Patrícia Bull - A nossa girl next door
Simples e discreta, Patrícia Bull conseguiu conquistar o seu espaço num meio nem sempre fácil de singrar.

É o triunfo do positivo, dos bons princípios, da sobriedade e da boa disposição. Agora brilha na segunda temporada da série Maternidade, da RTP.
As boas raparigas vão para o céu, as más vão para todo o lado. Patrícia Bull, no entanto, contraria o ditado. Com o seu jeito tranquilo de ser, transforma o difícil em fácil, o complicado em simples, e está em todo o lado: no cinema, na televisão, no teatro, nos spots de rádio, nas vozes dos filmes de animação, em Portugal ou num canto qualquer do mundo, a trabalhar como atriz. Uma trajetória linear e consistente.
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Olhos verdes e sorriso luminoso, possui um tom moreno que revela as suas origens do sul do Equador. Filha de mãe portuguesa e pai português de naturalidade guineense, só esteve na Guiné uma vez. A Europa é o seu terreno e é em Portugal que estão assentes as suas raízes.
Num universo de exageros, de sobreexposição e do tudo por tudo para se conquistar visibilidade e um lugar ao sol no mundo da representação, Patrícia Bull preserva a sua privacidade a todo custo, tendo chegado mesmo a proibir recentemente a publicação das fotos do seu casamento.
Apesar de tudo isso, adora desafios que a levem a ultrapassar limites, a viver personagens que estão a milhas de distância do seu mundo.
O que a levou a querer ser atriz? Há tradição na família?
A minha mãe diz que a minha bisavó era muito dotada. Gostava de cantar, de representar na brincadeira. Era muito alegre e extrovertida, qualidades associadas aos artistas. A mulher naquela altura não tinha uma grande expressão.
E porque escolheu este caminho?
Deu-me uma coisinha má! [Risos] Gostava muito, via espetáculos e pensava em estar do lado de lá. E quando estava do lado de lá sentia-me realizada. Fui tendo várias provas disso. No colégio fazia várias peças. Os professores incentivavam-nos a transformarmos a matéria em peças de teatro. E eu gostava muito.
Foi uma paixão certeira ou ainda explorou outros dons?
Cheguei a pensar em ser gestora de empresas ou estudar línguas. Segui Jornalismo, mas nunca cheguei a exercer.
Porquê?
Porque não me apaixonei e acho que quando não se faz as coisas assim, com amor, faz-se a meio-gás. Quis seguir aquilo que me dava ânimo e motivação, que era representar.
Este percurso tem sido fácil?
É uma incógnita constante. A seguir a um trabalho não se sabe se vai haver outro ou se se fica por ali. Há muitas pessoas que tiveram uma ou duas experiências e depois ficaram sem nada. Não sabia o que iria acontecer comigo. Fui-me deixando levar, com a consciência de que podia não durar para sempre. Está a durar agora mas continuo com essa consciência de que pode mudar… Até eu própria posso querer fazer outra coisa.
Tem uma carreira muito diversificada: televisão, cinema, teatro, apresentação de programas, dobragem, locução. Busca experiências variadas ou acredita ser esta a melhor forma de sobreviver neste meio?
É uma questão de não entrar em monotonia e também de abraçar as diversas oportunidades que têm surgido. Apesar de haver coisas que me dão um pouco de medo… Estou a lembrar-me da participação no programa Dança Comigo. Dançar é difícil. Exige muito treino e dedicação. Para o programa aprendíamos coreografias e, depois, tínhamos de competir uns com os outros. Eu morria de medo!
Mas já tinha tido aulas de dança…
Sim, mas não era profissional. E estar a dançar para a televisão e para um público metia imenso medo. Era difícil dormir à noite antes dos diretos. Mas adorava os ensaios. Adorava cada dia aprender um bocadinho mais e ver a evolução. Apaixonei-me por isso. E aí faço com gosto. O segredo é esse: fazer com gosto. Aí dá-se tudo por tudo. Ultrapassamos os nossos limites. Eu gosto. Gosto de me desafiar. Aceito com facilidade desafios… Quer dizer, às vezes sou um bocadinho renitente mas entro em loucura e vou em frente. Porque às vezes não se pode ser muito racional.
Fez trabalhos no estrangeiro. O mais recente em França. O que busca com esta opção por um caminho internacional?
Não foi bem opção. Foram oportunidades que surgiram. Fiz o casting e fiquei. Gosto muito de Paris e houve, de facto, uma altura em que investi um bocado nessa busca. Mas a verdade é que estou aqui a viver e há muitas coisas que depois não consigo abraçar. E a minha opção, no momento, é viver cá. Esta série francesa em que entrei, por exemplo, pude fazê-la pois não exigia muito tempo. Foi uma opção fácil de tomar. Mas o singrar lá fora requer investimento. Significa, às vezes, deixar o que temos para trás e dar um passo em frente, começar uma vida nova. Neste momento só me vejo a fazer coisas pontuais e não a sair daqui. Mas nunca digo nunca…
As suas características físicas limitam-na?
Em França, por exemplo, não percebem de onde sou. Africana, brasileira, marroquina… Eles trabalham muito com o norte de África e acham que posso ter mistura destes sítios.
E aqui?
Limita-me para algumas coisas mas, por outro lado, tenho de me dar por satisfeita pois tenho tido sempre trabalho. Ou seja, é uma limitação muito relativa. Há algo que tem mais força e que consegue sobrepor-se a estes limites.
E o que é isso?
