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Solteira...porque sim!

Ser solteira pode ser uma opção de vida. Esta é a premissa do livro de Kate Bolick sobre as mulheres que vivem sozinhas porque assim escolheram.

06 de novembro de 2015 às 07:00 Máxima

"Com quem casar e quando é que isso vai acontecer: são as duas perguntas que definem a existência de qualquer mulher, independentemente da sua religião." É desta forma que Kate Bolick começa o seu livro Spinster: Making a Life of One’s Own, recentemente editado no Reino Unido. O termo spinster pode ser traduzido para português como "a solteirona" e, se quisermos ir mais longe e usar uma expressão mais pejorativa, "a encalhada que ficou para tia". Se por um lado a sociedade olha para as solteiras desta forma, por outro, são elas próprias que receiam ficar sozinhas para o resto da sua existência. Mas Kate Bolick sugere uma alternativa: "Quando a vida de uma mulher deixa de estar organizada à volta do casamento, ela passa a ter muito mais liberdade. O que acontecerá quando a mulher deixar de precisar de casar e conseguir estruturar a sua vida sem passar pela conjugalidade?"

 

Com a evolução do conceito de solteira passámos a falar de mulheres modernas, financeiramente independentes, livres para assumir a decisão consciente de viver sem parceiro e serem autossuficientes. Segundo o sociólogo Pedro Moura Ferreira, a realidade do conceito de "solteirona" em Portugal está a desaparecer, "pois, quando se interpretam os indicadores do número de mulheres que optam por viver sozinhas (entre os 35 e 45 anos), percebe-se que existe um fenómeno de emancipação e que estas mulheres escolhem ser autónomas, normalmente para dar continuidade a uma carreira e apostar na sua realização pessoal, independentemente do casamento. Pode existir o projeto de uma conjugalidade, de encontrar um parceiro, mas já não existe uma pressão para o casamento, como acontecia no passado".

 

As estatísticas confirmam que existe um número crescente de pessoas a viverem sozinhas, que não casam e não vivem em conjugalidade. Nos EUA, 53% do total de solteiros são mulheres e 47% são homens. Em Portugal, do total da população de solteiros, 48,5% são mulheres e 51,5%, homens. Mas a estatística mais reveladora desta realidade é a de que 63% das famílias unipessoais a viver em Portugal em 2011 eram mulheres a viver sozinhas e que este número aumentou em 281% nos últimos 20 anos (nas idades compreendidas entre os 35 e 39 anos). Se a idade média para o primeiro casamento também passou para os 31 anos (contra os 25 anos em 1960), tudo indica que no futuro a tendência é para que existam cada vez mais mulheres solteiras a viver sozinhas em Portugal.

Então como é que a sociedade em geral ainda considera que uma mulher que vive sozinha é "egoísta, misantropa, louca por gatos, obcecada por sapatos e pelas compras, e a maioria delas estão muito sozinhas"? Com este livro, Kate Bolick vem denunciar este estigma e sugere uma via alternativa para que as mulheres solteiras, que vivem sozinhas, não se sintam discriminadas por isso.

 

A pressão dirigida aos celibatários existe e o testemunho de Helena Magalhães, jornalista e blogger, comprova-o: "Toda a nossa sociedade gira em volta do casamento e é a própria sociedade que nos impõe essa meta: se já tens um emprego, uma vida estável, porque não tens uma relação? Tenho 100% de certeza que ser solteira ainda é um tabu nos dias de hoje. Ainda somos vistas como se ‘tivéssemos um problema’".

