Trabalho. "Se não tivermos amor-próprio, entramos em sobrecarga. Não conseguimos dizer 'não' porque queremos agradar"

No primeiro dia do Máxima House of Beauty 2025, o New Era Stage foi palco de uma conversa sobre o impacto que o amor-próprio tem na carreira.

Oradoras debatem falta de amor-próprio e impacto no trabalho Foto: DR
27 de junho de 2025 às 14:34 Maria Salgueiro

A tarde estava quente e solarenga no passado dia 20 de junho, quando as portas dos Jardins do Palácio Marquês de Pombal, em Oeiras, se abriram para o. Entre ativações, ofertas e workshops, o New Era Stage foi inaugurado pelas 17h30 com o workshop de Body & Mind Detox, introduzido por Joana Teixeira, fundadora do The Therapist.

Foi tempo então de darmos início , "Como é que a falta de amor próprio se manifesta no trabalho?", com as convidadas Teresa Rebelo Pinto — psicóloga e somnologista, , onde coordena a equipa de psicologia e sonho — e Lourdes Monteiro —, a especialista nº 1 em Portugal em Career Redesign, autora do livro Quero Posso e Mudo de Carreira e do podcast com o mesmo nome.

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O Máxima House of Beauty 2025 foi palco de várias talks focadas em temas atuais e relevantes nas áreas da beleza, saúde, auto-estima e maternidade. Ao longo das próximas semanas, a Máxima vai recordar alguns momentos marcantes que passaram pelo New Era Stage ao longo dos dias 20 e 21 de junho.

Como é que o amor-próprio impacta a nossa relação com o trabalho?

Teresa - A questão do amor próprio no trabalho é muito importante, no sentido em que a nossa relação com o trabalho não tem a ver só com o que se passa no local de trabalho ou com a pessoa que nós somos nesse papel. E se calhar a Lourdes depois vai falar um bocadinho sobre isso. Mas, desde o início do nosso desenvolvimento, que nós já nos começamos a projetar no futuro, com aquela célebre pergunta, “o que é que queres ser quando fores grande?” E eu acho que quando se faz essa pergunta em pequeninos, já conseguimos vislumbrar um bocadinho desta questão do amor-próprio e de como é que a pessoa se vê e se projeta no futuro.

Claro que, enquanto crianças, temos uma criatividade ainda muito larga, uma imaginação super fértil. Não estamos ainda todos muito quadrados e, portanto, as respostas são normalmente muito originais e muito emocionantes. E, infelizmente, isso às vezes vai-se perdendo.

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Mas a verdade é que a questão do amor-próprio, a forma como nós nos relacionamos connosco, naquilo que gostamos em nós, vai afetar não só aquilo que são as oportunidades que nós vamos criando, como depois todos os nossos desempenhos em fases de entrevista, na criação do nosso CV, como nos apresentamos, como nos damos a conhecer e, depois, claro, as nossas vivências durante o próprio contexto de trabalho, a relação com colegas, com o chefe, enfim. Portanto, no fundo, a forma como nos relacionamos connosco e como nos vemos vai ser muito, muito, muito importante para todas as áreas do trabalho. Eu diria que, talvez, a mais importante é, antes de começar o trabalho, que é a criação dessas oportunidades.

Portanto, se nós não vislumbramos nada de especial em nós, se acharmos que não somos grande coisa, com certeza também não vamos conseguir criar boas oportunidades.

Numa conversa no Máxima House of Beauty, debateu-se o impacto do amor-próprio na carreira Foto: DR

Pegando aqui nesta ideia, eu aproveito para perguntar à Lourdes que, muito recentemente no seu podcast, falou de um conceito de que eu nunca tinha ouvido falar, que é o valor-próprio.

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Lourdes - O valor-próprio tem a ver com a forma como olhamos para nós, não é? Até que ponto é que temos consciência de quais são as nossas qualidades, os nossos princípios, os nossos valores e, sobretudo, os nossos limites. E o que a Teresa estava a dizer vai muito ao encontro disso, não é? Nós temos consciência de quem somos e do que, independentemente daquilo que os outros pensem, temos a noção de que merecemos ser respeitados. Portanto, é uma relação de lealdade e respeito por nós próprios. Isso depois vai impactar a forma como nos relacionamos com o trabalho, e não só com o trabalho, com a vida em geral, mas especificamente no trabalho. Acabamos por ir atrás das oportunidades, como a Teresa dizia.

