Claire Danes: Vida Dupla
Nos últimos anos assistimos a uma migração de estrelas de cinema para a televisão, atraídas por papéis estimulantes. É o caso de Claire Danes, que regressa a Segurança Nacional, na pele de uma agente da CIA. Por Lee Howard
Segurança Nacional já vai para a sua terceira temporada (estreia a 29 de setembro nos EUA, na Fox), mas Claire Danes parece igualmente entusiasmada por dar vida a Carrie Mathison, a agente da CIA que já lhe valeu um Emmy no currículo. Fomos encontrá-la no set, em Charlotte, na Carolina do Norte, bem menos fatigada do que na temporada anterior (que filmou enquanto estava grávida do primeiro filho) e visivelmente contagiada pela energia da sua personagem.
A ATRIZ Filha de uma educadora de infância e de um informático e fotógrafo, Claire Catherine Danes nasceu a 12 de abril de 1979 na cidade de Nova Iorque. Sempre soube que queria ser artista, mas aos 19 anos entrou na Universidade de Yale para estudar psicologia, tendo desistido do curso dois anos depois para se concentrar na sua carreira de atriz. Em setembro de 2009, casou com o também ator Hugh Dancy, com quem tem um filho, Cyrus, de 9 meses. Começou a chamar a atenção do público em 1994 na série de televisão Que Vida Esta, onde fez o papel da protagonista, Angela Chase. Dois anos depois, ficou mundialmente conhecida ao contracenar com Leonardo DiCaprio no filme Romeu + Julieta. Seguiram-se outros filmes, tais como As Horas, Exterminador Implacável 3 e Stardust. Em 2010, Danes interpretou a autista humanitária Temple Grandin no filme do canal HBO com o mesmo nome, ganhando um Emmy e um Globo de Ouro pelo seu desempenho.
Pode falar-nos da relação mais importante da vida de Carrie – a que ela tem com os medicamentos que toma?Bem, ela deixa de os tomar no princípio da terceira temporada, por várias razões, mas a principal é que se sente muito responsável por esta perda devastadora e está convencida de que, se não estivesse a tomar medicação, teria estado na posse de todas as suas faculdades mentais e poderia ter previsto os seus atos e evitado aquele plano e aquele terrível ataque. É uma opção arriscada e que acaba por lhe trazer problemas.
Isso levanta uma questão interessante: a doença psicológica dela torna-a uma investigadora mais brilhante ou é uma fraqueza?Esse é um dos principais conceitos da série e penso que ambas as coisas são verdadeiras. Em última instância, é demasiado perigoso brincar com isso e ela está sempre a confrontar-se com este problema, o que acontece com muitos destes doentes. Aqui estamos no universo da ficção e não há um paralelo direto com a realidade, mas recorremos a verdades consabidas, por exemplo no que toca a esta doença. Os medicamentos são um pau de dois bicos e é preciso estar sempre a reformular os cocktails. Muitas vezes, eles deixam de fazer efeito e é preciso recalibrar e voltar a experimentar diferentes combinações. Os efeitos secundários podem ser graves e a nossa perceção e acuidade mental podem ficar embotadas. Enfim, o preço é elevado, mas o preço de não se tomar nada é ainda mais alto, na minha opinião. Mas há uma coisa nos estados maníacos que é permitirem, a dada altura, uma capacidade de raciocínio excecional. Pode atingir-se este estado super-humano, mas só por um período muito breve antes de ele descambar na confusão e no caos. Carrie Mathison tenta mantê-lo o máximo de tempo possível, para poder salvar o mundo [ri].
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Como se preparou para interpretar uma personagem bipolar?
