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Beleza

Aromas celestes

Colónias de convento, bálsamos monásticos, perfumes com odores de igreja… Estará a beleza em busca da espiritualidade? Descodificamos uma tendência que parece prestes a tornar-se um culto.

08 de julho de 2015 às 15:24 Máxima

Da Água de Cidreira das Carmelitas, à Água de Esmeralda das Beneditinas, e a Jouvence de l’Abbé Soury – célebre venotónico inventado por um padre milagreiro –, a tendência boticária e o movimento slow ressus citaram receitas centenárias e aumentaram o potencial hype dos produtos "made in mosteiro". Sabões naturais, águas de flores destiladas, álcool de plantas medicinais, pomadas salvadoras (o famoso Bálsamo do Peregrino, que podemos encontrar no Comptoir des Abbayes, em Paris, por exemplo), esse artesanato sem artifícios está prestes a tornar-se um culto. Será uma crise de fé ou busca de sentido? Fenómeno de moda ou tendência de fundo? "Em plena crise de identidade e societal, em todo o mundo, regressamos às fontes universais. Ao artesanato, às comunidades religiosas que fabricam produtos autênticos, não consumistas, sem falsas promessas. A isso se junta a ideia de fazer uma boa ação." É a análise de Vincent Grégoire, diretor de lifestyle do gabinete de estilo Nelly Rodi, que viu esta tendência emergir no Japão e na Coreia há alguns anos. "Num mundo virtual em que tudo sedesmaterializa, temos necessidade de coisas incarnadas e espirituais. É uma busca do sentido da vida que anda a par das correntes ‘místicas’ de bem-estar do momento: meditação, jejum, retiro, ascetismo, etc."

ÁGUAS BENTAS & COLÓNIAS DIVINAS

Historicamente nascidas nos mosteiros (onde os monges ervanários, boticários, praticavam a arte da destilação), as colónias com rótulos com o nome de um lugar santo fazem figura com as suas histórias ou lendas. Graal da perfumaria de nicho, as de Santa Maria Novella, em Itália, criadas por irmãos dominicanos em

1612 (mais tarde lançadas em França por Catarina de Médicis), mantiveram composições fiéis às históricas. Mais recentemente, a Água do Convento San Francescu (vendida na loja conceptual parisiense Colette) conta que uma

freira que se apaixonou por um jovem oficial que lha ofereceu como prova de amor. Quanto às Eau du Cloître, Eau des Missions, Eau des Mâtines, do Couvent des Minimes, prestam homenagem às irmãs franciscanas que fundaram a ordem em 1706 e ao vasto jardim onde estudavam as plantas. Abandonado em 1999, o convento, situado em Mane, nos Alpes de Haute-Provence, passou a ser um Relais & Châteaux (com um spa que abre em maio) e uma marca de tratamentos naturais livremente inspirados no lugar (vendidos em exclusividade nas perfumarias Marionnaud).

Do claustro ao spa, um passo apenas? "Nós partilhamos e transmitimos a tradição de hospitalidade, de generosidade, de autenticidade. Porque, além dos valores tradicionais, as pessoas procuram marcas empenhadas em projetos

humanitários", explica Marina Vigin, diretora-geral do Couvent des Minimes (a marca reverte 1% das vendas para a ação humanitária das irmãs missionárias no mundo). "Religiosas ou não, são acima de tudo histórias universais que falam de bondade e de dedicação total."

A CONSAGRAÇÃO DOS PERFUMES MÍSTICOS

Além das colónias produzidas religiosamente (ou não), a perfumaria de nicho inspira-se em aromas místicos ou mesmo bíblicos: benjoim, estoraque, mirra, evocando os incensos e resinas que são queimados aquando das cerimónias litúrgicas. Vamos encontrar esta atmosfera de igreja tão particular em Messe de Minuit, de Etro, em Avignon, de Comme des Garçons, e em Eau Bénite Sancti, dos Liquides Imaginaires, um incenso luminoso e iluminado criado por Philippe Di Méo. Um pecado da carne? "O perfume é uma boa ajuda para transcender, mas a sua dimensão mística é hoje pouco reivindicada, porque está em primeiro lugar ligado a um gesto leviano, à sedução mais do que ao sagrado. Há um lado de tabu nesses odores de incenso, mas que não está  necessariamente ligado ao culto", explica este designer cujo credo do espiritual está em cada uma das suas partituras olfativas (as suas novas Eaux Arborantes evocam uma árvore xamânica). "Escolhi esta ancoragem sagrada, original, porque gosto das matérias nobres e simbólicas, do autêntico com sentido. A palavra ‘sagrado’ é forte, mas evoca sobretudo profundidade. Ora, podemos encontrar profundidade no símbolo sem entrar no obscurantismo ou no gótico."

De um creme para as mãos ao perfume, é sobretudo uma questão de valores – simplicidade, profundidade, autenticidade –, de um suplemento de alma que vem aureolar os códigos – profanos – da beleza, da espiritualidade, mais do que da religião. Ainda que… "A semântica do religioso contenha um aspeto financeiro, que é um domínio que não provoca clivagem, mesmo para os ateus", conclui Vincent Grégoire. "Todos nós procuramos o caminho da luz, manter ou reencontrar a ‘fé’. Basta observar a publicidade da Lancôme para o La Vie Est Belle: é uma metáfora de iluminação! E a de J’adore de Christian Dior, uma imagem de devoção com um vocabulário messiânico." Fiat lux [Faça-se luz].

Cologne Eau des Minimes, Le Couvent des Minimes; Eau de Couvent, San Francescu d’Oletta; Eau Bénite Sancti, Liquides Imaginaires; Eau de Parfum La Religieuse, Serge Lutens; Huile de Savon, Buly.
Cologne Eau des Minimes, Le Couvent des Minimes; Eau de Couvent, San Francescu d’Oletta; Eau Bénite Sancti, Liquides Imaginaires; Eau de Parfum La Religieuse, Serge Lutens; Huile de Savon, Buly. Foto:
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