[Quando temos valor-próprio] vamos para entrevistas com mais confiança. Acreditamos que somos merecedores daquela oportunidade. E, na relação com chefias — é frequente encontrarmos algumas chefias tóxicas — somos capazes de dizer não ou de traçar um limite. Isso é quando existe valor-próprio. Quando não existe, o que acontece é que sentimos que estamos constantemente a ter que provar algo aos outros e que precisamos da validação do outro. E isso pode aprisionar-nos na nossa rotina. Podemos trabalhar demasiado, podemos entrar em sobrecarga, não conseguimos dizer que não àquilo que nem sequer temos vontade de fazer, queremos agradar aos outros. Portanto, depois isto entra aqui numa bola de neve que, por vezes, nos leva para cenários pouco simpáticos.

Aqui, em relação à questão do merecimento de que falou, Teresa, diria que uma pessoa com falta de valor-próprio é uma pessoa que mais facilmente vai sentir síndrome do impostor, um tema que está super atual.

Teresa - Está muito na moda. Eu acho que agora é moda dizer, eu sofro de síndrome do impostor. Vamos lá ver. Autoestima, amor-próprio, valor-próprio, são tudo coisas que acabam por estar interligadas. A questão do merecimento é muito, muito importante. E tem a ver com crenças que fazem parte de nós e que se manifestam não só no contexto de trabalho, mas em várias áreas da nossa vida. Portanto, se eu tenho a crença de que eu, para ser vista ou para ser recompensada, tenho que dar muito mais do que aquilo que me pedem, não interessa nada o que é que me pedem. Vou sempre sentir que eu tenho que dar mais. E, portanto, isto é uma crença que está enraizada e que, mesmo quando nós tentamos limitar, por exemplo, a quantidade de tarefas que passamos a esta pessoa, vai ser um bocado indiferente porque o resultado acaba por ir parar a isso. São tentativas de compensação da falta de valor que eu atribuo àquilo que faço.

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Portanto, parece que aquilo que eu faço só tem valor se for muito mais do que o que me pedem ou se for, enfim, caracterizado por alguma coisa que seja fora do comum, digamos assim. E, portanto, é esta coisa daquilo que eu valorizo. Nós vamos sempre ter tendência nos nossos comportamentos para agir de acordo com aquilo que nós valorizamos. E, portanto, se nós não nos valorizarmos muito, a nossa atitude no trabalho vai refletir isso. Enfim, e não é só no trabalho, diria eu, se calhar nas relações amorosas. Vamos estar mais disponíveis para estar em relações menos saudáveis, digamos assim. Também se usa muito o termo tóxico, mas pronto. Prefiro dizer menos saudáveis. Porque podemos sentir que, enfim, não merecemos melhor ou é melhor jogar pelo seguro. Também há muito esta ideia, não é? Que eu prefiro guardar o que tenho em vez de arriscar.

Lourdes - A pessoa tem tendência a fazer mais do que lhe é pedido, por exemplo, e por vezes acontece que do outro lado isso é reconhecido, é valorizado e a pessoa não acredita. A pessoa não acredita e continua com aquela perceção de que está aquém do que é desejado. E isto é um sinal fortíssimo de falta de valor próprio.

Especialistas debatem impacto do amor-próprio no trabalho Foto: DR

Uma coisa que nos pode ajudar a todos, mesmo a quem tem amor próprio, é termos uma série de não-negociáveis, estabelecermos isso para nós. A Lourdes quer explicar o que isto significa e dar alguns exemplos?

