O mundo segundo Mariana

É nos Estados Unidos que Mariana van Zeller tem brilhado como jornalista. Mas foi quando começou a trabalhar para o National Geographic TV que o seu trabalho chegou até nós. Um percurso que vale a pena conhecer.

O mundo segundo Mariana
31 de janeiro de 2013 às 07:43 Máxima

“Hello, my name is Mariana… and I’m Portuguese.” É assim que Mariana van Zeller muitas vezes se apresenta às pessoas por onde quer que vá. O mundo é o cenário em que se movimenta com desembaraço e as distâncias nada representam quando em causa está uma boa história. Mas foi na América que assentou raízes, onde está o seu filho e onde estão os canais de televisão para que trabalha.

A sua ambição é só uma: contar histórias. Os documentários são a sua especialidade e o seu marido, Darren Foster, o seu grande parceiro de trabalho.

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Alegre, extrovertida, conversadora, foi numa entrevista telefónica e com um português rendilhado de expressões inglesas que nos contou as suas peripécias.

PRÉMIOS

. Livingston Award for Young Journalists 2011, com o documentário Rape on the Reservation, sobre a crescente violência sexual nas reservas de índios norte-americanas.

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. Peabody Award 2010, Television Academy Honor e Prism Award para Melhor Documentário, com The OxyContin Express, sobre o tráfico e adição de medicamentos de prescrição médica.

. Webby People’s Voice Award for News & Politics 2009, com Obama’s Army, sobre a máquina eleitoral de Obama e o seu exército de jovens voluntários.

Quando é que percebeu que queria ser jornalista?

Por volta dos 12 anos. A minha família via sempre o Jornal da Noite e eu via os pivôs a falarem sobre as notícias do mundo inteiro e pensava: ‘Como é que podem ser tão espertos? Também quero ser assim, ter todo esse conhecimento sobre o mundo!’ Só muitos anos mais tarde vim a perceber que estavam a ler um teleponto.

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E, partir daí, como é que foi?

Logo de início vi que o meu sonho era mudar-me para os Estados Unidos e aí exercer jornalismo. Sabia que davam mais oportunidades financeiras, de viagens, de fazer reportagens à volta do mundo. Assim, fiz Relações Internacionais e mal terminei o curso candidatei-me ao mestrado da Columbia University, a melhor universidade de Jornalismo do mundo. No primeiro ano recebi uma carta a dizer que não tinha entrado. Candidatei-me no ano a seguir, também não entrei. No terceiro ano não desisti. Embora aconselhassem os candidatos estrangeiros a esperar a resposta no seu país de origem, decidi meter-me num avião, ir para Nova Iorque e bater à porta do reitor. Ao chegar lá disse: ‘Olá! Eu sou a Mariana, o meu sonho é ser jornalista e para isso quero tirar o mestrado nesta universidade, que é tão conceituada. Sei que conseguirei fazer isto bem e que terei sucesso.’ Ele ficou muito espantado. Até então ninguém tinha feito aquilo. Ficou uma hora à conversa comigo. Fez-me várias perguntas e passados três meses recebi uma carta a dizer que tinha sido aceite. Correram então muitas lágrimas: minhas e dos meus pais. Percebemos que aquele era o início do resto da minha vida. O início do meu sonho.

Nesses anos de espera, o que é que ficou a fazer?

Estagiei na SIC durante alguns meses. Depois abriu a SIC Notícias e convidaram-me para fazer um programa sobre viagens, em que trabalhei cerca de um ano. Foi interessante. Fui ao Sri Lanka, às Maldivas, mas soube logo que não era isso que queria fazer no futuro. Viajar e contar histórias em hotéis de luxo não é aquilo que eu sou. O meu objetivo era contar histórias sobre pessoas, sobre como são afetadas por diferentes temas da atualidade. Não queria ficar num hotel, queria sair e ver a realidade no terreno.

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Foi algum programa que a conduziu aos documentários?

Não. Eu achava que queria ser jornalista do tipo Jornal da Noite. Quando cheguei à Columbia University, passado um mês, aconteceu o 11 de setembro. Tinha acabado de chegar a Nova Iorque. De repente, acordei com o telefone a tocar, com várias chamadas. Quando atendi, era uma amiga que me contou que a primeira torre do World Trade Center já tinha caído. Liguei a televisão e vi o que se passava. Era tudo a 10 minutos da minha casa. De seguida, liga a minha mãe e, ao mesmo tempo, pelo telemóvel, recebo uma chamada da SIC Notícias. Da televisão diziam-me: ‘És a única jornalista portuguesa que conhecemos no momento em Manhattan (os aeroportos já estavam fechados) e precisamos de alguém que faça um direto para o Jornal da Noite. Do outro lado, a minha mãe, a chorar, dizia-me para não sair de casa. Foi complicado, mas vesti-me a correr e fui fazer o direto.