 

Kate Bolick recorre ao mesmo argumento e explica: "Todas nós crescemos na expectativa de que um dia iremos encontrar o parceiro certo e casar, pois a nossa sociedade insiste na conjugalidade como se fosse a única forma de alguém conseguir ser feliz. A sociedade norte-americana ainda está obcecada com a ideia do casal e se isso não acontece nas nossas vidas estamos ‘em falta’". Com 30 anos, Helena Magalhães acrescenta que "ser solteira é sempre culpa nossa. Não é porque ainda não conhecemos ninguém interessante ou alguém que nos arrebatasse, é mesmo porque temos um problema qualquer: ou somos muito exigentes, ou fantasiamos muito, ou temos de baixar os nossos padrões… Há sempre uma culpa associada".

Outra vertente da abordagem desta autora em relação ao estado celibatário das mulheres é o facto de que as que não casam antes dos 30 anos são vistas como "demasiado exigentes" em relação à sua escolha de um parceiro. "E, por isso, ser exigente na escolha da pessoa com quem uma mulher quer passar o resto da vida é tido como negativo. A mensagem que a família e os amigos passam a quem está solteiro é que deve ‘assentar e que qualquer coisa é melhor do que nada’", adianta Kate Bolick no seu livro.

Segundo os dados estatísticos do Instituto Nacional de Estatística, em 2011, 63% do total das famílias unipessoais eram compostas por mulheres, contra 37% de homens. No espaço de 20 anos, o total de mulheres, em idades compreendidas entre os 35 e os 39 anos, que vivem sozinhas aumentou 281%.

Segundo dados estatísticos da Pordata, as mulheres em Portugal, em 1960, casavam pela primeira vez aos 25 anos. Mas em 2014 a idade média para o primeiro casamento rondava os 31 anos. Do total da população em 2011, 40% é composta por solteiros contra 47% de casados e 7,2% de viúvos. Do total dos solteiros 48,5% são mulheres e 51,5% homens.

Em 2013, existiam mais de 70 divórcios em 100 casamentos, contra 42 divórcios em 100, há dez anos. No ano passado, em Portugal, do total da população residente, 52% são mulheres e 48% são homens.

 

Depois do sucesso que alcançou com o artigo na revista The Atlantic, que tinha por título All the single ladies, a autora foi convidada a escrever este livro e desenvolveu o seu texto com base no que apelidou de os "cinco despertares", ou seja, as cinco escritoras que viveram vidas sozinhas e que preferiram a sua liberdade à domesticação. São elas Maeve Brennan, Edna St. Vincent Millay, Edith Wharton, Neith Boyce (que escreveu uma coluna para a Vogue em 1898 com o título A rapariga solteira) e Charlotte Perkins Gilman. Cada uma destas mulheres representa para Kate Bolick uma forma de rejeição das exigências sociais e, por isso, a condição destas mulheres tem menos a ver com a sua situação matrimonial e mais com o investimento que colocaram em encontrar as suas vozes como artistas e como optaram por viver a sua vida de acordo com as suas próprias regras. O conteúdo de Spinster é muito autobiográfico e a narradora vai descrevendo, de uma forma muito literária, o seu percurso de vida ao longo dos anos e como começou a questionar-se sobre as vantagens de ser solteira (apesar de viver em união de facto) através das leituras que fazia da vida destas mulheres. Daí a sua originalidade, pois o texto de Spinster não é um manifesto direto sobre as vantagens de ser solteira, mas sim o ponto de vista de uma mulher que vive a conjugalidade, mas pondera e toma a decisão de viver sozinha.

 

O problema

No artigo que escreveu para a revista The Atlantic, a autora refere que nunca antes a mulher americana se viu confrontada com a escassez atual de "homens bons para casar", ou seja, aqueles que têm uma boa formação, carreira e ganham mais do que as mulheres. O que Kate Bolick denomina de crise terá efeitos disruptivos no mercado do casamento, existindo uma limitação nas escolhas disponíveis e tornando cada vez mais difícil encontrar um "homem bom para casar". Estas crises aconteceram no passado durante as grandes guerras, onde existiam mais mulheres do que homens. "Quando os homens estão em vantagem em relação à variedade das potenciais parceiras disponíveis, o papel tradicional da mulher não é valorizado. Por outro lado, os homens tornam-se promíscuos e não se querem comprometer com uma relação monógama. Por isso, estas mulheres não podem depender dos seus parceiros para se manterem numa relação e viram-se para outras ambições para além da família, como a carreira e a educação."

