Sarcasmo, o pai do humor refinado
Pode ser azedo, ácido e picante. Ou apenas delicioso, se eximiamente colocado. Como uma especiaria, serve para acrescentar palato à vida. Por pior ou melhor estado em que a mesma se encontre.

Ou se ama ou se odeia. Na realidade, ou se compreende ou não se compreende. Há muito que o sarcasmo – um dos quatro principais tipos de humor – é usado, detestado, estudado e discutido. Digamos que o sarcasmo está longe de ser linear. Humor refinado para uns, é, para outros, hostilidade pura. Oscar Wilde considerava-o "a mais alta forma de inteligência". O escritor ficou, aliás, conhecido como sendo o autor da ironia, do sarcasmo e do cinismo. Chegou a dizer que "a sua ironia era perdida com os estúpidos". Por envolver a construção (ou a exposição) de contradições entre significados declarados e pretendidos, torna-se a forma mais típica de ironia verbal, sendo muitas vezes usado para transmitir, sempre de forma humorística, desaprovação e desprezo. Um estudo realizado por um grupo de professores investigadores a lecionar maioritariamente em Harvard, nas áreas da psicologia das organizações e do comportamento, atribuiu ao sarcasmo uma forte componente criativa, já que "a sua compreensão requer interpretar declarações contraditórias", e que tal situação "ativa o modo de pensamento abstrato". Numa outra pesquisa efetuada, desta vez pelo Instituto Europeu de Administração de Empresas (escola francesa especializada em negócios e uma das mais importantes do mundo nesta área), as pessoas sarcásticas foram consideradas até três vezes mais inteligentes e criativas do que aquelas que fazem e recebem comentários diretos e sinceros. Ambos os estudos defenderam que as anteriores teorias do sarcasmo haviam-se focado, essencialmente, na função de comunicação deste tipo de humor, em que este seria entendido como desdenhoso, mais do que com a questão da sinceridade. Concluíram ainda que o sarcasmo é como uma faca de dois gumes: apesar do seu papel na instigação do conflito, pode também ser um catalisador para a criatividade.
Um ‘quê’ de revolta e descontentamento

