Parto em casa: sim ou não?
Os cuidados obstétricos e neonatais dos centros hospitalares oferecem bons indicadores de qualidade em Portugal. Mas há mulheres que continuam a optar por dar à luz no conforto do lar. "As parteiras são mais seguras do que os médicos?", pergunta o The New York Times em editorial.

Três casos recentes voltaram a colocar o tema na ordem do dia. Em outubro do ano passado, os media reportaram a entrada de três mães nas urgências do Hospital de Leiria com os seus bebés em perigo. Uma delas, Maria Müller, 42 anos, contou a história à RTP: após 72 horas dentro de uma piscina em trabalho de parto e acompanhada por uma parteira (falsa) contactada através da Internet, entrou de emergência no hospital, onde foi submetida a uma cesariana, tendo o bebé sido transferido para a unidade de cuidados intensivos de Coimbra. A notícia repôs a polémica do parto familiar e a Associação Portuguesa pelos Direitos da Mulher na Gravidez e Parto (APDMGP) sentiu necessidade de clarificar algumas questões e recordar que "não é apenas em casa que os partos ocasionalmente terminam numa situação dramática – isso acontece também nos hospitais". Em comunicado, a associação defende a regulação do parto em casa e explica que esta "é uma realidade em Portugal e é legal".
Mas não é consensual. "Não se trata de um problema de âmbito legal, mas sim de segurança para a mãe e para o recém-nascido. As recomendações da Direção-Geral da Saúde são claramente a favor do parto assistido em ambiente hospitalar", responde à Máxima Francisco George, Diretor-Geral da Saúde. O médico realça os resultados dos indicadores principais de Portugal, "nomeadamente no que se refere à taxa de mortalidade infantil que em Portugal é de 2,8 por mil nascimentos vivos, o que representa um patamar de grande qualidade a nível mundial". Estes padrões de qualidade são melhores do que os ingleses, como refere. Mas será que, mesmo assim, teremos algo a aprender com o sistema britânico?
A realidade do parto em casa no Reino Unido
O direito de escolha do local de nascimento é uma das vertentes do direito à vida privada e, em Portugal, digamos que esta escolha está facilitada, uma vez que o Serviço Nacional de Saúde contempla uma única opção: o hospital. Como confirma o estudo realizado pela APDMGP, a quase totalidade das mulheres que responderam ao questionário tiveram o seu parto em ambiente hospitalar e "mais de dois quintos das mulheres consideraram que não tiveram informação sobre opção de parto, como indução, cesariana, parto domiciliar, entre outras". Esta realidade contrasta com a de outros países europeus. No Reino Unido, as opções não se esgotam na unidade hospitalar e, por outro lado, existem estudos como o Birthplace. O Birthplace é uma investigação nacional que avalia o parto (com foco nas gravidezes de baixo risco) tendo em conta o local onde este se realiza, procurando assim responder às questões sobre os riscos e os benefícios de dar à luz nos diferentes locais: casa, unidades de parto lideradas por enfermeiras-parteiras (freestanding midwifery units) e hospitais. Os resultados da última edição do Birthplace são divulgados em junho de 2016, mas já é possível conhecer alguns dados científicos. Entre eles: "Para as mulheres que vão ter o segundo (ou subsequente) bebé, os partos em casa ou nas unidades especializadas de parto apresentam-se seguros para o bebé e oferecem benefícios para a mãe." De acordo com este relatório baseado em 64 mil partos de baixo risco, "as mulheres que optam por um parto fora do hospital reduzem significativamente as probabilidades de uma intervenção cirúrgica, de um parto instrumentalizado (com fórceps ou ventosas) e de uma episiotomia (corte vaginal)". (Ver caixa Parto fisiológico versus intervenção cirúrgica).
Não é uma moda, é uma opção
No Reino Unido, estima-se que 2% dos 800 mil partos anuais aconteçam em casa. Mas tudo indica que a percentagem vá continuar a crescer. O sistema nacional britânico acaba de anunciar a oferta de 3000 libras (cerca de 3800 euros) às grávidas (de baixo risco) que optem por fazer um parto no domicílio. A medida pretende incentivar as mulheres a tomar uma decisão consciente sobre o local onde desejam dar à luz e a verba, disponível em 2018, poderá ser aplicada em acupunctura ou outros serviços a debater com a parteira ou o médico assistente. Mas em Inglaterra, a opção do parto está longe de ser uma novidade.