Correu bem?

Quando acabei, senti que tinha sido uma oportunidade fantástica, que este não só era o meu sonho mas era um sonho que conseguiria concretizar. Fiz o primeiro direto da minha vida e sobre um assunto tão importante. Tive confiança, consegui falar bem e os medos que tinha ao princípio desapareceram. Senti que estava na carreira certa. Mas mal saí à rua comecei a ver as pessoas com cartazes – pais, mães, maridos, mulheres – à procura das pessoas que amavam. [Emociona-se] Foi aí que percebi que isso não era sobre mim, era sobre uma coisa muito maior e que o que eu queria mesmo era fazer histórias, não sobre o que aconteceu neste minuto, neste sítio, mas documentários mais a fundo, com mais contexto, a indagar porque é que estas situações existem e como é que posso fazer a diferença.

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Na Columbia University, deram-me a oportunidade de fazer documentários. Entre 20 a 30 projetos que eram apresentados, eles escolhiam seis. O meu foi um deles. Fiz e ganhei o prémio de melhor documentário do ano.

Qual era o tema desse primeiro trabalho?

Era sobre crianças que vêm sozinhas para os Estados Unidos procurar asilo e que acabam postas em centros de detenção. Contei a história de quatro destas crianças.

E o que fez a seguir?

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No fim do mestrado, ganhei um estágio em Londres, numa produtora de documentários, onde estive durante um ano. Depois, começou a guerra do Iraque e achei que se queria fazer documentários sobre a atualidade era onde eu devia estar. Mudei-me para a Síria porque o Iraque era muito perigoso. Tinha duas intenções: a primeira era aprender árabe e a segunda era começar a minha carreira como freelancer, a procurar histórias.

Descobri uma ao perceber os primeiros sinais de mujahedins a passar a fronteira da Síria para o Iraque para lutar contra a invasão americana. Na altura, o meu marido, então meu namorado, veio visitar-me e contei-lhe esta história. Ele achou superinteressante e, mesmo sabendo que o que ele queria era escrever para revistas, perguntei se não queria filmar e ajudar-me como produtor e realizador nesta reportagem. E assim foi. Foi a primeira história que fizemos juntos. Ele nunca mais voltou atrás e temos trabalhado juntos desde então. O documentário foi vendido para o Channel 4 e, a partir daí, começámos a fazer trabalhos como freelancers para outros canais.

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Mas depois deixaram de ser freelancers

Quando começou o canal do Al Gore, o Current TV, enviámos os nossos currículos e eles ligaram para mim e para o meu marido não sabendo que trabalhávamos juntos. Passado um mês estávamos contratados. Trabalhámos cinco anos neste canal e tivemos a oportunidade única de viajar à volta do mundo a fazer documentários sobre os mais diversos temas. No princípio de 2011 recebi uma chamada do National Geographic TV. Estavam à procura de uma correspondente. Fui a Washington DC para ser entrevistada e passados uns meses contrataram-me a mim e ao meu marido. Estamos a trabalhar há cerca de um ano e meio para este canal.

Para uma futura jovem documentarista Mariana aconselha:

. Nunca desista e persiga os seus sonhos

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. Se não conseguir à primeira, tente uma segunda, uma terceira ou tantas vezes quantas forem precisas

. Não pense muito, faça!

. Agarre numa câmara, por mais pequena que seja, e vá para as ruas. Fale com pessoas, faça coisas que ache interessantes. É preciso começar por algum lado!

Em geral, escolhe temas duros, pesados, drogas, guerra… E quando a vemos deparamos com uma jovem delicada, bonita e com um ar muito distante destes temas. Como é recebida nestes universos? Como reagem a si?

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[Risos] Ser loura e com ar inocente tem jogado sempre a meu favor. Por um lado, as pessoas não me veem como uma ameaça. Por outro, sentem-se mais confortáveis. Ser mulher é uma grande vantagem. Homens e mulheres estão mais à vontade para abrir-se e mostrar as suas emoções quando estão a falar com uma mulher. Mostram sentimentos, emoções e quem realmente são.

O que é que a leva a escolher um tema?

