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Quais são os reais riscos de colocarmos as fotografias dos nossos filhos no Facebook?
24 de maio de 2017 às 07:00 Máxima
Os pais são bombardeados com medos. Medo de doenças, medo do insucesso escolar, medo de tudo e mais alguma coisa, mas há um medo que os aterroriza e lhes tira o sono: o receio de que alguém maltrate o seu filho, abuse dele e o faça desaparecer. O instinto de proteção é ancestral, mas o processo Casa Pia e o desaparecimento de Madeleine McCann, a par da globalização dos mais sinistros casos de violência contra as crianças, deixou os pais portugueses do século XXI ainda mais em alerta.
Nunca, como hoje, as nossas crianças estiveram tão "metidas em casa" e com um grau de autonomia tão pequeno, garantem os especialistas. Mas como os sustos nunca acabam, pelos vistos ficar em casa também não é seguro, muito menos se for sinónimo de estar ligado à Internet, um mundo virtual que parece tão ou mais assustador do que o real. E o pior, diz-se, escreve-se, aparece em todo o lado, é que podem ser os próprios pais a fazer com que as crianças se tornem alvos fáceis de predadores ou protagonistas de cenas de pornografia infantil. Ainda por cima, acusam, por terem cometido o pecado da vaidade, exibindo os seus filhos para que os outros os admirem.
Foi este o contexto em que "caiu" o alerta da PSP, pedindo aos pais que pensem duas vezes antes de "postarem" fotografias dos seus filhos no Facebook e outras redes sociais, e aquele que recebeu o acórdão da Relação de Évora, que proibia um casal de colocar fotografias da sua filha de 12 anos no Facebook. "O conta-se que" ou o "aconteceu na América" misturam-se com notícias que falam do desmantelamento, em Portugal, de redes de pornografia infantil e de raptos de crianças, em que é difícil distinguir a realidade dos rumores e mitos urbanos. Mas, quando a polícia alerta e um tribunal decide, é altura de parar para pensar: que perigos são estes e que casos existiram para justificar o alarme e uma decisão judicial deste peso? O que é que eles sabem que os pais deviam saber? E se os riscos dos pais colocarem fotografias - entenda-se que, hoje e aqui, é esse o assunto em debate - são grandes, médios ou pequenos, daqueles que são inerentes a estarmos vivos (e hoje estar vivo é ter uma pegada digital), ou riscos que podemos evitar? Foi o que a Máxima procurou descobrir.
O relatório Exploração Sexual das Crianças Online/2015, de uma coligação de instituições públicas e privadas que, sob o patrocínio da União Europeia, se unem para combater este flagelo, deixa claro que o mundo virtual é um mundo negro para milhares de crianças que são abusadas diretamente pelos pais e familiares ou, com a conivência destes, por clientes, a fim de produzir material que vendem a um número chocante de mentes perturbadas. Deixa-nos certos também que os adolescentes, sobretudo os que não têm uma estrutura familiar mais sólida, se podem tornar presas fáceis de predadores que assumem falsas identidades e que lhes pedem que se fotografem nus ou produzam imagens para uma webcam, material que é depois usado para os chantagear e extorquir dinheiro e, simultaneamente, vendido, para além de outros "esquemas" criminosos para levar os mais novos a ver e distribuir material pornográfico. Mas de que forma se liga este pesadelo, a que não podemos ficar indiferentes, ao facto de colocarmos uma fotografia do nosso filho sorridente a andar de baloiço, se é que se liga?
Carlos Cabreiro, coordenador da investigação criminal da Unidade Nacional de Cibercrime da Polícia Judiciária (PJ), esclarece que há um risco real de que "estas fotos, colocadas nas redes sociais, possam vir a constar de listas de pornografia". Manipuladas, utilizadas para encobrir o rosto da criança verdadeiramente abusada ou apenas para fazerem passar por novo material já velho, ou simplesmente colocadas num site de pornografia infantil com uma legenda sórdida, que a desvirtua completamente. O risco, explica ainda, é que um dia os pais possam descobrir o seu filho num filme ou numa fotografia de conteúdo sexual explícito. Ou, mais tarde, que seja a criança já adulta a encontrar esse material, podendo inclusivamente pensar que corresponde a um abuso físico de que foi alvo. "Há muitos sites, fóruns, grupos de discussão, alguns em que é necessário usar uma password para aceder, há-os na Internet e na chamada deep web, na darknet, e estes são recursos que os criminosos usam para disseminar as imagens", acrescenta.