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Lourdes - Isso é algo que eu trabalho muito com os meus clientes porque é muito frequente nos processos de acompanhamento que eu faço as pessoas terem manifestações de falta de valor-próprio. E há muito aquela coisa de "eu tenho que aceitar o que me dão" ou, como estava a Teresa a dizer, "eu tenho que ficar nesta oportunidade porque não vou encontrar melhor". Eu gosto muito do termo responsabilidade. Eu assumir a responsabilidade sobre aquilo que eu pretendo na minha relação profissional. Portanto, se eu quero ter autonomia, então isso é um não-negociável. E significa que, quando eu estou a escolher as oportunidades de trabalho nas interações com a minha futura chefia, devo perceber até que ponto é que essa chefia está confortável em dar-me essa autonomia. Se faz microgestão, não me vai dar essa autonomia. Isso depois vai fazer com que a relação não seja sustentável. A pessoa vai ter muita dificuldade em lidar com isso. É claro que se o chefe for microgestor e a pessoa tiver falta do valor-próprio, vai entrar naquela tendência de fazer mais do que aquilo que deve. Ou estar sempre a tentar provar que está à altura, ou que é competente, ou que é capaz. Pronto, fica ali aprisionado.

Mas os não-negociáveis são sobre trabalhar muito esta noção da pessoa de, "ok, eu também posso escolher. Sou parte interessada em construir uma relação profissional sustentável". Então eu tenho que ter claro o que eu quero. Da mesma maneira que o outro lado tem claro o que quer. E vamos ver onde é que está esse alinhamento. Se esse alinhamento existir, muito bem. Se esse alinhamento não existir, está tudo certo. Eu vou procurar uma outra relação profissional.

E os não-negociáveis mais frequentes que as pessoas têm estão muito relacionados com a compatibilidade com as chefias. Ou seja, procuram chefias que dêem a tal autonomia, com culturas mais humanizadas e colaborativas, com a flexibilidade no trabalho, principalmente as mulheres. Nós mulheres, como temos aqui um papel ainda muito preponderante na vida doméstica e no acompanhar os filhos, valorizamos sobretudo a possibilidade de flexibilidade horária para conseguirmos conciliar as várias frentes. E isto pode ser e é um não negociável para muita gente.

Depois temos as questões salariais, como é óbvio. E depois temos, muitas vezes, para quem tem valor próprio, o alinhamento de valores. Até que ponto é que os meus valores pessoais estão alinhados com os valores organizacionais. Porque, de facto, se eu for uma pessoa muito colaborativa e estiver numa organização cuja cultura é mais competitiva, o que vai acontecer é que eu vou estar permanentemente em esforço para manter-me naquela relação. E para que as coisas funcionem. Ou eu tenho que tornar-me uma pessoa que eu não sou e na qual não me revejo. Quem tem uma noção de valor próprio bem trabalhada, geralmente apercebe-se disso. E não progride na relação, muda de relação. Quem não tem, permanece porque acha que não vai encontrar melhor.

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Especialistas discutem o impacto do amor-próprio no trabalho, com Teresa Rebelo Pinto e Lourdes Monteiro Foto: DR

Teresa - Há uma coisa que ajuda muito nisto. Não sei se costumam fazer isto ou não. Já compararam as relações de trabalho ou a relação com o trabalho a uma relação amorosa? Já fizeram este exercício? É uma ideia que eu deixo para fazerem em casa, que é, sobretudo quando houver uma situação mais conflituosa no trabalho ou de desmotivação, a pessoa parar para pensar não só naquilo que valoriza, mas também como é que eu sou nas relações. E como é que eu gosto que as relações sejam para funcionar. E, por exemplo, coisas como falar de aumentos.

As pessoas dizem muito esta expressão, que é pedir um aumento. E eu, sobre isso, pensando nesta lógica de comparar as relações do trabalho com as relações pessoais, por exemplo, amorosas, também penso se alguém vai a um namorado, a uma namorada, a um marido, à uma mulher e vai pedir para fazermos aqui uma alteração na nossa dinâmica.

