabar com a situação. Estou a trabalhar para que este período seja o mais curto possível. Como desde miúda tive uma vida adversa (não financeiramente) e muitas coisas péssimas já me aconteceram, além de ter autoestima, parece que estou imune. As coisas más que não nos matam tornam-nos mais fortes. Passo um período complicado, mas administro-me bem. Uns dias não são tão bons como outros.

A sua história é admirável.

As pessoas mostram carinho por mim, tenho tido sempre uma linha coerente e transparente. Tenho 40 anos na área de moda e 30 de carreira formal como Ana Salazar. E é engraçado pensar que muito antes de existir a ModaLisboa, já eu tinha feito 14 acontecimentos de moda. Trabalhei com as feiras: a Portex no Porto e a Fil Moda em Lisboa. Depois do 25 de abril a indústria têxtil começou com dificuldades, muitas fábricas foram fechadas porque tinham três e quatro mil trabalhadores que começaram a reivindicar direitos. Mas a indústria não acabou e distinguiu-se por se criarem marcas. Eu era coordenadora de moda, era aquilo a que hoje se chama stylist, o Vítor Nobre e a Isabel Branco trabalhavam comigo, fazia-se a coreografia dos modelos. Eu ia às várias fábricas e coordenava as pessoas, dava ideias para a coleção e para a maneira de se apresentarem. O António Variações adorava esses desfiles, que eu fazia em sítios como a Estufa Fria, o Coliseu, a Sociedade de Belas-Artes. Demorava três ou quatro dias a criar o ambiente, a montar toda uma estrutura que incluía a passarela, o sistema de som e luz. Havia uma coreografia, uma mise-en-scène. Fazia uma coisa que hoje não se faz, que eram os ensaios.

Como se decidiu a lançar uma nova ideia de moda no nosso país tão conservador?

Em França, depois da escassez da II Guerra Mundial, veio a opulência dos anos 50 e 60, tempos áureos da Alta-Costura. Em Portugal, havia modistas que iam a Paris buscar o molde de um modelo e o copiavam aqui. A Alta-Costura não é isso porque pressupõe peças únicas. Balenciaga, Dior, Yves Saint Laurent criaram essas peças. Em todo o mundo vieram os chamados “loucos anos 70”, e aqui, ainda a mais, houve a Revolução de 25 de abril. A criação passou a contar mais e o estilo coexistia então com a apetência pelo design. Eu fui a Londres à procura da moda. Do que havia cá não gostava. Achava que era preciso mudar. Dizia: porque é que não há de haver coisas giras, de vanguarda, em vez de coisas clássicas, sempre as mesmas?


E para descobrir a diferença foi para Paris.

Vivi em Paris de 1985 a 1996 e em Londres mais dois anos. Saí para Paris, mas em rigor saí para o mundo. Tenho as lojas em Nova Iorque, Tóquio, Milão. Em Paris, eu vestia a Vanessa Paradis, casada com Johnny Depp, e a Fanny Ardant. Tinha uma empregada que era comediante [atriz] e por quem o Vincent Lindon, que andava com a Carolina do Mónaco, se apaixonou e com quem foi viver. Lembro-me de em Tóquio ter ficado surpreendida porque num restaurante muito trendy, a dona vestia Ana Salazar e tinha mandado emoldurar uns posters meus.

Pode-se falar em libertinagem visual, para dizer o seu estilo?

Pode dizer-se que é independente de faixas etárias, feito para pessoas que ousam as diferenças. Tem geralmente formas geométricas assimétricas, sempre com detalhes inusitados.

A cor que mais usa é o preto?

Gosto muito de preto para mim, mas faço muita coisa que não é preto, gosto também de mute. Tenho muito escuro, mas tenho outras cores.

O design é mais importante que o corte, no conceito atual de moda?

Na Nouvelle Couture, as coisas são assinadas, criativas, feitas em pequenas séries.

Desenha as suas criações?

Movo-me mais em termos de modelagem, gosto de pegar no tecido e experimentar no manequim.

Tem imaginação visual? Fecha os olhos e prevê modelos?

Sim, muito, a toda a hora.

Quando se cruza com alguém na rua, pensa: o que faria eu deste corpo?

… Desta pessoa, sim. Há anos que não estou nas lojas, mas se lá estava, aconselhava as pessoas. Ainda há uns anos fui à loja da Rua do Carmo e ajudei uma cliente indecisa a escolher um vestido. “A Ana devia cá estar todos os dias”, disse a empregada.

Diz-se que tem um imenso cuidado com os detalhes, ainda hoje confirmei que é verdade.

Desde pequena sempre tive uma noção estética, isso é importantíssimo em mim. Adoro fazer fotografias, escolher a roupa, arranjar o cabelo e a maquilhagem. Eu era tímida, aos 4 anos saía com a minha avó, que era linda e discreta, e ficava com vergonha da irmã dela, que falava com toda a gente, mesmo com quem não conhecia.

Repara no preparo e nas atitudes?

Interessa-me muito o lado estético das pessoas. Vem do interior para o exterior.

Emociona-se quando recebe distinções? A Ordem do Infante D. Henrique, um Globo de Ouro…

Não. Até quando fui condecorada pelo Jorge Sampaio não me emocionei. Um prémio é importante, na totalidade. É um reconhecimento.

O que quer dizer de si, além do que se sabe?

Faço exercício físico três vezes por semana, alongamento e body tónica, são duas horas de cada vez, não posso passar sem esse exercício. Também não passo sem beber um litro e meio de água por dia. Gosto de viajar para cidades cosmopolitas, quando estes dois compraram a marca fui a São Paulo quatro vezes num ano. E gosto de viajar para destinos distantes.

Quais são os seus escritores?

Roland Barthes, Gilles Lipovetsy, Marguerite Yourcenar, Milan Kundera, Alain de Botton.

E a sua música?

Nos anos 60, era muito fã de conjuntos. Gosto de música como pano de fundo, gosto muito de Amy Winehouse, uma voz assim só aparece em cada 100 anos. Gosto do Frank Sinatra…

Os seus cúmplices, os que admira?

Jean Paul Gaultier: tenho uma fotografia com ele na minha sala. Uma japonesa, Rei Kawakubo, que criou a marca Comme des Garçons. O estilista tunisiano Azzedine Alaia.

Tem tantos recortes de imprensa sobre si nos jornais e entrevistas nas revistas mais importantes em todo o mundo. E em Portugal?

Diziam os portugueses: “Ela já tem tudo, por isso não vale a pena dizer mais sobre ela.” O [Manuel] Damásio diz: “Em Portugal não se pode subir um degrau.” Nos anos 90 apareceram as revistas de moda em Portugal e eu tinha mais artigos em Paris do que aqui. Foi em Paris que o título de Pioneira me foi posto, na revista de moda Profession Textile. Fiz uma linha de óculos, aqui não saiu nem uma linha. Tenho várias entrevistas em japonês.

É muito querida no meio da sua arte.

Dou-me bem com todas as pessoas que estão na moda, isso é tão bom. Do que mais gosto é de aprender, todos os dias procuro o novo. Dou-me com pessoas muito novas, tenho poucos amigos com mais de 50 anos.

O que diz sobre os novos talentos?

Às vezes sentem-se tristes porque as pessoas que têm poder de compra têm tendência para comprar marcas. E eles ficam pelo caminho.

Ana Salazar
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