Keira Knightley Mente que brilha

Percebe-se que K. Knightley desfruta do apogeu da sua arte criativa e vive um momento de grande alegria e disponibilidade.

Keira Knightley Mente que brilha
05 de janeiro de 2012 às 18:26 Máxima

Há entrevistas assim. Correm bem. Talvez porque durante a conversa se encontra uma linha de inspiração e isso é tão importante. Keira despiu-se de reservas e preconceitos e permitiu que a linha da conversa se aprofundasse e acabasse por a confrontar com aspectos pessoais para as quais não estava preparada. Mas nada que escape aos melhores juízos da ética jornalística, bem entendido.

O motivo não poderia ser o mais indicado: o drama psicológico (e erótico) de David Cronenberg, A Dangerous Method (ainda sem título em português), em que a actriz londrina encarna a estudante de psicologia Sabina Spielrein, em pleno final do século XIX, no momento em que sofre de severas perturbações mentais e passa a ser alvo de estudo de Sigmund Freud (interpretado por Viggo Mortensen) e da atenção particular de Carl Jung (Michael Fassbender) com quem acaba por ter um envolvimento emotivo fora do normal. Darão, por certo, que falar as cenas em que Keira e Fassbender se entregam a uma extrema comoção passional sublinhada a traço grosso por cenas de inquietante masoquismo.

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Numa ensolarada varanda de uma villa na ilha do Lido, durante o Festival de Veneza, sentámo-nos com Keira Knightley, ainda sem saber até que ponto a crueza deste material estaria acessível à curiosidade jornalística e à consequente informação pública. Terá sido o calor ou o fio da meada da conversa, mas a verdade é que foi uma Keira bem mais descontraída e disponível da que entrevistáramos ali bem perto há uns anos atrás. Na altura, rodeada de reservas e a viver os rumores de fotos trabalhadas em Photoshop. Agora, chegando mesmo a questionar-se sobre a verdadeira dimensão que teve o seu envolvimento com a personagem. Foi bonito perceber isso.

Seja como for, jamais poderá ser colocada em causa a total entrega da actriz de 26 anos em cada um dos seus trabalhos. O resultado tem-se traduzido, aliás, num meritório reconhecimento. Por isso mesmo, ou muito nos enganamos ou esta sua magnífica composição em A Dangerous Method terá o que merece: uma nova nomeação ao Óscar.

Keira, uma interpretação brilhante. Mais uma. A começar logo pela cena inicial com aquele ataque de demência, os espasmos... Onde se inspirou para essa sequência?

Na verdade, foi em diversas coisas. Parte dessa histeria e tiques de raiva já estavam descritos no guião. Só que eu não fazia era a mínima ideia o que isso era, por isso comecei a ler as descrições de um livro do psicólogo Carl Jung. Vi ainda alguns documentários e falei com psicanalistas.

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Foi difícil de compreender esta Sabina Spielrein, estudante de medicina mas também ela paciente?

Não foi fácil. Do que li dela percebi que nesses ataques existia uma enorme libertação, algo que ela descreveu como se fosse “um cão ou um demónio”, o que é algo muito doloroso de dizermos de nós próprios. Depois ela tinha perturbações sexuais e recorria muito à masturbação. Mas lá está: o sexo e a masturbação são formas de libertar essa energia. Passei dias na casa de banho a fazer caretas para o espelho a tentar descobrir algo que pudesse usar. Depois mostrei-as ao David (Cronenberg) e ele seleccionou as expressões que usei.

Percebe-se que lhe agrada particularmente este tipo de pesquisa profunda para desenvolver uma personagem...

Também descobri que é algo que adoro. Mas olhe que é uma descoberta recente. Como não frequentei uma escola de representação não tinha essas ferramentas. Por isso tem sido uma viagem enorme de descoberta. É realmente um processo que adoro e onde aprendo imenso. Isso permitiu-me ler imensos livros sobre o Freud, Jung e da própria Sabina, sobre esse período e até ver obras de pintura que pudessem ser úteis. A verdade é que nunca sabemos onde iremos encontrar aquela chave que nos dá essa abertura.

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Acha que este papel poderá ter funcionado até como uma espécie de terapia para si?

Eu não faço isso. Mas acho que existe um argumento em que a representação funciona como terapia. Acho que muitos actores usam isso. Mas não sou uma delas. É algo que pode ser demasiado catártico. Mas deu-me imenso prazer compor esta personagem. Até porque deu para atravessar, e até superar, um lado muito negro da personagem. Mas encarar isso como terapia é quase como abrir a caixa de Pandora. Por isso, não o faço.

Sentiu logo esse aspecto perturbador?

Esta foi a primeira vez que abordei este item. Eu não sabia nada de nada. Mas há uma ligação forte entre a representação e a terapia, porque representar é tentar ver o mundo e compreendê-lo através dos olhos de outro. Eu achei muito útil poder encarar isso pelo ponto de vista psicológico e analítico.

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A Keira já fez psicanálise?

Sabe, fico um pouco incomodada com a pergunta, embora a ache totalmente válida no contexto do filme. Mas não consigo deixar de me sentir desconfortável com ela.