Quer dizer, se o fizer, muito provavelmente então também estamos dentro de uma relação ou desigual ou na qual eu sinto uma falta de amor próprio ou uma falta de participação na relação que não vai trazer um resultado assim tão bom. E, portanto, se nós adotarmos mais a lógica da responsabilidade, como a Lourdes dizia, e da negociação saudável, não é? Quer dizer, para mim foi não negociável subir a este palco sem óculos escuros. Quer dizer, eu cheguei aqui e disse "não estou a acreditar nisto, vou ter que me proteger se não apanho um escadão e é impossível ir para ali sem óculos escuros se não vou passar o tempo inteiro assim [franze os olhos]".

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E, portanto, imediatamente, já agora, as minhas colegas de palco aproveitaram para dizer "eu também, eu também". E, às vezes, se não há oportunidade, se ninguém tem esse movimento, começam-se a instalar relações em que estamos todos aqui um pouco desconfortáveis mas ninguém tomou a opção de negociar. E eu perguntei-lhes, "o que é que acham? Acham que podemos levar? É mau? Não é mau?" Pronto, e num contexto de trabalho, muitas vezes, pelas hierarquias ou pela falta de cultura de proximidade ou falta de amor-próprio, não existe espaço para isso e isto tem que ser cultivado individualmente primeiro que tudo. E, mais uma vez, como eu vos dizia, se, a título pessoal, eu tomo essa iniciativa com bom senso, também não é só reclamar direitos, não é? Com bom senso de ter uma atitude de negociação, de explicar por A mais B olhem, eu acho que mereço isto, eu fiz isto, ou o que é que é preciso eu fazer para merecer aquilo que eu gostava de receber, seja em termos de salário ou outros benefícios, e só depois disso, então, chegarmos à conclusão de que estamos completamente desalinhados com esta organização. Então, enfim, tal e qual como num namoro, se calhar, mais vale zarpar.

Lourdes - Eu gosto muito desta ideia. As relações também se regulam e, lá está, nós temos que nos lembrar que temos responsabilidade e somos parte envolvida. Então é preciso fazer a nossa parte, não é? Não ficar só a criticar o outro lado ou não fazer só pedidos e ficar imóvel à espera. Então, a regulação e a tomada de consciência e a aprendizagem do que acontece com a outra parte e como é que eu estou naquilo que estou a dar enquanto contributo faz parte desta regulação. E, então, dando essa oportunidade para que nos relacionemos, vemos como é que as coisas progridem, e isto pede paciência, tempo, atenção, algum cuidado, porque tudo que vale a pena dá um certo trabalho.

Eu queria falar também sobre crenças internas porque, muitas vezes de forma inconsciente, vamos recolhendo para nós crenças que nos dizem, por exemplo, que nunca vamos ter um bom salário, nunca vamos trabalhar numa empresa com um bom ambiente,... São coisas que por vezes nem percebemos, porque nunca as verbalizámos ou parámos para pensar nisso, mas acreditamos nisso para nós próprios. Queria, se calhar, passar a palavra à Teresa. Fala-me um bocadinho sobre as crenças internas.

Teresa - As crenças são muito importantes. Nós temos crenças desde pequeninos. Há aspectos muito relevantes do ponto de vista familiar e cultural. Por exemplo, aqui em Portugal somos todos muito virados para a saudade, o fado, somos mais fatalistas do que se calhar no Brasil ou noutras culturas, e isso tem muito impacto nas nossas crenças. Não é a mesma coisa crescermos em Portugal ou crescermos nesta família ou noutra qualquer. E essas crenças, de facto, vão mudar a forma como nós nos vemos a forma como nos relacionamos. Do ponto de vista de saúde mental, isto é muito importante. As crenças disfuncionais começam a cristalizar-se enquanto adultos e, se não forem trabalhadas, podem conduzir a processos de patologia mental grave e muito incapacitante. Não é só no contexto de trabalho, mas do ponto de vista da nossa saúde mental em si mesma.

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Ficamos fragilizados se começarmos a desenvolver uma autocrítica muito acentuada constante com comportamentos autodestrutivos por sentirmos, por exemplo, por termos a crença de que não merecemos coisas boas. Lembro-me de ter um paciente que não tinha dinheiro para comer e de eu levar para a consulta um lanche, um picnic, e disse, "olhe, estou com fome trouxe aqui um picnic, vamos lanchar", e eu tinha a sensação de que era a sua primeira refeição do dia e esta pessoa, com o seu orgulho e com o seu ego, dizer "não, prefiro passar fome do que alguém ter que partilhar comigo". Tinha a crença de que não merecia a generosidade.