 

Para fundamentar esta realidade, Kate Bolick apresenta as conclusões de um estudo realizado pelos sociólogos Scott J. South e Katherine Trent. Em 1988, desenvolveram um teste com base em 117 países e concluíram que, nos países onde existiam mais homens do que mulheres, mais mulheres casavam, existiam menos divórcios e menos mulheres tinham de trabalhar. Esta teoria defende que, nas sociedades onde existem mais mulheres, menos pessoas casam e as que casam fazem-no mais tarde. Estes investigadores também descobriram que esta dinâmica (conhecida como Guttentag Secord) é mais pronunciada nos países desenvolvidos do que nos países em desenvolvimento.

 

Ainda no mesmo artigo, Kate Bolick explica que, como resultado deste estigma, quando uma mulher tenta desesperadamente casar "fixa-se numa crença e entra num ciclo claustrofóbico, repetitivo e decadente". Helena Magalhães, que assume que não precisa de um homem para se validar ou se completar pessoal e emocionalmente, concorda com esta situação: "Quando procuramos incansavelmente alguém é mais fácil deixarmo-nos cair na primeira pessoa que aparece. Qualquer homem torna-se de repente um potencial parceiro e damos tudo por tudo, mesmo sabendo que aquela pessoa não é a certa. E isto só abre caminho para mais descontentamentos e relações falhadas. E cada relação falhada deixa uma mossa maior dentro de nós." E adianta: "Sinto que muitas mulheres se ‘contentam’ com relações que não as fazem tão felizes, só porque estar solteira é mais estigmatizante. É mais confortável estar-se numa relação do que enfrentar o mundo sozinha."

 

As polémicas que se levantam à volta das aplicações móveis de dating, como o Tinder, parecem confirmar que existe um excesso de mulheres entre os homens heterossexuais, o que promove mais os engates do que as relações tradicionais, e um simples encontro na rua entre dois namorados parece ser um acontecimento da pré-história. Mas, para responder a esta tendência, as mulheres também estão a aderir a novas opções online que identificam os potenciais parceiros como se estivessem às compras num supermercado. Veja-se o novo site espanhol Adoptauntio.es, onde é possível escolher um homem, por exemplo, na categoria dos "cómicos" ou "barbudos", de acordo com as suas preferências pessoais.

A Máxima falou com Kate Bolick sobre o que significa ser uma solteirona.

            A realidade de ser "solteirona" nos EUA é muito diferente do que se passa no sul da Europa?

     A minha definição alargada do termo "solteirona" (alguém que é autossuficiente, independente e que não organiza a sua vida à volta de um parceiro romântico) transcende a geografia, classe social, religião, raça, momento histórico, entre outros fatores. Por isso, as atitudes culturais e públicas em relação às mulheres solteiras variam no espaço e no tempo. Por exemplo, ao longo dos últimos 150 anos de história dos EUA, o estatuto da mulher solteira é mais valorizado quando a economia está em expansão e são precisos mais trabalhadores, mas acontece o oposto quando a economia se contrai. Hoje, à medida que estamos lentamente a sair da recessão, a média de idades para o primeiro casamento das mulheres é de 27 anos, mas a pressão da sociedade para que as mulheres casem ainda existe; muitas mulheres sentem-se inferiores por estarem solteiras. Não sei o que acontece no sul da Europa, mas parece-me que, ao legalizar o casamento do mesmo sexo em 2010 e o facto de a idade média do primeiro casamento ser 30 anos, Portugal é mais progressista do que nós somos.

           Qual considera ser a melhor atitude que a "solteirona" deve ter em relação à pressão da família e dos amigos?