Já em 2014, o The National Institute for Health and Care Excellence (NICE) havia partilhado a controversa guideline: "Mulheres saudáveis com segundas (ou subsequentes) gravidezes estão mais seguras ao dar à luz em casa ou numa unidade de parto liderada por enfermeiras, comparando com uma unidade de obstetrícia." As recomendações do NICE apenas se aplicam a mulheres saudáveis, excluem mulheres obesas e com hipertensão, por exemplo, bem como ‘mães de primeira viagem' (nas primeiras gravidezes, estima-se que o risco de um parto com complicações seja duas a três vezes maior em casa do que no hospital). Estas orientações destinam-se, portanto, apenas a gravidezes consideradas de baixo risco. Mas não será razoável questionar: baixo risco até quando? Existem garantias de que o baixo risco não se transforma em sérias complicações? No artigo que foi publicado no The New England Journal of Medicine, em junho de 2015, Neel Shah, especialista da Universidade de Harvard, expõe da melhor forma estas dúvidas: "Sabe-se que até as mães aparentemente saudáveis podem ter uma hemorragia, deparar-se com o prolapso do cordão umbilical (acontece quando o cordão precede o bebé na passagem pelo canal de parto e o bebé deixa de receber sangue, ocorrendo em cerca de 1 entre cada 1000 partos) ou com outra emergência imprevista."
Neel é um obstetra experiente nos Estados Unidos da América, país onde a taxa de partos nos hospitais ronda os 99% e onde o Colégio Americano de Obstetras e Ginecologistas defende que o local mais seguro para dar à luz é o hospital. Ainda assim, considera que "o que difere na realidade britânica e americana é a maneira como a possibilidade de parto em casa é apresentada e gerida". Neel Shah não tem dúvidas de que os hospitais americanos oferecem as melhores condições obstétricas, mas deixa no ar a necessidade de o sistema americano aprender algumas lições com o sistema britânico, onde, à semelhança da Holanda ou Nova Zelândia, o parto em casa acompanhado por enfermeiras competentes para tal é apoiado pelo Governo.
Parto fisiológico versus intervenção cirúrgica
É uma das principais razões que levam as mulheres a optar pelo parto em casa. Nas unidades hospitalares, o parto fisiológico (parto natural) acaba por transformar-se muitas vezes numa intervenção cirúrgica. Nos Estados Unidos, cinco em cada dez intervenções clínicas estão relacionadas com partos e as cesarianas são comuns em várias partes do mundo. Em Portugal, a taxa de cesarianas nos hospitais públicos caiu recentemente para 28%, mas ainda está aquém das metas preconizadas pela Organização Mundial da Saúde. E o Brasil autointula-se "campeão mundial das cirurgias cesarianas, com índices que ultrapassam os 90% destas intervenções na rede privada". Também aqui a opção do parto em casa tem reunido adeptos e a campanha de crowfunding em vigor para exibir brevemente nos cinemas o filme Renascimento do parto 2 é uma prova disso. O diretor do projeto baseia-se em "modelos de referência" como os sistemas de saúde britânico e holandês e alerta para a violência obstétrica que existe atualmente no Brasil, associando cesarianas a um conjunto de riscos para o bebé e para a mãe.
O parto nos hospitais e a epidural
A médica e autora best-seller neozelandesa Sarah Buckley dá-nos, no mínimo, quatro motivos para confiarmos nela quando diz que "as famílias que optam por um parto em casa têm uma probabilidade muito maior de desfrutar de um parto natural e menos hipóteses de passar por procedimentos médicos, usufruindo assim de resultados tão seguros quanto os proporcionados pelos hospitais". Sarah Buckley é mãe de quatro filhos, todos nascidos em casa e sem direito a epidural. A autora do livro Gentle Birth, Gentle Mothering recorda que a analgesia epidural (injeção de corticoides) é a forma mais eficaz de aliviar a dor no parto, mas não está isenta de complicações. Pelo contrário: "Não só interfere na satisfação e prazer da mulher durante a experiência do parto como pode comprometer a segurança da mãe e do bebé." Como explica a médica especializada em obstetrícia, as mulheres que usam epidural têm um trabalho de parto mais longo e como a epidural está associada à diminuição dos picos de oxitocina (hormona importante na fase de expulsão e no trabalho de parto), aumentam os riscos de um parto instrumentalizado (com recursos a fórceps e ventosas). Sarah reúne ainda os efeitos secundários da epidural para a mãe (queda da pressão arterial, complicações urinárias, aumento da temperatura durante o trabalho de parto) e destaca os riscos para o bebé (que decorrem das alterações registadas na mãe). A analgesia epidural é assim um dos procedimentos responsáveis por "transformar um episódio fisiológico num evento clínico".
