Kevin Morby, a religião e uma sonoridade que vêm da alma
A 26 de abril, Kevin Morby revela o seu novo álbum. O título ‘Oh My God’ vai muito além da expressão de espanto: é uma reacção ao estado do mundo. Leia a entrevista ao cantor de Kansas City.

Mesmo (ainda) sem sabermos nada sobre Kevin Morby, é inevitável, nem que seja pela sonoridade (e, obviamente, pelas composições) do seu novo álbum Oh My God, não o imaginarmos a irromper de um cenário místico, talvez o das montanhas de Moutain Washington (onde viveu) numa névoa envolta em mistério.
Ao telefone de Espanha, por onde passou em tour, Kevin Morby (Kansas, EUA, 1988) conta-nos como é que se reencontrou com as suas memórias religiosas e como cruzou essa viagem com uma reflexão sobre o atual estado do mundo de uma maneira geral (através da expressão "oh meu deus!", sempre que liga a televisão ultimamente). Sim, Kevin Morby é um homem supersticioso e acredita em alienígenas e Oh My God, o seu quarto álbum, é o espelho de todas as suas influências musicais durante as suas quase três décadas de vida no planeta terra: do folk ao rock, do indie ao jazz, o novo disco chega a 26 de abril como um bom presságio.

Cresceu em Kansas City. Que memórias musicais tem desses tempos?
Havia muita música "do it yourself" a acontecer… Não havia grande mercado para a música, na altura, porque não se passava muita coisa na cidade e nem havia uma grande afluência de bandas com tours a passar por lá. Eu e os meus amigos acabamos por criar uma comunidade, fazíamos os nossos próprios espectáculos, tocávamos em bandas de garagem nas nossas casas, e em qualquer sítio onde nos pudéssemos "conectar" fazíamos música. Era uma cidade pequena, com uma comunidade musical pequena mas que era muito próxima e solidária, era bom ser-se adolescente nesta comunidade…
Que género musical começou por explorar, nessa altura?

Tocávamos muito punk, folk, jazz… E o Kansas está muito ligado à história do jazz, o Charlie Parker nasceu lá. Eu tocava a solo como Kevin Morby, mas tinha uma banda de punk.
Depois, mudou-se para Nova Iorque. O que é que a cidade que nunca dorme lhe ensinou?
Achei Nova Iorque parecida com Kansas City em muitos patamares, foi onde encontrei uma grande cultura musical, pessoas que se aventuravam [a organizar] os seus próprios concertos… E uma série de amigos com bandas diferentes. Claro que como era Nova Iorque, era tudo isso num nível superior. As pessoas apareciam em revistas e jornais, andavam em tours e arranjavam as suas próprias editoras [discográficas]. Quando cheguei a Nova Iorque a sensação que tive foi de familiaridade com Kansas City, mas com a diferença de que as pessoas se preocupavam [a um nível profissional] e tinham atenção verdadeira. As tour e os discos eram algo possível e "fazível", portanto.

Viveu, por um período, no Monte Washington, que é um sítio contrário a Nova Iorque: é montanhoso e rural. Esse local inspirou-o?
O Monte Washington inspirou-me muito. O álbum Singing Saw [2016] é sobre viver lá e eu acredito que, independentemente do que estejamos a fazer, vamos ser sempre inspirados pelo sítio onde estamos.
Neste novo disco Oh My God percorrem-se vários géneros musicais, mas há uma consistência sonora que expressa uma só identidade. É verdade?

Eu quis fazer um disco que expressasse vários moods, só assim senti que estava a fazer algo completo. É como um filme ou uma refeição – no fim, queres sentir que viste ou provaste tudo. O mais desafiante foi arranjar tempo para escrever o álbum, porque não parava de estar em digressão.
Este nome do disco é uma reacção ao estado do mundo em geral?
Em 2016 escrevi uma música chamada Beautiful Strangers, que era para ser a primeira música deste novo álbum. Aconteceram muitas coisas pelo meio e tive de garantir que revelava essa composição no momento em que o fiz. Nessa música, escrevo esta frase "Oh, my God, oh, my Lord" que decidi usar como uma afirmação e um statement para explicar o que sinto em relação aos últimos eventos relacionados com temas como a política, a violência… Sempre que ligo a televisão digo: "oh meu Deus". O que sortia em mim várias reações desde choque a alegria, fúria ou tristeza.

Mas também há sempre o conceito de Deus implícito…
Depois de ter essa ideia, senti que podia brincar com a imagem religiosa e com tudo o que está ligado à religião, a Deus e ao sagrado. Cresci num sítio muito religioso, onde há sinais, placas e monumentos relacionados com a religião, e onde a sociedade te diz que vais ou para o céu ou para o inferno – isto sempre me fascinou. O conceito do diabo e do anjo, por exemplo – tudo isso me fascina, assim como o wild west ou os aliens (apesar de estes últimos não estarem impregnados na nossa cultura). A afirmação "oh meu Deus" é uma representação disso, é a prova de que a religião está muito presente na nossa cultura. É como "holy shit"!
Há algum episódio curioso que tenha acontecido em palco?
Sou uma pessoa deveras supersticiosa. Estou em Madrid, neste momento, e da última vez que toquei aqui senti-me muito supersticioso – nessas alturas, diz-se que devemos bater três vezes em madeira. O palco onde tocámos era feito de madeira, então dessa vez e a meio de qualquer música, parava para ir fazê-lo, e só depois voltava à música. As pessoas ficaram a olhar para mim, devem ter achado que era doido.
Qual é a sua relação com Portugal?
Sempre que tenho férias, o meu local de eleição é Portugal. Das últimas duas vezes fiquei no Porto… E o concerto foi incrível. Em Paredes de Coura é maravilhoso poder interagir com as pessoas que me ouvem e nadar no rio.
Em que artista está de olho, e com quem gostaria de compor uma música?
Tenho ouvido muito Jessica Pratt e adoraria compor uma música com ela.
A 7 de julho, a Galeria Zé dos Bois, em Lisboa, apresenta um concerto de Kevin Morby numa sala a anunciar e a 8 de julho o artista sobe até Braga, para um concerto do ciclo gnration@, que terá lugar nos jardins do Museu D. Diogo de Sousa. Kevin Morby atuou no ano passado no Festival Paredes de Coura.