     Livrar-se dessa pressão. Mantenha os seus amigos, mas encontre também novos. Os seres humanos são animais sociais; é natural que gravite à volta daqueles que tomam as mesmas decisões de vida que tomou e espere que as pessoas com quem se preocupa tomem as mesmas decisões que você toma. Mas, como sabemos, neste mundo moderno já não existe um modelo padrão, não há uma maneira "certa" de fazer as coisas, não existe uma solução padronizada a que todos aderem. O meu grupo de amigos divide-se igualmente entre casados e solteiros, com filhos e sem filhos. Eu passo mais tempo com os meus amigos solteiros simplesmente porque eles"têm" mais tempo, mas valorizo igualmente os meus amigos casados.

 

A liberdade de "poder fazer o que quer" é o que Maria Cardoso, professora de 34 anos, mais valoriza em ser solteira. Apesar de por vezes sentir falta de algum "companheirismo", casar nunca foi o seu objetivo. "A pressão familiar para o matrimónio acontece porque é o que é suposto fazer a determinada altura da nossa vida: tirar um curso, arranjar um emprego, encontrar alguém, casar e ter filhos. É tudo uma questão social e hoje, com muitos dos meus amigos a divorciarem-se, os modelos estão a mudar. Mas se as mulheres quiserem ter filhos, a pressão do relógio biológico sente-se e muitas podem casar para satisfazer esse desejo", adianta.

 

Outras alternativas

 

A verdade é que o paradigma da sociedade está em mudança e, depois do sucesso de filmes e séries protagonizadas por solteiras nos anos 80 (veja-se Ally McBeal, O Sexo e a Cidade e Bridget Jones), as jovens de hoje já não querem ser definidas por "se têm ou não um namorado" ou não querem convencer o seu namorado a casar com elas. Entre outras, a grande defesa de Kate Bolick é precisamente explicar que uma mulher deve ter um objetivo e uma paixão, além de querer apenas atrair um homem para estar com ela, e deve sentir-se bem na sua própria companhia. 

 

Esta autora sugere que existem outras formas de viver com companhia, sem ter de entrar numa relação amorosa. Nos EUA, crescem os exemplos de comunidades (denominadas de cohousing) onde as pessoas que vivem sozinhas partilham um espaço, preparam refeições em conjunto três vezes por semana e ajudam os outros no seu dia a dia. No seu novo livro, How We Live Now, a autora Bella DePaulo apresenta novas formas de viver em comunidade, depois de na sua obra anterior, lançada em 2006 com o título Single Out,ter explorado as complexidades da vida moderna, a fragilidade da instituição do casamento e a exagerada glorificação da conjugalidade. Bella DePaulo chama-lhe matrimania, que apelida de "o mito de o matrimónio ser visto como a única via para conseguir a felicidade".

 

Em relação ao futuro, Helena Magalhães defende que "hoje em dia, há uma nova geração de mulheres que não procura uma relação para tapar um buraco ou preencher um vazio. Procuram relações que as satisfaçam plenamente e isso não significa ter padrões muito elevados. Significa sabermos quem somos e o que queremos". E deixa o conselho para as solteiras: "Lidar com o preconceito não é fácil e o que eu faço é desvalorizar. Se estivermos confortáveis em fazer tudo aquilo de que gostamos sozinhas, não vamos precisar de outra pessoa (um príncipe, a outra metade da laranja…) para as fazer e vamos ser felizes de qualquer maneira." E como Kate Bolick termina o seu livro: "Se é solteira, divorciada, viúva ou nunca casou, pode usar a palavra ‘solteirona’ como um talismã, uma recordação constante de que está em boa companhia, e que faz parte de uma longa e nobre tradição de mulheres, do passado e do presente, que vivem sob os seus próprios termos."

"Spinster: Making a Life of One’s Own" de Kate Bolick
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Kate Bolick, autora do livro
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