As opiniões não são unânimes e é talvez isso que torna o sarcasmo tão intrigante. Rita Gomes, ou Wasted Rita como é conhecida nacional e internacionalmente, artista-mãe do sarcasmo dos dias correntes, definiu-o como sendo"a única forma de comunicar com seres humanos sem soar forçado". Uma resposta sarcástica à minha questão? Talvez. O humorista português Herman José, por sua vez, confessou não ser especialmente admirador do sarcasmo, considerando que este implica que se rebaixe ou que se apouque o objeto da crítica. "Sou mais fã da ironia em estado puro, a que exorciza fantasmas, a que põe tudo em causa, a que não se verga perante nenhum poder, mas que tem sempre na sua génese a preocupação de proteger as minorias, os fracos e todos aqueles que não se podem defender." Falar em sarcasmo e não trazer à superfície as imensas contas de Instagram que surgem diariamente e cujo único objeto de exposição é o sarcasmo, seria impensável. Fabian Eidherr, da conta de Instagram @classicalfuck (351 mil seguidores), asseverou-me que o sarcasmo não é a sua vida (apesar da conta que mantém ser 100% baseada no sarcasmo e dos muitos milhares de seguidores a procurarem por isso): "Não preciso [do sarcasmo]. Detesto-o." Insisto na questão: porquê, então, o sarcasmo? A resposta de Fabian é simples: atingir quem não se gosta. Wasted Rita define o seu humor como sendo "sinceridade-tão-cruel-que-até-tenho-vontade-de-rir-um-bocadinho" ou "negativismo-tão-negativo-que-ha-ha-que-vontade-de-viver-súbita". A cada resposta sua, uma nova dose de sarcasmo é servida. Friamente. E continua: "Comecei a aperceber-me de que usava o sarcasmo naturalmente, quando as pessoas mais próximas começaram a demonstrar alguma incapacidade de me aturar." Sofia Ferreira da Costa, psicóloga formada em psicoterapia psicanalítica e neuropsicologia clínica, explica: "Pode haver várias respostas face a um desajuste [na sociedade] ou à incompreensão daquilo que é ‘o normal’ – a revolta, a zanga e até a depressão. E depois há as respostas de pessoas com um QI acima da média [a psicóloga apontou o caso de Rita Gomes], capazes de transformar a revolta e o desajuste em algo artístico e num produto que poderá até ser fruto de um processo de identificação de outras pessoas." Contudo, esclarece que "não deixa de ser uma defesa perante a maneira como ela [Rita] sente o mundo". Esclarece que "o tipo de pessoa que está sempre a fazer gracinhas, mesmo quando se trata de um assunto sério, é normalmente alguém com dificuldades em lidar e se confrontar com determinado tipo de situações mais sérias. Utiliza, assim, o humor como porta de saída". Termina a dizer que, no entanto, este comportamento não é linear. Para Herman José, o sarcasmo, ao contrário da ironia e do humor, raramente pode ser assumido como uma forma de se estar na vida. Na maioria das vezes, considera-o uma arma de defesa: "Quem está bem consigo basta-lhe o uso da ironia." Rita Gomes concorda com a teoria da arma de defesa – "Sim, mas apontada para mim", ironiza mais uma vez. Diz esperar que o sarcasmo não seja visto como uma forma de se estar na vida: "Não sou muito a favor dos erros de comunicação que o uso de sarcasmo suscita. Nem do fascínio em ser-se sarcástico."
Uma questão de inteligência?
O humor, no geral, está associado a um processo complexo que envolve um certo nível de inteligência. No sarcasmo, contudo, existe uma capacidade acima da média, já que "obriga a uma perceção de informação que é dada tanto em termos auditivos como em termos visuais", clarifica a psicóloga especialista em neuropsicologia. O instagrammer Fabian Eidherr considera que, numa escala de 1 a 10, as pessoas sarcásticas são um 15. "Somos as mais inteligentes", remata. Herman José contrapõe: "Não há um padrão: há o sarcástico gratuito que irrita mais do que diverte; há o sarcástico profissional que se pode tornar previsível; e há o sarcástico espontâneo, cujo repentismo torna o pior dos sarcasmos em algo artístico e divertido. Esta última classe é muito rara." Rita Gomes, por sua vez, analisa o tipo de pessoa que recorre ao sarcasmo como sendo "nem mais inteligente, nem inteligência diferente: só mais irritante". E ajusta a sua opinião: "Acho, e espero, que o sarcasmo não seja uma ideologia que se passa aos outros. Eu comecei a usar a minha qualidade sarcástica no meu trabalho como último recurso, por não saber ser outra coisa." Insisti, ao longo das conversas que mantive com os humoristas, na questão da inteligência associada ao sarcasmo. Rita, por exemplo, não só não se considera mais inteligente que os demais (ainda que a psicóloga tenha sublinhado o alto QI da artista) como categoriza as pessoas que falam "sarcasmês" como "sugadores de energia, estraga-prazeres profissionais e seres a evitar a todo o custo". O estabelecido humorista português diz, bem ao jeito ‘Herman José’: "Se o ‘sarcasmês’ não se confundir com o ‘sacanês’ ou com ‘filhodaputês’, eu não tenho nada contra." Torna-se claro que a relação com o sarcasmo – tanto de quem o usa como de quem o recebe – é complexa. No caso de quem o recebe e não entende ou que o leva a mal, a psicóloga clarifica: "Pessoas com um perfil de desconfiança ou alguém que acha sempre que vai ser criticado e que pensa que poderá vir algo de negativo da outra parte vai estar constantemente na defensiva. Nestes casos, as tentativas de humor e de sarcasmo serão sempre vistas como ataques ou críticas." Na perspetiva de Herman José, "quando o sarcasmo é azedo e agressivo, as pessoas não só não entendem como tendem a reagir; e quando ele serve uma ironia fina, pode acontecer que passe despercebido". Há, contudo, questões cognitivas que impossibilitam a compreensão do sarcasmo: "Há um estudo que provou que pessoas com uma lesão (por norma AVC ou bloqueios nas artérias cerebrais) numa zona específica do córtex cerebral, que por sua vez está relacionado com o hemisfério direito, deixam de ter a capacidade de perceber o sarcasmo no outro. E, de certa forma, deixam de conseguir utilizar o sarcasmo como uma competência básica que um adulto, ou mesmo uma criança, poderá ter", clarifica a psicóloga Sofia Ferreira da Costa. Feitas as contas, uma pitada de sarcasmo é uma coisa boa ou nem por isso? "É frustrante ser-se uma pessoa com tantos ‘transtornos’ em que a única forma de expressão possível é a agressividade disfarçada de humor. Contudo, acaba por não ser muito frustrante não se ser compreendida, até porque a determinada altura já não se tem sequer pessoas à [nossa] volta para [nos] compreender." A afirmação é da autoria de Rita Gomes. Numa só frase, ela expõe uma realidade negra de uma forma refinadíssima. E é a isso que se resume o sarcasmo: uma espécie de especiaria que dá um novo sabor à vida. Nem melhor, nem pior. Apenas diferente e sempre um tanto ou quanto picante.

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