Isso porque fez?...

Isso porque não vou responder... Acho que não devemos responder quando nos sentimos desconfortáveis. Mas na verdade falei com dois psicanalistas sobre este papel. Ambos me ajudaram imenso. Um era o autor de um livro sobre a Sabina Spielrein, em que relatava uma colecção de notas que o Jung escrevera sobre ela. A outra psicanalista era amiga de um amigo que se disponibilizou para ajudar. Falei com ela durante algumas horas para compreender esse lado masoquista, pois era algo que eu não conseguia descortinar, bem como as ligações de amor-ódio com o pai. Saber até que ponto a ligação com o Jung era uma transferência. Compreende que não é fácil, pois é contraditório. E era também essa contradição simultânea que me complicava a vida. Depois acabei por compreender e usei até essa experiência em outros filmes que fiz entretanto. Acabou por ser muito inspirador.

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Parece ter-se especializado em representar figuras de uma outra época, não concorda?

Concordo, mas não lhe sei explicar porquê... [risos]. Mas gosto imenso, isso é verdade. É algo que me interessa. Adoro História, sempre gostei quando estudava. Talvez isso tenha algo a ver, mas não sei.

É fácil para si abandonar estas personagens de uma outra era, nas quais tanto investiu, e seguir em frente?

Acho que esta foi até uma das que mais facilmente me libertei. Foi um desafio tão intenso e excitante. Normalmente quando interpretamos uma personagem há sempre algo que nos liga a ela. Não que eu use isso como terapia, mas é algo com que podemos relacionar-nos. Senti que esta personagem estava completamente fora do meu alcance. Talvez por estar tão longe de mim, não foi complicado abandoná-la. Por vezes, quando existem essas ligações, isso torna-se mais difícil.

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Tanto o Viggo (Mortensen) como o Michael (Fassbender) ou o Vincent (Cassel) ajudam para que o filme funcione. Imagino que esta escolha de actores tenha ajudado o trabalho de todos...

Sim, muito. O David parece quase um mágico pela forma como escolhe os seus actores. Para mim, foi quase como um blind date.

No entanto, calculo que não tenha sido fácil para si preparar-se para uma cena tão erótica e masoquista...

Por acaso, quando o meu agente me falou deste papel, confesso que fiquei muito entusiasmada, porque era um sonho tornado realidade. Mas quando me chamaram a atenção para estas duas cenas, isso foi algo que me deixou um pouco de pé atrás. Na verdade, não sabia se as conseguiria fazer, se as queria fazer. Só não aceitei que fossem retiradas porque achei que faziam mesmo parte intrínseca da personagem. Achei que era importante fazê-las e era importante mostrá-las no contexto do filme.

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Falou com o Cronenberg sobre a forma como seria tratado esse erotismo?

A primeira coisa que acordámos foi que as cenas não deveriam ter um ponto de vista voyeurístico, mas sim clínicas e directas. Isso deixou-me mais interessada. E acho que o que o David fez foi brilhante.

Uma vez alcançada essa segurança, teve menos receio em se expor fisicamente?

Uma vez mais, não há nada que me ligue a esta personagem. Não a julgo, mas não é nada que eu fizesse. Inicialmente, tive alguma dificuldade em compreender onde deveria ir, que caminho seguir. Grande parte tem a ver com aquilo que ela é, mas também com a doença dela. Foi por isso que eu quis mesmo ir até ao fim. Foi fascinante todo esse processo de compreensão e interiorização da Sabina.

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Quando olha para trás, fica contente por ter feito este filme?

Não sei, tomei essa decisão baseada num trabalho sério. Nem acho que contente seja a expressão correcta. Fiquei orgulhosa de o ter feito, isso sim. E considero que essas duas cenas de masoquismo, em que levo umas palmadas, são muito importantes.

Calculo que tenha sido um papel desgastante. Mas ainda bem que estava bem acompanhada e podia desanuviar...

... sim, saía com os meus colegas e íamos beber umas cervejas e ver futebol.

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A sério?

Claro! Por quem me toma? [Risos] Era um grupo excelente. Quando isso acontece é óptimo, embora isso nem sempre aconteça.

Imagino que deve ser divertido ver futebol com o Viggo, pois sei que é um grande fã...

Do San Lorenzo, não é?

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Sim, anda sempre a fazer propaganda à equipa... Mas a Keira é uma menina do Arsenal, calculo?

Eu sou uma menina do West Ham!

Ouch!

Sim, essa deve ter doído... Mas olhe que a minha grande equipa já os bateu.

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É mesmo uma grande adepta de futebol? Já quando fez Joga como Beckham (2002), a sua estreia num filme sobre futebol feminino...

Não sou uma grande fã, mas gosto de ver. Às vezes, porque nem sequer tenho televisão. Vou ao pub e vejo um ou outro jogo. Mas não foi pelo filme, sempre gostei de futebol.

Como é que não tem uma televisão?