Histórias pequeninas que encontro no jornal ou uma coisa que alguém me conta, que acho interessante. Faço uma breve pesquisa e se vejo que são temas que afetam um grande número de pessoas mas que por algum motivo não estão a ter a devida atenção, são logo motivos para eu fazer. Geralmente, são aqueles dos quais os outros jornalistas fogem.

São decisões tomadas em conjunto com o seu marido ou a escolha está nas suas mãos?

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É sempre uma decisão tomada a dois. Passamos grande parte da nossa vida a falar de trabalho. É um dos aspetos de se viver com a pessoa com quem se trabalha. Vamos para a cama à noite e ainda estamos a falar de trabalho, acordamos a falar de trabalho. Trabalhamos há quase oito anos juntos e há coisas sobre as quais, quando estamos em campo, nem precisamos de falar. Uma troca de olhares e já sabemos o que é que queremos um do outro.

Já viveram muitos riscos juntos?

Já tivemos várias situações perigosas, nunca riscos tão elevados que nos fizessem questionar o nosso trabalho. Ao fazer uma história nos pântanos da Nigéria, sobre a guerra do petróleo, vimos que de repente estávamos rodeados por adolescentes armados, o que nos deixou nervosos. Na Síria, fomos perseguidos pela polícia secreta. E quando estivemos na Amazónia com cientistas que estudam répteis, houve noites em que praticamente não dormia. Estávamos ao ar livre, em redes, e a cada ruído pensava que era uma onça ou uma capivara. Mas uma das situações de maior medo foi quando, passados alguns meses de regressar da Amazónia, descobri que tinha Leishmaniose, um vírus que come a pele por dentro. Tive de fazer tratamento durante vários meses. Apanhei um grande susto.

Têm um filho de dois anos e meio. Isso mudou alguma coisa na sua forma de trabalhar… e de arriscar?

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Mais do que mudar a carreira, mudou o modo de vida. E mais do que ter medo e evitar o perigo, com o nascimento do meu filho fiquei ainda mais sentimental e sensível. Sempre fui muito emocional – choro muito – e várias vezes em entrevistas as pessoas contam-me histórias e eu choro. Acho que emoção e sentimentos são bons e não concordo com aqueles jornalistas que acham que mostrar a emoção é um impedimento à objetividade. É isso que nos faz humanos. E é uma maneira de os nossos espectadores se sentirem mais envolvidos na história.

E a nível da disponibilidade. Viajar pelo mundo fora e dedicar-se de corpo e alma ao trabalho ficou mais difícil?

Tenho tido a sorte de em várias reportagens poder trazer o Vasco comigo. Na história das favelas, por exemplo, ele tinha oito meses e veio ter connosco ao Brasil. A grande vantagem de trabalhar com o marido é que se eu apareço com o meu filho ele não acha estranho, ajuda-me. Mas tenho o apoio fabuloso da minha família. Este verão, por exemplo, começámos um novo programa para o National Geographic TV sobre um casal – eu e o Darren – que dá a volta à América a investigar temas levando câmaras secretas. Isto tem-nos ocupado muito e o Vasco ficou umas semanas em Portugal com a minha família. Como é o único neto, único sobrinho, único tudo, é o centro das atenções. Uma enorme sorte. E agora o meu pai mudou-se para os EUA para estar mais perto do neto e ajudar-nos.

Acha que poderia fazer o seu trabalho em Portugal?

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O mercado de documentários em Portugal ainda é pequeno. Tenho grandes esperanças de que cresça. Acho que há uma grande apetência por histórias que sejam mais contextualizadas, em que se vá mais a fundo do que naquelas que passam na televisão todos os dias. Hoje, em Portugal, as televisões pensam que as pessoas só querem ver coisas fáceis e superficiais. E acho também que há uma ideia de que documentários sobre temas importantes e mais pesados têm de ser muito sérios, tristes e enfadonhos. Não concordo. As pessoas mais alegres que conheci foram nos sítios mais inesperados. Estão rodeadas de sofrimento e mesmo assim conseguem ser alegres. O que gosto de mostrar nos meus documentários é que, sim, há situações péssimas no mundo, há muito sofrimento, mas acima de tudo sermos humanos é conseguirmos ultrapassar isso. E que é importante fazê-lo com alegria.

1 de 6 / O mundo segundo Mariana
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2 de 6 / Favelas do Rio de Janeiro
3 de 6 / Com uma arma no Arizona
4 de 6 / Num dos muitos cenários onde filmou os seus documentários
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5 de 6 / Já recebeu variadíssimos prémios com os seus documentários
6 de 6 / Entre dois homens armados
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