Hoje em dia, esse paciente é uma pessoa completamente diferente. Foram trabalhadas crenças do ponto de vista profissional. Esta pessoa tinha a crença de que como não tinha sido possível frequentar um curso superior, nunca iria arranjar um bom trabalho. Hoje em dia é uma pessoa muitíssimo bem remunerada, muitíssimo bem sucedida, e isso aconteceu precisamente porque foi trabalhado, não só um conjunto de crenças internas, sobre si mesmo e sobre o mercado de trabalho.

Já agora introduzo aqui um outro tema. Às vezes as pessoas têm uma boa estrutura de saúde mental e têm alguma dificuldade com o amor-próprio, mas enfim, dá para construir com alguma paciência. Noutras vezes, demora mais tempo porque efetivamente, faltam as fundações, da casa. Portanto, temos que trabalhar desde a base. É muitíssimo importante trabalhar desde crianças em família esta ideia de que não é que todos somos especiais e que toda a gente pode ter tudo não é isso, mas é reconhecer o potencial de cada um estar com atenção e ir dando resposta na medida do possível para que então no futuro isso possa traduzir-se não em ego, que era o conceito que eu gostava de introduzir aqui, não estamos a falar aqui de ego, mas sim de um amor-próprio que é o que está, diria eu, por baixo do ego. Portanto, é aquilo que não precisa de ser expressado ou não precisa de palmadinhas para ser visível, mas o que a pessoa sente sem precisar de elogio ou sem precisar de ser reforçado ou validado externamente.

Teresa Rebelo Pinto e Lourdes Monteiro falam sobre amor próprio no trabalho Foto: DR

A Teresa falou há pouco do mercado de trabalho e eu acho que isso é um tema importante para trazermos para aqui também. Porque, por vezes, as crenças que nos limitam não são só internas mas também externas. Ou seja, a pessoa até sente que merece mais mas está com uma total desconfiança no mercado de trabalho  e em Portugal isso acontece muito, por ser um país com poucas oportunidades, onde os salários são conhecidos por serem baixos. Lourdes, o que é que tem a dizer sobre isto? A Lourdes que ajuda as pessoas a fazerem mudanças de carreira.

Lourdes - Eu trabalho com essas crenças todos os dias. As pessoas muitas vezes as pessoas procuram-me porque querem mudar de carreira, mudar de emprego, mudar de área, mudar de função e vêm com aquelas crenças de que o mercado está mal, de que não há oportunidades, de que somos mal pagos… É muito importante nós percebermos uma coisa. A maneira como nós pensamos condiciona a maneira como nós agimos e tomamos decisões. E, portanto, se eu acredito que de facto é assim, muitas vezes nem vou a jogo.

Aquilo que eu trabalho com as pessoas é exatamente desmontar essas crenças, porque possibilidades há sempre, só que isso implica que a forma como nós endereçamos o mercado, olhamos para o mercado e como o abordamos também é diferente, e começa por um trabalho feito na própria pessoa, para só depois endereçar o mercado. O que é que a maior parte das pessoas faz? Olha para o mercado — e quem tem baixo valor-próprio ainda fica pior, "eu vi as vagas no LinkedIn e não me encaixo em nada daquilo". E, reparem, esta expressão de "eu não me encaixo nisto" é uma expressão típica de quem tem um valor-próprio um pouco frágil. Porque eu não tenho que me encaixar, eu estou à procura de algo onde possa aportar valor e responder às minhas necessidades.

Então isto tem que servir ambas as partes. Esta história do mercado de trabalho... o nosso mercado de trabalho tem evoluído imenso e, portanto, há oportunidades, sim. É preciso é saber trabalhá-las, é preciso primeiro irmos às fundações da casa, ao valor-próprio. Quais são os meus princípios, os meus valores, os meus talentos, em que é que eu tenho interesse, o que é que eu sei fazer, quais são as necessidades que existem no mercado às quais eu posso responder, o que é que o mercado valoriza e está disposto a pagar.

