O nosso website armazena cookies no seu equipamento que são utilizados para assegurar funcionalidades que lhe permitem uma melhor experiência de navegação e utilização. Ao prosseguir com a navegação está a consentir a sua utilização. Para saber mais sobre cookies ou para os desativar consulte a Politica de Cookies Medialivre
Atual

"O problema não é os pais terem um filho preferido, mas sim não o admitirem"

Mito ou realidade? Tabu é certamente. E pode gerar discórdia dentro do seio familiar.

Foto: Unsplash
01 de junho de 2022 às 07:00 Mafalda Sequeira Braga

Admitir a preferência por um filho em detrimento de outro(s), leva geralmente a algumas questões sensíveis, ao julgamento da sociedade e da própria família. Contudo, é inegável: os favoritismos rodeiam-nos constantemente, em inúmeros contextos da nossa vida. A psicóloga americana Ellen Libby defende que este complexo surge como um padrão transmitido de geração em geração, resultado de "comportamentos conscientes e inconscientes estabelecidos pelos membros de uma família em reação a uma relação privilegiada entre um pai e um filho".

Para as psicólogas Fátima Almeida e Laura Alho, autoras do livro O Filho Preferido (editora Pactor), a questão continua a ser simultaneamente uma realidade e um mito. "Ainda que os pais possam dizer que não têm um filho preferido, a verdade é que, muitas vezes, os filhos, outros familiares, ou até pessoas que não pertencem à família nuclear conseguem perceber essa preferência, que pode ser inconsciente." Contudo, uma conclusão é certa: "A preferência é apenas a identificação e empatia por determinadas características de um dos filhos (ou de mais do que um)."

Entre as variáveis que podem explicar essa predileção estão as qualidades ou características de personalidade partilhadas entre pais e filhos, "os sistemas de educação a que os pais foram sujeitos, o facto de terem irmãos ou de serem filhos únicos, as expectativas em relação à parentalidade". A idade e o sexo das crianças também podem ter influência. Por um lado, as mães normalmente preferem as filhas e os pais os filhos (porque é com eles que podem praticar atividades e basear-se nos modelos feminino e masculino), por outro, os complexos de Édipo e de Electra não podem ser ignorados. Existe ainda maior ideia de favoritismo em relação ao filho primogénito (o mais velho), pois foi o primeiro e talvez o mais desejado, ou então, em relação ao mais novo, pois é o "bebé" da família.

E nada disto tem de ser necessariamente mau. Ellen Libby considera, aliás, que o problema não é os pais terem um filho preferido, mas sim não o admitirem, quando este é, na maior parte das vezes, um fenómeno natural. De acordo com Fátima Almeida e Laura Alho, os pais têm medo de admitir a preferência porque confundem favoritismo com amor: "Associam a preferência ao facto de isso poder significar não amarem os filhos por igual – e não é isso que está em causa." Só quando essa preferência for vincada e assumida e o tratamento perante os filhos for desigual é que a perceção de amor e proteção podem ser enviesadas. Aqui, as crianças poderão sentir que não são tão importantes como o(s) irmão(s) através de certos gestos (inconscientes ou não) por parte dos pais, tais como pedir a opinião de um filho e ignorar a de outro, elogiar mais um que outro, a comparação constante entre irmãos, proporcionar oportunidades ou bens materiais diferentes, a manifestação desigual de carinho ou o tempo dedicado a cada um dos filhos.

O fenómeno pode, no entanto, ter consequências no funcionamento da família e no desenvolvimento das crianças. O filho favorito irá crescer sentindo-se mais confiante e poderoso, mas também pode fazê-lo sentir-se sempre acima das regras, suscitando frustração e raiva quando percebe que não pode fazer tudo o que quer. Poderá ainda ter maior dificuldade em separar-se dos pais e desenvolver a sua própria personalidade, bem como em construir relações amorosas futuras pois sentirá que ninguém conseguirá amá-lo tanto quanto o pai que o preferia. Já o filho preterido poderá vir a sofrer de problemas de autoestima e, se perceber que os pais estão constantemente a desvalorizá-lo, "pode adotar comportamentos desajustados (regressão, infantilização, dificuldades na aprendizagem, apatia, desinteresse, revolta, entre outros)".

As autoras de O Filho Preferido sugerem aos pais que expliquem "esta dedicação desigual (ou porque um é mais novo e requer mais atenção, ou porque um tem mais dificuldades do que outros, etc.). Habitualmente, eles percebem e desvalorizam. O sentirem-se amados é o mais importante". Aconselham ainda a evitar as tais comparações, elogiar cada filho pelas suas qualidades e por algo que eles realizaram sozinhos e assegurar que há tempo para atividades em família mas também individuais.

*Originalmente publicado na edição de dezembro de 2015 da Máxima (Nº327)

Leia também

E quando não se gosta de ser mãe?

A maternidade é o papel mais importante da vida: eles dão muito trabalho mas compensa, o sorriso da criança alivia todos os cansaços. Ou não. Durante décadas não querer filhos foi o grande tabu da maternidade. Hoje, há outro: ter filhos, mas não gostar de ser mãe e sentir arrependimento por ter tomado essa decisão. Um olhar sobre a vida de mulheres que, como as outras, gostam dos filhos, mas confessam que não foram talhadas para o papel.

As Mais Lidas