O Universo, não sei... Porque é que, apesar das minhas características físicas me poderem limitar, eu continuo a trabalhar? Não sei. Vejo colegas que admiro e que dizem que não têm trabalho... E também não sei porquê! São bons, têm uma figura que se presta a determinados papéis, são pessoas diversificadas... Porque não trabalham? Não sei! É uma incógnita. Não sei exatamente como é que são essas regras.
Seja quais forem, acha que estão ainda mais pervertidas com a entrada em cena das modelos/atrizes?
Não se pode ser preconceituoso. Tem é de haver lugar para tudo. Não discriminar. Ela é modelo, logo não devia ter papel de destaque. Se calhar tem e fá-lo muito bem. Não tenho nada contra isso. Há é que olhar para o universo de atores que existe e dar oportunidades. Acho que tem de se arriscar. Quem garante que dali não surgirá um verdadeiro dinossauro da representação? [Risos]
Na série Maternidade faz o papel de uma médica que perdeu um filho. Como tem sido esta experiência?
Na primeira temporada esse foi o ponto-chave da minha personagem. Deu luz a tantas crianças mas perdeu a sua. Deve ser um sentimento de impotência... E ela tenta ultrapassar este drama dificilmente.
Nesta segunda temporada já está numa outra fase. Já consegue exercer a Obstetrícia mas agora enfrenta outra questão: voltar a engravidar e os seus dilemas, com os processos artificiais para conseguir fazê-lo, uma vez que naturalmente, com o marido, não estão a consegui-lo. E é um problema que alastra e afeta a relação com o marido, com familiares e os outros. Deve ser um drama horroroso. Conheço algumas pessoas que já lidaram com isso e é uma ferida muito grande, difícil de sarar.
E como é que se prepara para este tipo de papel?
Falando, indo ter com pessoas que têm experiência, estando nos hospitais, nas maternidades, assistindo a partos, a tirar dúvidas com médicos. Depois, é também estar com pais que perderam filhos. Na associação A Nossa Âncora ajudaram-me bastante a entender esse universo, lidar com isso que é assustador e não é natural.
Tem filhos?
Não, mas faz parte dos meus planos de vida.
A família é importante na sua vida?
É muito importante. Sou muito próxima da minha família. Tenho uma necessidade muito grande de saber como está tudo, de viver as coisas deles, assim como sempre senti a necessidade de que a minha vida fizesse parte da deles também. Aquela coisa das pessoas muito separadas para mim não faz muito sentido. Aconchegadinhos é que se está bem… Q.b.! [Risos]
A sua mãe acompanhava-a para todo o lado no início da carreira?
Nada! Os meus pais sempre foram muito descontraídos. Eu é que lhes tinha de dizer: não percam aquilo, não deixem de ver.
O contacto com esta realidade da série alterou de alguma forma a sua maneira de ver a maternidade?
Aumentou o meu respeito para com a vida, a sua essência, com o que está para lá, com o que está antes e o que vem depois. A ver isso como uma sequência que não se extingue, que volta outra vez. A vida é isso, uma renovação. E este é um exercício que eu tento fazer: renovar-me também. Tentar apreender mais da vida. Retirar as coisas mais subtis. Olhar com outros filtros. Não se pode ser muito quadrado a olhar a vida. Ter várias lentes e abrir a alma. Tento abrir sempre a minha alma.
É religiosa, espiritualista?
Sim, acredito em Deus, tenho fé que existe esta entidade, esta energia, este amor.
Mente sã em corpo são. Tem algum ritual de beleza ou saúde?
Tento ter uma alimentação saudável. Estou a estudar macrobiótica e procuro sempre alternativas melhores. Em pequena era muito esquisita com a comida, se calhar já rejeitava coisas de que não tinha necessidade, como o excesso de carne, de gordura. E gosto de conhecer o que há em macrobiótica, que é um universo novo que nos dá várias opções de escolha para além daquilo que nos é incutido desde sempre. Há sempre alternativas e há formas de viver também diferentes, mais equilibradas.
Senti necessidade de aprofundar este conhecimento. E está relacionado com tudo: saúde, bem-estar, nutrição, equilíbrio.
E isso tudo preocupa-a?
Sim. Somos aquilo que comemos. Quanto mais equilibrada for a nossa alimentação melhor nos sentimos, quanto melhor nos sentimos melhor fazemos sentir os outros, e se isso for sempre assim… [Risos] Se nos preocupássemos em preservar aquilo que é nosso... O nosso país, por exemplo, tem enfrentado uma devastação e uma desertificação a todos os níveis. E a nível da agricultura é drástico.
A situação do país, a política, a economia são temas que lhe interessam ou prefere nem saber?
Não saber seria como atirar areia para os olhos. Claro que me preocupa. Preocupam-me as más escolhas políticas.
Trabalho e política podem estar lado a lado?
Já me fizeram alguns convites para me associar a partidos políticos e não aceitei. Não o faria.
E o melhor dessa vida, o que é?
São as pessoas. Quando são boas! [Risos]
E o pior?
É a subversão. De tudo. Dos sentimentos. Uma má pessoa é o pior que pode existir. Se do que eu gosto mais é das pessoas, do que eu gosto menos é das más pessoas.
Refiro-me aos valores, ao humanismo, à cabeça. Uma mente pervertida é o pior que pode existir. Somos o mais perfeito que há mas também o mais cruel que pode existir. O ser humano tem essa dicotomia. Mas eu continuo a acreditar nas pessoas.
Fotografia de Ricardo Lamego . Styling: Helena Assédio Maltez, assistida por Joana Lestouquet . Maquilhagem: Sónia Pessoa, assistida por Sofia Lucas, com produtos Lancôme . Cabelos: Helena Vaz Pereira, assistida por Pini, para Griffehairstyle