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Este exercício tem que se fazer antes. Se eu vou atrás do que o mercado está a dizer e não me identifico com aquilo, isto exacerba a minha sensação de estar desajustado. Eu não recomendo isto a ninguém, é o que toda a gente faz quando está insatisfeita. Começa a olhar para fora e pensa, "oh meu Deus, eu não encaixo em lado nenhum o que é que eu vou fazer à minha vida?" Então calma, vamos respirar fundo, vamos procurar ajuda de profissionais, porque nos ajudam certamente a trabalhar isto. E é possível. Agora, isto requer que a pessoa esteja disposta a aprender sobre si própria, também, e não ficar naquela posição, naquela postura de só criticar o mercado e fica ali fechado. Não, tem que haver abertura, isto tem que ser trabalhado para depois, então, conseguir os resultados que se desejam.

Teresa Rebelo Pinto e Lourdes Monteiro debatem o impacto do amor-próprio no trabalho Foto: DR

Pode parecer mais confortável mantermo-nos em situações más.

Lourdes - Porque eu quando me queixo tenho a atenção das pessoas. Também é bom percebermos isso, não é?

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A Teresa há pouco falava da questão do ego, que acho que é pertinente, aqui. Porque tenho a sensação de que há muita gente que está insatisfeita com o trabalho, ou com a empresa onde está, mas esse trabalho ou essa profissão dá-lhe um certo estatuto. E, portanto, pergunto: uma pessoa que não tem o ego bem resolvido é alguém que acaba por ter mais dificuldade em afastar-se de uma oportunidade quando a sociedade olha para aquele sítio como um sítio desejável?

Teresa - Se tenho o foco em mim, me organizo e me relaciono com as pessoas à minha volta e com os ambientes, contextos da minha vida, a partir de mim para fora — isso, à partida, é um movimento mais saudável. Porque me conheço, sei o que funciona comigo, sei o que estou disposto a ceder. Temos sempre que fazer algumas cedências e, portanto, eu vou escolhendo coisas como em que tipo de casa é que me sinto mais confortável, gosto mais do campo ou da cidade, gosto mais de prédio ou de uma casa.

Quando eu estou a olhar primeiro para fora, baseado nas minhas crenças, ou a tentar encaixar, como a Lourdes dizia... Por exemplo, vou para a empresa XPTO, tem um grande nome, tem uma grande reputação, e depois chego lá e não me identifico com nada daquilo, não, mas estou na empresa XPTO. Isto é um bom exemplo de um movimento que é bom para o ego, a pessoa fica inchada, sente que pertence ali, mas, depois, quando se vai ver a fundo, o que é que aquilo tem assim de positivo? Nada. E se calhar isso às vezes acontece também a escolher uma casa. Estou no bairro tal mas depois, afinal, não gosto daquelas pessoas ou não me dou com aquele estilo de gente. Ou até para escolher um parceiro de namoro ou os grupos de amigo.

Portanto, nós todos precisamos de festinhas no ego, não é isso que está em causa. Gostamos de ouvir elogios, isso é ótimo, mas isso tem muito mais poder quando ressoa cá dentro, quando isso faz ressonância interna. Eu gosto de ouvir um elogio no qual eu também me reconheço. Se não me estiver a sentir muito bem e a pessoa fizer aquele elogio simpático, "ai estás ótima hoje", se eu tiver amor-próprio, vou dizer "não, por acaso não". Se eu não tiver muito amor-próprio, vou pensar, "ai, esta pessoa disse-me que eu estou bem, então, se calhar, é assim que eu estou bem". E depois começamos a alimentar um conjunto de coisas muito esquisitas e que, de facto, não são saudáveis nem no trabalho nem em nenhuma área da nossa vida.