"ALGUNS PAIS SÃO, DE FACTO, OS
PIORES INIMIGOS DOS FILHOS E A VERDADE
É QUE PUBLICAM FOTOGRAFIAS INAPROPRIADAS DA CRIANÇA DESPIDA
OU EM POSES PROVOCADORAS"
O procurador do Ministério Público, Manuel Magriço, autor do livro A Exploração Sexual de Crianças no Ciberespaço, recorda que, "nos casos denunciados pela Interpol e Europol, normalmente através de informação recolhida pela polícia alemã, cuja legislação nesta matéria permite uma atuação mais proativa, tem havido grande sucesso. Depois de denunciadas e identificadas estas práticas da responsabilidade de utilizadores portugueses, temos tido excelentes resultados, com recolha de prova bem fundamentada por parte das equipas da Procuradoria-Geral da República (PGR), do gabinete de perícias informáticas do Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa e da PJ, com condenações dos arguidos em pena de prisão efetiva". Mas de onde vem este material? "De todo o lado", responde Carlos Cabreiro. "Pode vir de zonas onde a pornografia infantil não é tão sancionada como por cá, pode ser produzido em Portugal, na Europa... A Internet não tem fronteiras e não conseguimos dizer que vem apenas de um local."Quantificar a incidência deste fenómeno já é mais difícil, até porque felizmente os pais não frequentam esses "sítios", chegando ao conhecimento das autoridades apenas quando se desmantela uma destas redes e se estudam os milhares de fotografias encontradas e se consegue descobrir a identidade dos meninos abusados. Mas o que a PJ sabe é que, em 2014, abriu 242 inquéritos aos crimes de pornografia de menores.
Uma forma de vingança
Manuel Magriço dá conta de um outro crime resultante daquilo que colocamos nas páginas das redes sociais: "Também recentemente foram reportadas práticas de interceção de vídeos ‘familiares' que são alterados, com fotografias ou vídeos de pessoas em ‘poses sexuais', de fisionomia semelhante aos dos membros da família. Nestes casos, há uma inserção de imagens com o objetivo de dar a entender que os membros daquela família têm práticas entre si (por exemplo: pai, mãe, filhos e filhas)." O objetivo é "perturbar a harmonia familiar, dessensibilizar os mais novos e pôr em causa a boa reputação de uma família".
Quem já foi vítima de ataques na Internet e nas redes sociais, na forma de um bullying mais ou menos assumido, estremece com esta informação. Nunca como hoje foi possível fazer chegar a mentira e a difamação tão depressa e tão longe, na impunidade do anonimato.
Acesso a predadores e raptos – por favor, não inventem!
Os estudos à perceção que os portugueses têm de Portugal como um país seguro para as crianças surpreendem sempre. Embora os indicadores objetivos o coloquem entre os mais seguros do mundo, os inquiridos continuam a temer raptores e pedófilos a cada esquina, como se não pudessem perder os filhos de vista por um segundo. Em Portugal, diz a PJ, o número de crianças de que não se sabe o paradeiro é muito pequeno: na página referente aos desaparecidos contam-se, nos últimos 26 anos, nove crianças, sendo o último desaparecimento registado o de Maddie (2007). Obviamente bastaria um caso para ser uma tragédia, mas quando comparado com o número de raptos por um dos pais, 320 nos últimos dez anos, e com a consciência de que 90% dos abusos sexuais são perpetrados pela família ou próximos, entendemos que os maiores perigos não vêm de fora! E embora o aliciamento de menores através da Internet - mas aqui estamos a falar de utilizadores adolescentes contactados diretamente e não de imagens publicadas pelos pais - constitua um problema preocupante, também é bom não esquecer que as vítimas são, na grande maioria dos casos, jovens em situação de grande abandono afetivo. O National Center for Missing and Exploited Children indica que 68% das raparigas que terão sido encaminhadas para o tráfico sexual estavam entregues aos cuidados da Segurança Social.
Mas se preparar os nossos filhos para serem capazes de enfrentar os riscos que correm quando navegam na Internet é, seguramente, uma obrigação, já imaginar que uma fotografia de uma criança posta no Facebook pelos pais a pode levar à escravatura sexual, ou mesmo ao abuso, é já do domínio da paranoia, garante quem estuda estes fenómenos. E, questionadas, a PSP e a PJ não têm quaisquer indicações nesse sentido.