Parto natural: para quem e porquê?
De acordo com um estudo australiano, as mulheres que optam pelo parto no domicílio tendem a ser mais velhas e com grau de formação elevado. Quanto às razões, a Mayo Clinic destaca:
- Desejo de dar à luz em ambiente familiar com a possibilidade de escolher as pessoas com quem se vai partilhar o momento;
- Desejo de usar as próprias roupas, de tomar banho e circular livremente durante o trabalho de parto;
- Desejo de controlar o processo do trabalho de parto;
- Desejo de dar à luz sem a intervenção de procedimentos clínicos, como a medicação para a dor (epidural);
- Motivos culturais ou religiosos;
- Custos (o parto em casa é mais económico);
- Associação de um trabalho de parto mais rápido.
Nota de redação: A Máxima tentou obter os testemunhos da Ordem dos Médicos e da Ordem dos Enfermeiros, mas ambas as entidades não se pronunciaram até à data de fecho da edição n.º331.
PARTO EM CASA: A MÁXIMA FOI OUVIR MÁS E BOAS EXPERIÊNCIAS
Adelaide de Sousa
Mãe, atriz e apresentadora de televisão
O que aconteceu é do domínio público: após quatro dias em trabalho de parto, Adelaide de Sousa entrou de emergência no hospital, onde acabou por fazer uma cesariana. A enfermeira responsável foi suspensa da Ordem em 2014. Seis anos depois, a atriz não está contra o parto em casa. Está a favor das melhorias para quem considera esta opção.
"A ideia do parto em casa surgiu na sequência de várias pesquisas que tinha feito para me preparar para alguns programas de televisão, que na altura apresentava, e cujos temas rondavam as questões da saúde materna e infantil. Apercebi-me, com espanto, das taxas de cesarianas em Portugal, especialmente no sector privado, bem como de intervenções que muitos consideravam desnecessárias e que afetavam o tipo de parto que acabava por acontecer: cesarianas eletivas sem clara razão médica, induções às 38 semanas (quando a gravidez pode durar 42), partos com fórceps e ventosas, etc., bem como um tratamento da grávida e do seu bebé que me parecia, a todos os níveis, desrespeitoso e até abusivo. Todos conhecemos histórias destas, a verdade é essa, e eu decidi que se um dia tivesse um filho, não seria nessas condições. A ideia do parto em casa formou-se gradualmente, foi ganhando corpo e decidimo-nos por essa via definitivamente quando tive confirmação escrita por parte de seis dos oito hospitais da área de Lisboa que contactei em 2009 (quatro privados e quatro públicos) de que não estavam em condições de me proporcionarem um parto sem grande intervenção médica de rotina. Desses seis que responderam, dois disseram que poderiam aceitar o meu plano de parto, mas que não se responsabilizavam por ele nem disponibilizariam obstetra para me assistir – teria de pagar a um do meu bolso. Os outros quatro disseram, em resumo, ‘nem pensar nisso'. Em face dessas recusas, decidimos avançar com o parto em casa planeado, precedido das várias consultas pré-natais asseguradas pela parteira e também pela obstetra que me seguia.
Não está nos meus planos ter um parto em casa, caso engravide. Preferiria recorrer a hospitais como o Garcia de Orta, com um excelente Bloco de Partos e muito bom entendimento por parte dos seus responsáveis técnicos do que é um parto natural. Essa seria a escolha que me faria sentir mais segura e penso que esse deve ser o fator determinante quando escolhemos o local de parto: onde me sinto segura? E porque me sinto segura? No meu caso, a cicatriz ainda lá está e às vezes dói, e a minha casa traria demasiadas recordações más, creio eu.
O que me aconteceu não me fez ficar contra o parto em casa, mas sim querer melhor do que tínhamos em 2009 para o parto em casa e no hospital. Tudo acontecia numa espécie de clima de clandestinidade (que detesto), o que servia os intentos de muitos maus profissionais. No caso do hospital, estava-se de costas completamente viradas para o problema e tratava-se toda a gente que chegava na sequência de uma tentativa de parto em casa pior do que quem lá ia para interromper a gravidez. Isto é intolerável e estou muito contente por tanto ter mudado em seis anos. Tenho a certeza que muita da mudança se deve a grupos de cidadãos preocupados com este status quo, que incluem os que estão genuinamente interessados no bem-estar das pessoas independentemente de onde escolhem parir, como a Sandra Oliveira. Ela foi uma das poucas que se juntou ao esforço de denunciar os maus profissionais onde quer que eles estivessem, com grande custo pessoal e profissional, e esse esforço pessoal deu frutos. Graças a Deus!"