Leio muitos livros. Acontece também que tenho vários amigos psicólogos e falei com eles sobre as suas experiências com doentes bipolares. Falei com uma mulher que é bipolar e escreveu uma série de livros sobre esta doença. E um dos maiores filões são os testemunhos no YouTube. Há muito material na Internet, muitos vídeos de pessoas com doença bipolar a falar da sua experiência e, muitas vezes, estão em estado maníaco. Estão acordadas a meio da noite, precisam de falar com alguém e não têm ninguém com quem falar e, portanto, põem-se em frente da câmara. Acho que precisam de transmitir o que estão a sentir. Devem sentir-se muito sozinhas e querem explicar aquilo por que estão a passar. Portanto, ter essa ajuda visual, poder ver e ouvir como é, tem sido essencial. Como a Carrie está novamente fora dos eixos no princípio da terceira temporada, vi muitos desses vídeos e tenho-os frescos na memória. A minha melhor amiga é terapeuta e diz que há algumas verdades comuns sobre esta doença, mas que eu teria uma certa margem, porque cada caso é específico e idiossincrático. Eu disse-lhe que queria ver pessoas num estado maníaco e que isso era muito difícil porque conhecia muitas pessoas com a doença, mas estavam medicadas, e ela respondeu que só as via quando estavam num estado maníaco agravado, e não eufóricas, porque não iam à terapia quando se sentiam bem. Eles não querem que ela lhes estrague o momento, portanto também ela tem de extrapolar, de fazer deduções, na esperança de que a sua avaliação seja correta. É interessante fazer este papel porque eu também fico um bocado eufórica por osmose, digamos assim. É curioso, não percebo bem porque é que isto acontece, mas há certas substâncias químicas que são libertadas. Não quero de modo algum comparar as duas coisas, não há maneira de simular realmente esses estados, mas não sei, é como se eu conseguisse imaginá-los. Nos dias em que tenho de fazer uma Carrie muito maníaca, acabo por ficar exausta.
Ela vai curar-se?
Se ela vai curar-se? Acho que se vai curando… É um problema contínuo, nunca fica completamente resolvido e requer uma monitorização constante, uma espécie de hipervigilância.
No final da primeira temporada, os surtos eram extremamente dramáticos e, quando falámos sobre isso, a Claire disse-me que se sentia esgotada. Depois, quando começou a segunda temporada, ela estava mais estável e agora talvez volte a estar maníaca…
Tive algum receio, mas também tinha acabado de ser mãe e senti que não podia estar num estado mais antitético. Estava tão fechada e confortável na minha pequena bolha eufórica de mamã e tive de ir até à outra extremidade do espectro. Embora a Carrie estivesse maníaca no final da primeira temporada e volte a estar no princípio da terceira, é um tipo de mania diferente. Acho que, no princípio, ela ainda era relativamente ingénua [ri] e pensava que tinha encontrado a solução. Ia dar a volta a esta coisa terrível e sentia-se lá em cima, fantástica, até ter vindo por aí abaixo. Aqui, ela está a tentar manipular as substâncias químicas que circulam pelo seu organismo para chegar a um determinado estado porque está a reagir a coisas terríveis. Foi esmagada em termos emocionais. Acho que ela está bastante mal. Vi um trailer desta temporada numa ação promocional em Los Angeles. Na verdade, ainda não vi nada do que foi filmado, mas fiquei impressionada com o tom soturno… É muito triste – o que faz sentido porque não é possível acontecer um atentado daquela dimensão e não haver consequências. Ela está mais só e mais desiludida do que nunca e isso é muito triste. Ela sente-se distante de… no início da segunda temporada, sentia-se distante do seu trabalho e aqui sente-se distante de… já não tem o homem que ama (Brody), já não tem o seu mentor (Estes), está encurralada. Mas vai sobreviver porque sobrevive sempre! [Ri] Pelo menos, até agora.
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Fez pesquisa sobre a doença de Carrie Mathison. Também fez pesquisa sobre a CIA?
Sim, fiz a maior parte da pesquisa antes de termos filmado o episódio-piloto e foi fascinante. E trabalhei com uma mulher que o Alex [Gansa] e o Howard [Gordon] [produtores executivos] conheciam e que tinha um alto cargo na CIA. Ela levou-me a Langley [sede da CIA] e passei lá a tarde com um grupo de colegas dela que selecionara cuidadosamente, um conjunto de pessoas que, na sua opinião, representavam operacionais com diferentes níveis de experiência, homens e mulheres, e eles foram incrivelmente francos e abertos. Perguntei-lhes porque é que se tinham disponibilizado para este encontro e eles responderam que estão sempre a recrutar, que não tinham assim muitas oportunidades de serem retratados na cultura pop e queriam ter uma palavra a dizer na forma como iam ser retratados porque queriam incentivar mais pessoas a ajudarem-nos no seu trabalho. E eu pensei, uau, como eles são diretos! Foi interessante. Na verdade, a minha colega de quarto na faculdade acabou por ir trabalhar para a CIA e foi operacional durante algum tempo. Agora continua lá, mas num trabalho diferente. Quando se frequenta Yale, acaba-se sempre por se encontrar alguém e eles batem mesmo aquele campus ao milímetro... É um bocado estúpido, mas saí de lá naquele dia a pensar: “Meu Deus, estes espiões existem mesmo e fazem este tipo de coisas!” E tem tudo a ver com relações interpessoais, o que não é muito distante do que nós fazemos.