A pegada digital
Mas esqueçamos por momentos o crime e falemos só do direito dos filhos a protestarem, um dia, contra uma fotografia que publicámos deles, e de que não gostam. Mas que não têm a possibilidade de fazer desaparecer. O bom senso faz falta para tudo, e como se tem vindo a perceber ao longo deste texto, alguns pais são, de facto, os piores inimigos dos filhos, e mesmo que não produzam oficialmente pornografia, a verdade é que publicam fotografias inapropriadas, da criança despida ou seminua, em poses provocadoras, inclusivamente com os órgãos sexuais à vista, alegadamente como prova da virilidade do descendente. Nesses casos, poucas serão as dúvidas de que se trata de um maltrato infantil, e que o caso deve ser denunciado à PJ, cabendo ao tribunal decidir da gravidade do ato e se merece pena. Como talvez mereça ser denunciado o caso da mãe que põe fotografias da sua adolescente de castigo ou com um cartão ao pescoço a dizer "sou burra, sou burra", como aconteceu em 2014, ou qualquer outra que dê sinal de uma relação doentia e de humilhação. Mas esses são, dizem os especialistas, sinais exteriores de alerta, de que aquela criança está em perigo. Aliás, qualquer pai ou mãe que ainda se recorde de ter sido adolescente pensará sempre duas vezes antes de postar uma fotografia de um filho/filha nessa idade, atrevendo-se, no máximo, a partilhar alguma coisa que o próprio tenha postado e que se presume tenha passado o crivo da sua autocrítica afiada.
Sonia Livingstone, professora de psicologia social na London School of Economics e perita em crianças e Internet, disse ao jornal The Guardian que os pais devem pensar em termos de ‘custo': "Se posta uma fotografia do seu filho com uma tatuagem do diabo no braço ou numa birra, talvez no futuro isso tenha um custo. Não são todas as fotografias, mas algumas, que se podem revelar problemáticas." Ou seja, vale a pena parar para pensar.
Quanto à questão de saber se é legítimo aumentar a pegada digital do nosso filho, só dá mesmo para encolher os ombros: daqui a dez anos não haverá um único adolescente que não tenha imagens suas no Facebook ou outra rede social, pela simples razão de que os estudos nos EUA e Europa indicam que a grande maioria das mães está na rede e, das que estão, mais de 90% afirmam fazer posts com os filhos. E é muito pouco provável que um filho considere que se trata de uma violação do direito à privacidade: afinal a sua geração vai ser uma geração que não concebe a vida sem o mundo virtual.
Livingstone desdramatiza, afirmando também "que esta questão vai ampliar a relação que já têm com os pais. Se têm uma relação fantástica, vão olhar para aquelas fotografias e dizer: ‘Wow, o que a minha mãe teve de aturar!' Se estão zangados com os pais, vão ver estes posts como uma infração da sua privacidade e utilizá-los para deitar mais lenha na fogueira". Mas qualquer mãe sabe que, para uma retaliação de um adolescente, todos os pretextos são bons.
E quando são eles a colocarem-se em perigo
A verdade é que só dificilmente aquilo que os pais possam fazer na sua página de Facebook se comparará com o mal que os adolescentes podem fazer a si mesmos, colocando na rede social imagens que, essas sim, podem complicar-lhes o futuro: a cair de bêbado numa Queima das Fitas, a utilizar substâncias ilícitas, a destruir um carro ou, como recentemente vimos em Portugal, no infelizmente famoso vídeo da Figueira da Foz, a agredir violentamente um colega, a olhar a cena passivamente, ou a ser agredido, sem reagir.
REDES SOCIAIS MAIS SEGURAS
A divulgação de fotos de menores pode acarretar riscos. Mas se considerar excessivo privar-se de publicar fotografias dos seus filhos nas redes sociais, há medidas que pode adotar, como tornar as fotos apenas acessíveis a amigos e familiares. E sim, reduza a lista ao mínimo possível, sem cedências a pseudoconhecidos. Para os pais mais distraídos, o Facebook vai passar a perguntar: "Tem a certeza de que quer continuar?" Uma pergunta que aparecerá sempre que publicar uma fotografia com crianças na rede social e que resulta de uma nova ferramenta, disponível em breve, capaz de detetar menores nas imagens. Se os seus filhos já são mais crescidos e têm as suas próprias contas em diversas redes sociais é importante:
> tornar o perfil o mais privado possível e disponibilizar as fotos apenas para amigos e familiares;
> delimitar o tempo gasto nas redes sociais;
> ensiná-los a respeitar os outros nas redes sociais (como em qualquer outro lugar) e a abster-se de fazer comentários de teor racista, que incitem ao ódio, humilhem os outros, etc.;
> denunciar as publicações ofensivas.
Imagens que, mais tarde, um futuro empregador (e já são cerca de um quinto os que recrutam com pesquisa online) poderá ter em conta, assim como uma seguradora ao analisar uma apólice de saúde ou de vida, ou um banco, a considerar uma hipoteca ou um empréstimo.