Hugo Lima
Pai, fotógrafo
Foi desde o início defensor do parto em casa e fez questão de estudar bem a lição de forma a prestar todo o apoio à mãe e à bebé. A Jasmim nasceu em junho de 2015 e Hugo Lima partilha com a Máxima os receios e o prazer que teve, enquanto pai de primeira viagem.
"Quando tocámos no assunto pela primeira vez, ambos concordámos que seria uma experiência mais positiva para todos se o parto tivesse lugar no conforto do nosso lar. Houve receios, naturalmente. Mas, curiosamente, à medida que os receios sobre a nossa opção iam diminuindo, iam aumentando os receios sobre a possibilidade de o parto ter de acontecer em hospital caso surgisse uma complicação – não queríamos de todo ter esse momento num hospital. Confesso que após tanto lermos e estudarmos situações e documentos credíveis acreditados pela Organização Mundial da Saúde, ficámos com uma grande aversão ao sistema e não era para menos: multiplicavam-se os relatos de bebés nascidos antes do tempo por terem sido forçados a fazê-lo (toque que induzia o parto, cesariana marcada, etc.) e, por isso, prejudicava-se a saúde do bebé. O bebé deve nascer quando se sentir preparado, é um evento natural, os riscos multiplicam-se se assim não for. Houve muito estudo e muita pesquisa. Era um absoluto leigo nesta questão. Tinha apenas uma confiança: o parto é um evento natural.
Pesámos por muitas vezes os prós e contras e concluímos que, tendo em conta todos os pareceres que indicavam um parto normal sem risco, o parto seria muito mais saudável para a mãe e para o bebé se fosse em casa. Também a falta de humanização de vários hospitais, uns mais que outros, seria um aspeto negativo a pesar na opção. Claro que felizmente não é assim em todos os hospitais; tínhamos algumas boas referências caso nos fosse indicada gravidez de risco. Mas por muito humanizado que o hospital pudesse ser, nenhum nos proporcionaria o mesmo conforto que o nosso lar, assim como o tempo necessário para que tudo levasse o seu tempo. O nascimento do bebé é um momento delicado.
No dia do parto fomos acompanhados pela Razãodser, pelas enfermeiras parteiras Sónia Barbosa e Isabel Ferreira. Previa-se que a ‘expulsão' ocorresse de madrugada ou depois disso, pelo que tivemos um dia tranquilo a contar tempos entre contrações. Ao final do dia, numa altura em que as contrações estavam espaçadas por apenas três minutos, saí com a Letícia para um passeio, algo que acreditamos ter sido importante para o que se passou a seguir. A partir daí o processo foi rápido, as contrações intensificaram-se, surgiram as dores intensas que se prolongaram talvez por uma hora, tendo-se então iniciado o processo de expulsão que terá durado poucos minutos. Do momento em que vimos a cabeça a surgir até o bebé sair, costumo dizer que foi o tempo de deixar a mãe, que se apoiava nos meus ombros, até me posicionar para, nesse instante, ‘apanhar' o bebé. Portanto, segundos. Um alívio para a mãe e um momento de muito medo para mim que, apesar de estar bem informado, parecia ter esquecido tudo e me preocupava com questões como ‘o bebé está roxo' ou ‘parece ter secreções e não respirar bem'. Claro que é algo normal pois, afinal, tinha acabado de nascer. Nasceu pelas 4 horas e a madrugada prolongou-se até de manhã. Demos tempo ao tempo, observámos cada gesto e necessidade do bebé. Aguardamos pela placenta que terá saído uma hora depois e deixamos o bebé conectado à placenta por mais algumas horas. Adormecemos os três na cama pela manhã. Ao despertar estávamos os três juntos, na nossa cama, no nosso lar, e esta foi uma das razões que nos levou a esta opção. A Letícia já caminhava tranquilamente pela casa, mãe e bebé estavam de ótima saúde. O bebé foi medido e foi pesado, os procedimentos normais, sem pressa. Em setembro, a Jasmim vai ter uma irmã ou um irmão e só desejamos que tudo decorra conforme decorreu com ela e que seja tão saudável quanto ela."
