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Devo obrigar o meu filho adolescente a ir aos almoços de Família?

Vera, 48 anos, Loures.

30 de março de 2016 às 13:01 Dra. Catarina Rivero
O meu filho, agora com dezasseis anos, tem vindo cada vez mais a contestar o que lhe propomos e a evitar participar em atividades connosco. Tudo é uma seca. De vez em quando lá se anima a ir ver um jogo de futebol com o pai, mas tudo mais, mesmo que depois até goste, começa com uma discussão. Na Páscoa costumamos ir almoçar a casa da minha mãe, onde nos juntamos com alguns familiares. Este ano contestou tanto, que resolvemos ir sem ele, pois estávamos fartos da discussão. Mas tememos não ter sido a melhor opção. Todos nos criticaram. Devemos obrigá-lo a ir connosco aos almoços de família? 
 
Cara Vera, a questão que coloca é comum em várias famílias com adolescentes. Trata-se de uma fase de um grande turbilhão de emoções dos jovens adolescentes e definição da identidade. Surgem muitas contradições nos discursos, bem como, não raras vezes, tensões nada positivas com os adultos. Por outro lado, as dúvidas dos pais sobre a liberdade e autonomia que sentem ser ou não benéfica. Todavia, esta também é uma fase de descoberta e florescimento que pode ser amplificada pelo suporte, afeto e celebrações, mas também, naturalmente, pela definição de limites. Deixarei alguns pontos sobre as dinâmicas familiares que podem ser úteis em futuras abordagens e ocasiões.
 
Os rituais de família constituem momentos importantes das relações e ligações familiares. Sejam dias importantes ligados à história e ciclo vital da família, da religião ou crenças familiares, ou da história do país...  cada família vai desenhando a sua identidade através dos rituais que vive e pela forma como o vive. Em Portugal, muitos celebram a Páscoa, por exemplo, até pela tradição religiosa que muitas famílias seguem. Independentemente do tipo de ritual, tratam-se geralmente de momentos de reunião e que acrescentam significado à identidade familiar. Se as crianças costumam gostar muito destes momentos, alguns adolescentes podem questionar e contestar (mesmo que nem todos os adolescentes, nem em todos os rituais).
 
As famílias desenvolvem-se com dinâmicas relacionais diferentes, como as rotinas do quotidiano e os rituais familiares celebrados ao longo do ano – tudo o que vão fazendo em conjunto. Consideramos que uma família desritualizada  (quando desistimos definitivamente de manter os rituais, como aniversários, natal, festa da primavera, etc) pode estar em risco, nomeadamente com adolescentes, havendo estudos a referirem a relação da desritualização das famílias e problemas de comportamento nos adolescentes (agressividade, consumos, etc.).  As principais funções da família passam por proteger e promover a autonomia de cada um dos seus elementos, trazer um sentido de continuidade e previsibilidade, pertença e suporte ao mesmo tempo que se cria espaço para a individuação de cada um, e para transformar e atualizar rotinas e rituais, com flexibilidade, considerando a participação também dos adolescentes (a marca da sua individualidade no sistema familiar).
 
A adolescência é uma fase de transição: já não é pequeno, nem adulto, e testa os limites estabelecidos. Quer ser cuidado, mas não quer. Os pais querem vê-los crescer, mas continuar a proteger. Ainda assim, como sabemos, depois da fase de maior turbilhão, a maioria dos jovens adultos recupera esses rituais com especial significado. A negociação pode ser um bom aliado, mantendo a estrutura e adaptando regras, considerando o que será por todos definido como negociável ou não-negociável (por exemplo, Natal e aniversários podem não ser negociáveis, Carnaval com os amigos da família pode ser negociável). Pode ser de grande ajuda existirem conversas francas, centradas no sentir e sem críticas, de procura de compreensão das perspetivas em choque, com vista à definição de soluções – naturalmente que estas conversas só costumam funcionar quando a tensão baixa, fora dos períodos de discussão.
 
Há que relembrar que cada adolescente é um adolescente e é importante ir descobrindo estratégias específicas de o ajudar a gerir as suas emoções, cultivando o sentido de pertença e ajudando na definição da sua própria identidade (evitando criticar as emoções, mas ajudando a adaptar comportamentos). Os pais que têm mais do que um adolescente em casa, muitas vezes referem essas diferenças e tal deve-se, não só ao que proporcionaram aos filhos, mas também a características individuais do adolescente, suas influências ao nível de pares e, claro, todo o ambiente familiar e a forma como é sentido por cada um. Uma relação positiva no quotidiano, com conversas e atividades conjuntas de partilha e descoberta, momentos de sentido de humor positivo em casa, pode ser de grande ajuda. Os adolescentes continuam a precisar (muito) de sentir o amor e apoio incondicional dos pais, mesmo que de forma adaptada à idade. Gerir a pertença, coesão familiar a par da autonomia individual pode ser um processo positivo e pleno de afetos.
 
É ainda de grande ajuda quando os pais se mostram coesos entre si, se apoiam de forma manifesta, e deliberadamente inspiram os filhos para uma vida positiva dentro e fora de casa, nos tempos livres e no trabalho/estudos e, claro, na família nuclear e com a família alargada. Vivências inspiradoras ajudam a envolver os jovens, mantendo os laços e a celebração, com espaço para a individualidade. As decisões para cada momento podem ser então levadas com conversas continuadas, flexíveis e negociadas, e com convites a celebrar os valores familiares. Aceitar que em algumas situações os adolescentes não vão querer acompanhar os pais, faz parte também do processo de adolescer dos pais. Mais do que um certo e um errado, trata-se de uma dinâmica e transformação constante – o diálogo positivo e construtivo entre os pais, a par da presença inspiradora de ambos no dia-a-dia, será, como já referido, um dos grandes aliados da relação positiva das famílias com adolescentes.
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