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Costumo explicar isto visualmente. A nossa autoestima está por dentro e o ego é quase como se fosse aquela camada que é o que se vê por fora e que, claro, beneficia de elogios e de festinhas. Mas se nós só vivemos assim, nesta camada, vamos estar sempre à procura de situações em que estejamos sempre a ser elogiados e, portanto, no contexto de trabalho, somos um bocadinho lambe-botas, daquele género show-off. se calhar até nem somos assim tão produtivos, estávamos aqui sem fazer nada mas alguém entrou na sala e já estamos muito produtivos. Ou mandámos um e-mail à meia-noite para parecer que estamos a trabalhar.

Lourdes - É vazio.

Teresa - Exatamente, mas é um conjunto de comportamentos que são muito à volta desta estrutura do ego e que, enfim, se a pessoa não está saudável, é isso que vai procurar. Posso dizer que, do ponto de vista da experiência que tenho de acompanhar pessoas clinicamente com questões de saúde mental, e que muitas vezes envolvem o trabalho, convém dizer que o trabalho acaba por ser um espaço onde nós passamos muito tempo, que tem um peso muito relevante nas nossas vidas e como tal tem um quer dizer, um conjunto de fatores que pesam muito na saúde mental, na qualidade do sono e por aí fora. Isto acaba por ser uma bola de neve. Temos que ter isso em conta, para promover mais autoestima e menos ego.

Que práticas de amor-próprio ou de autocuidado é que vos ajudam a autorregular, a reconectarem-se convosco próprias? Começamos pela Lourdes.

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Lourdes - Todos os dias, faço um balanço do meu dia antes de dormir, para ajudar o meu sono a ser mais higiénico. Consiste em sentar-me e responder a mim própria, de o que é que eu me orgulhei de mim hoje, o que é que eu fiz hoje que me deixou orgulhosa e o que é que eu tenho para agradecer. É muito engraçado porque, geralmente, as respostas são coisas muito simples, não são as grandes conquistas. Foi conseguir dar uma palavra de elogio a uma colaboradora naquele dia, foi ajudar aquele cliente daquela maneira, foi poder estar com o meu filho e ter uma conversa de qualidade. Também faço meditação, que me ajuda muito a manter-se centrada e a perceber quando é que os meus limites podem estar a ser ultrapassados ou não — e quando se é empreendedor, como é o meu caso, às vezes nós próprios temos tendência a ultrapassar os nossos limites. A meditação ajuda-me bastante nesse aspecto e, claro, tenho a minha terapeuta, que é quase obrigatório.

Teresa - Tenho duas coisas muito importantes uma na minha vida pessoal e uma na vida profissional neste momento tenho uma equipa, coordeno uma equipa portanto tento olhar para a nossa equipa quase como se fosse a família tal como enquanto mãe tenho que ter um bocadinho sozinha com cada um dos miúdos lá em casa acho que essa visão da estrutura hierárquica de trabalho como uma estrutura familiar que requer tempo, paciência, relações profissionais claro, mas com alguma atenção específica a cada pessoa ajuda-me imenso, é sentir que as coisas não estão género, nem sei nada sobre esta pessoa sou incapaz no trabalho portanto acho que é uma medida de autocuidado profissional, é ter tempo para estar com cada pessoa e o tempo escasseia hoje em dia, ninguém tem tempo para nada mas eu, tempo para as pessoas arranjo sempre, a minha equipa sabe disso basta dizerem, precisava de um bocadinho nesse dia ou no dia a seguir estou a libertar a agenda para estar com aquela pessoa e em termos pessoais, contato com a natureza porque na realidade acho que às vezes nos esquecemos um bocadinho disto, e a mim enfim, pôr os pés na relva, ou apanhar um bocadinho de sol, ou fazer uma caminhada ao ar livre acho que é das coisas que mais me ajudam não só a dormir bem mas a sentir-me bem e a sentir também que tenho esse tempo para mim portanto, tal como dou tempo aos outros ponho-me na lista como uma pessoa que também precisa de tempo portanto às vezes digo, não, este programa era giro com a família ou com amigos não, mas agora estou a precisar mais de tempo comigo então vou fazer este programa comigo e portanto ter essa vigilância o que é preciso agora é estar com os outros ou comigo isso é muito importante, portanto o meu truque é tempo inventar,


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