E se é certo que os filhos sabem melhor do que os pais sobre como funcionam as redes sociais, e como podem defender a sua privacidade, também sabemos todos que a sua escolha de amigos é muito transitória e frágil e o maior amigo pode tornar-se, no dia seguinte, aquele que faz chantagem e tortura. Aí sim, o alerta para que os pais entendam o que pode acontecer - não condescendam em deixar que os seus filhos tenham "páginas" cedo de mais, ajudando-os a entender os valores éticos e morais que devem presidir ao mundo virtual, como ao mundo real - parece bem justificado e bem-vindo. Carlos Cabreiro, da PJ, por exemplo, recorda que "o próprio Facebook tem uma política que impede o uso da rede social por menores de 14 anos, mas muitos são os pais que consentem que os filhos de nove, dez anos tenham conta".
Mas para quando o mal está feito, grupos de defesa dos direitos no mundo virtual, como o iRights, acabam de propor que aos 18 anos, na altura de tirar a carta, o jovem tenha direito a retirar conteúdos colocados nas redes sociais e que agora considere desadequados. Porque, defende, "os jovens experimentam, mas mudam e amadurecem", e não merecem arrastar pela vida fora os erros da sua juventude. Tudo isto não pode deixar de levar a pensar: se uma sentença de tribunal impede os pais de colocarem fotografias dos filhos nas redes sociais e como os pais são responsáveis pelos filhos até à maioridade, são também responsáveis pelas imagens que um filho adolescente coloca de si mesmo?
O procurador Manuel Magriço pensa que não. "O simples facto de colocar uma fotografia nas redes sociais ou no ciberespaço por si só não acarreta responsabilização dos pais, sobretudo a partir dos 13 anos, momento a partir do qual já se considera que as crianças conseguem melhor ajuizar sobre as consequências dos seus atos."
Provavelmente uma questão a valer mais debate porque, a levar a decisão de Évora à letra, o adolescente pode publicar imagens de si mesmo, enquanto os pais, até à maioridade dos filhos, não podem postar as mesmas imagens – e será que as podem partilhar a partir do Facebook dos filhos?
Origem no Facebook… mas também da rua
O relatório As Crianças e a Internet, da Procuradoria-Geral da República, afirma que se tem constatado que "uma boa parte das imagens transacionadas na rede tiveram origem em webcams e foram tiradas à distância".
A verdade é que estas imagens podem ter origem também em fotografias tiradas na rua, numa festa da escola, podem vir de um catálogo de moda, de um anúncio que protagonize crianças, já para não falar nos milhares de fotografias que se encontram numa busca no Google, provenientes de bancos de imagens, e até mesmo nas que guardamos no computador, que podem ser roubadas. A verdade é que o mal está em todo o lado e somos absolutamente impotentes para proteger em absoluto os nossos filhos. Uma lição que aprendemos cedo, mas a que nunca nos conformamos.
Então o que fazer? Limitar os riscos, não facilitar, agir com sensatez, sem deixar que tudo isto se torne uma obsessão, na certeza de que se nos fecharmos num casulo, se nos recusarmos a participar num mundo que sim, implica estar na Internet, provocaremos em nós e nos nossos filhos males tão irreparáveis como a possibilidade de, um dia, um pedófilo usar uma fotografia deles num sinistro site qualquer.
Carlos Cabreiro sabe disso. E as suas palavras não vão no sentido da imposição. "Não dizemos às pessoas que não devem partilhar as fotos, mas que tenham cuidado, que evitem que circulem para além do círculo dos familiares e dos amigos próximos. E, atenção, porque o conceito de amigo no Facebook é muito lato." O Subintendente Paulo Ornelas Flor, porta-voz da PSP, força policial que, no verão passado, lançou o alerta, garante que o pretendido era "chamar a atenção dos pais para salvaguardarem aqueles que ainda não podem decidir se querem ou não estar nas redes sociais. É verdade que, de uma forma ou de outra, todos lá vamos parar, mas tudo o que estiver sob o nosso domínio e podermos controlar é nossa responsabilidade fazê-lo".
Uma vez que percebemos os riscos, a decisão é nossa. Mas, como disse a DECO em recente comunicado, o que não faz sentido é que não saibamos tirar o máximo partido das possibilidades de proteger a informação, de proteger os nossos filhos, conhecendo mais das políticas de privacidade da rede social que utilizamos (ver caixa).
Por Isabel Stilwell e Carla Marina Mendes
*Originalmente publicado na edição 328 da Máxima (Janeiro 2016)