Nunca gostei muito do que passava na televisão, por isso nunca senti necessidade de ter uma em casa. Gosto muito de ver séries e documentários. Gosto de futebol, mas detesto reality shows e decoração de interiores, embora não tenha nada contra. Pensei que gastar horas a ver televisão era algo pouco produtivo. E gosto de ver alguns filmes.

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Mas como é que os vê?

Aha! Tenho um projector! É fantástico. Vejo os filmes e as séries que compro em DVD.

Quando era jovem, já ia frequentemente ao teatro com os seus pais, que são pessoas do meio. Foi então que percebeu que o seu futuro poderia passar por aí?

Sim, aparentemente, pedi para ter um agente aos três anos de idade...

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Era o que ia comentar... Portanto, o dado da Wikipédia está correcto.

Está. Ou melhor, acho que está, porque, aparentemente, tinha três anos. E tive um agente, mas aos seis anos. Agora com uma mãe dramaturga e um pai actor e em que todos os amigos deles estão dentro do meio artístico, é difícil não ficar ligada desde cedo. Era o que eu conhecia. É, de facto, um mundo muito sedutor. Cedo me apaixonei e quis permanecer nele.

Consegue obter alguma opinião critica dos seus pais, ou são muito condescendentes com o seu trabalho?

O meu pai é bastante crítico, o que é óptimo. Acho que a critica é muito importante, embora devamos perceber de onde vem. Uma discussão do ponto de vista artístico é muito salutar.

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Pede também o conselho deles?

Nem por isso... [risos]

E eles estão orgulhosos do seu trabalho?

Acho que sim [risos]. Apoiam-me imenso e não sabem porque eu não tenho uma família. Eu também não [risos]. Mas são fantásticos.

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Tem a noção de quando perdeu o seu anonimato?

Provavelmente aos 18 anos, porque foi quando estreou o  Piratas das Caraíbas. O período dos 18 aos 21 anos não foi muito divertido para mim. Isto é, diverti-me a fazer o meu trabalho, mas viver assim os meus últimos anos de adolescência não acho que tenha sido o melhor. Mas agora estou a divertir-me imenso [risos].

Em que aspectos vê essa diferença?

Acho que é um momento delicado, porque o meu corpo está a mudar e estou a aprender muitas coisas, a crescer como pessoa e a descobrir o mundo de uma outra forma. Por ouro lado, também é o mundo que vem ter comigo. Neste caso, não é o mundo, mas uma tralha de câmaras à minha frente que me obriga a saber reagir. Às vezes, é difícil ver o que está do outro lado.

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Calculo que ainda assim não tenha motivos para se arrepender...

Não, nada. Pelo contrário. Tenho alguma nostalgia de ter passado ao lado de algumas coisas, mas são compensadas por muitas outras. Foi também um tempo incrível.

Qual foi o pior momento da falta de privacidade?

Foi quando o Piratas 3 saiu. Nessa altura, não conseguia mesmo sair de casa. Tinha 20 fotógrafos em permanência à minha porta. Por isso, nunca saía. Mas agora não é assim. Posso sair, sei o que posso fazer e quando devo colaborar e contornar as situações sem deixar de me divertir.

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Acha que perdeu parte da juventude?

Não sei. Vivi o que vivi, por isso não sei o que perdi. Tive experiências muito diferentes da grande maioria das pessoas. Mas muita gente me diz que detestou a adolescência, por isso não sei... Possivelmente, até seria uma delas... Por isso, acho que não perdi nada. Até porque me diverti imenso. Mesmo muito!

Hoje em dia, como é que gere a sua vida? Encontrou a sua estabilidade?

Tento harmonizar. Sou capaz de fazer um grande blockbuster e toda a campanha de promoção associada, em que a minha cara aparece em todo o lado. Entretanto, procuro compensar com alguns filmes independentes, que me poderão trazer ouro tipo de satisfação.

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Houve um momento em que sofreu um período de depressão. É algo com que consegue lidar hoje?

O lado pior é quando há fotografias que se vendem a peso de ouro de raparigas que podem ter algum problema. E quando eu sou uma delas, isso torna-se doloroso.

Qual vai ser o seu próximo projecto?

É um filme que acabei de rodar no Verão. Chama-se Seeking a Friend on the End of the World, com o Steve Carrel, e é uma comédia muito negra sobre o fim do mundo. Entretanto, vou começar a Anna Karenina, com o Joe Wright, com quem fiz Expiação e Orgulho e Preconceito. Estou muito entusiasmada.

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Calculo que tenha lido o livro...

Sim, li o livro. É um tempo fascinante na Rússia. Estou farta de ler livros de história sobre a Rússia. Já fizemos duas semanas de ensaios, faltam ainda outras duas.

Com todos estes filmes que fez, muitos deles blockbusters, atreve-se a fazer alguma compra extravagante? Para além do projector, é claro...

Por acaso, foi surpreendentemente barato... Quer dizer, não muito barato, mas pensei que fosse bem mais caro. Se fiz alguma extravagância? Sim [risos], mas não lhe vou dizer o que foi... [risos]

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E férias?

Ainda não tive este ano. Por acaso passei uma semana de férias em França. Foi bom. Talvez para o ano que vem.

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