A sua amiga da CIA disse-lhe alguma coisa depois de ver a série?
Sim, e foi muito elogiosa – o que não é de estranhar. Foi muito diplomática.
O que disse ela sobre os acontecimentos retratados na série?
Repare, a série é, como eu disse, uma hipérbole do que eles possam fazer, mas creio que é suficientemente rigorosa para que gostemos dela como programa de entretenimento. Quando filmámos o episódio-piloto, um dos membros da equipa sugeriu que fôssemos todos ver uma banda num bar local. Ela também estava lá e veio connosco e perguntou-me: “Quem é a namorada do vocalista?” Pôs-se imediatamente, como faz sempre, a fazer a leitura do que a rodeia e a avaliar a situação. Eu respondi: “Sei lá…” E ela adivinhou: era uma rapariga que tinha uma câmara e estava perto do palco. Não é que seja uma extraordinária demonstração de capacidade percetiva, mas eu não teria adivinhado. Isto é muito revelador.
Houve um aumento do número de candidaturas de mulheres para trabalharem na CIA desde que a série começou?
Não faço ideia, mas aqui também há uma coisa interessante. Não sei que expectativa tinha quando fui a Langley, mas a verdade é que temos aquela ideia das mulheres de Washington DC todas de fato de homem, como que assexuadas, e as agentes da CIA que conheci eram muito femininas e elegantes – cosmopolitas, diria eu –, e acho que a sua feminilidade contribui muito para o desempenho das funções que têm. Elas recorrem a todas as suas capacidades. Não são potes de mel, não é isso que eu quero dizer, mas, tal como na nossa série, usam tudo o que podem.
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Carrie raramente sorri, mas na estreia da segunda temporada há uma cena em Beirute em que ela consegue despistar quem a está a perseguir e esboça um sorriso. Foi um toque seu?
Bem, esse era o título do episódio, The Smile, e tudo tinha a ver com isso. Foi um dia de filmagens muito atribulado. Estávamos a filmar num mercado verdadeiro, com as pessoas a vender e a comprar – uma loucura –, e fazíamos as cenas quando podíamos. Nem sequer me lembro exatamente de como foi. Acho que foi um momento emocionante porque vimo-la sofrer tanto e, por fim, vê-la ser bem-sucedida naquilo em que ela é melhor e que mais a apaixona é muito gratificante. Nós precisamos disso, é por isso que gostamos dela porque ela é tão capaz e adora aquilo que faz.
Carrie é, obviamente, uma patriota. Trabalhar nesta série mudou a sua relação com o seu país?Bem, tendo crescido num ambiente muito liberal, em Nova Iorque, fui sempre ensinada a questionar a autoridade, em particular o pensamento conservador, e acho que confundi o nacionalismo exacerbado com patriotismo e isso foi corrigido. Penso que um orgulho insensato e inútil no nosso país é perigoso, mas um conhecimento real do que é este país e dos privilégios que nos concedeu, e a determinação de proteger e servir, isso é maravilhoso. Sinto-me muito grata por isso, mas não é essa a minha vocação. A minha vocação é dar corpo a essas pessoas na televisão, mas tenho o maior dos respeitos por elas. São muito altruístas.
Ama a sua profissão da mesma maneira que ela ama a dela?Amo a minha profissão, sim. E é de muito baixo risco, comparada com a dela [ri].
Tal como a Carrie, não pode falar do que se passa quando lhe perguntam. Também é um segredo…É verdade, tenho de me calar em relação ao meu trabalho [ri], o que é muito stressante. Não, estou a brincar.
O que é que sabe do que vai acontecer na série?
Sabe uma coisa? A cada temporada vou sabendo um bocadinho mais, eles vão confiando um bocadinho mais em mim, mas a verdade é que eles próprios não sabem como vai acabar. É um processo contínuo. É muito estimulante porque é como se estivéssemos a cavalgar uma onda: eles estão a criar a série enquanto estamos a fazê-la, a filmá-la. Não sei como é que os autores fazem isto.
Acha que pode morrer num episódio desta temporada?Hummm… é sempre uma possibilidade, sempre… Nesta série é realmente válido dizer que qualquer personagem pode ser um alvo a abater – qualquer personagem pode explodir a qualquer momento. Eu vou aproveitar enquanto dura! [Ri]
