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Dê cor aos seus problemas!

Pintar já foi coisa de crianças. Hoje, os livros de colorir conquistaram os adultos, que descobriram como neste regresso à infância se conquista o bem-estar e a boa disposição.

29 de março de 2016 às 10:00 Máxima

O despique foi grande. De um lado, Marina Carreira, 40 anos, a mãe; do outro, Guilherme, sete anos, o filho. E na origem da contenda um livro de colorir. Aqui não era a insistência da mãe para que ele pegasse nos lápis a dar origem ao conflito, mas o desejo partilhado pelos dois de se aventurarem nas páginas de um livro que, confirma o que está escrito na capa, não é para crianças mas antes para toda a família. A disputa chegou ao fim sem vencedores. Ou melhor, sem vencidos, já que terminou com uma pintura a duas mãos. E com uma satisfação partilhada.

São muitos estudos, enchem várias páginas e ocupam investigadores de todo o mundo, tudo para conhecer mais sobre o impacto e os benefícios da arte no cérebro que, garante a ciência, são vários e vão além da simples sensação de bem-estar que são capazes de proporcionar. Um deles é potenciar o otimismo. É que, diz quem sabe, ao inspirar uma reação emocional positiva, a atividade artística aumenta a autoestima e inspira as pessoas a irem mais além. Cientificamente falando, a "produção de arte visual melhora a interação efetiva entre partes do cérebro", lê-se num estudo realizado por investigadores alemães da University College de Londres. Graças ao seu trabalho foi possível confirmar que as atividades artísticas também podem atrasar ou até contrariar um dos efeitos adversos do envelhecimento: o declínio de algumas funções cerebrais.

Stan Rodski, neurocientista australiano com mais de 30 anos de experiência, foi ainda mais longe e, crente nos benefícios da pintura, juntou-se a um ilustrador para criar o seu próprio livro de pintar. Isto porque, segundo o próprio, "quando nos concentramos na tarefa de colorir dentro de linhas podemos mudar as ondas cerebrais, que deixam de estar num estado contínuo de Beta [sinal de existência de tensão e stress], para um estado mais relaxado de Alpha".

"Sinto-me relaxada quando estou ali entretida a pintar. E é engraçado que quando chego ao fim parece que fico sempre bem-disposta", partilha Marina Carreira, que não esconde ser uma das muitas fãs dos livros de colorir para adultos que recentemente invadiram as livrarias nacionais. Há-os com ilustrações de jardins, campos floridos, rosáceas, mandalas, entre muitos outros desenhos. E embora a moda seja recente, a saída, essa, é grande. E a prová-lo estão os números das editoras. A Esfera dos Livros tem dois no top de vendas que, em menos de dois meses, venderam seis mil exemplares. A Editorial Presença, pioneira por cá no lançamento destes livros, tem vários títulos, um dos quais com vendas na ordem dos 7200 exemplares, encontrando-se já na terceira edição. A Lua de Papel confirma a comercialização de nove mil exemplares da sua publicação do mesmo género. É assim por cá, como antes já foi lá fora, onde, em abril, um destes livros chegava ao top 10 de vendas da Amazon.

Oferta não falta. E adeptos também não. O que faz algum sentido, salienta à Máxima Daniela Martins, arte-psicoterapeuta e um dos elementos da direção da Sociedade Portuguesa de Arte-Terapia. Isto porque há benefícios que lhes são reconhecidos. "É uma atividade criativa, que nos faz fugir da rotina, dos problemas, do stress. É um escape", refere. Isto apesar de, salienta, estes livros serem bem diferentes do que se define como arte-terapia, "um processo psicoterapêutico que vai promover uma transformação, ou pelo menos uma reflexão, e que é trabalhado por um profissional, o terapeuta, que leva a pessoa a refletir sobre um determinado assunto".

Ainda assim, aponta as vantagens. Além de estimularem o impulso criativo que existe em todos nós, permitem "o retorno à infância. E quem é que não quer voltar aos tempos de criança? Nós, adultos, estamos formatados para saber – e fazer – o que é certo e errado, o que é bom e mau, para vivermos, como costumo dizer, os rounds diários e chegar ao fim do dia, ir dormir e, às vezes, nem conseguir descansar devido ao stress. E como os desenhos são muito minuciosos, quase obsessivos, muito pequeninos, conseguem prender a atenção da pessoa, permitindo que desligue com facilidade daquilo que lhe polui a mente". É o momento, reforça, "de resgatar a criança interior que há em nós e quebrar as amarras dos problemas que nos acompanham".

 

Está tudo no cérebro

Tudo aconteceu por acaso. Johanna Basford, ilustradora britânica, tinha acabado de publicar no seu site um conjunto de desenhos para download gratuito quando foi contactada por uma editora com um convite: fazer um livro de colorir para crianças. Mas em vez de um sim, a resposta dada à editora foi em forma de desafio. Faria os desenhos para um livro, mas desde que fosse para adultos, já que era destes que recebia mais comentários sobre os seus desenhos. E assim começava uma aventura que já leva quatro anos. "Eu acho que há muito tempo que havia um movimento clandestino de pintura para adultos", explica em jeito de brincadeira. "Recebo muitos e-mails de pessoas que dizem que antes dos meus livros serem publicados costumavam esperar que os filhos fossem para a cama para lhes pintar os livros."

Hoje, não tem dúvidas que são "uma ótima forma de libertar o stress", oferecendo "uma boa oportunidade para nos desconectarmos do mundo e ficarmos completamente imersos numa tarefa sem a constante vibração do Twitter ou a atração do Facebook".

Apesar de compreender porque é que as pessoas gostam de pintar, não esconde a surpresa com o sucesso que os seus livros têm tido um pouco por todo o mundo. A culpa, diz, poderá ser dos desenhos. E aqui confessa um fundo de egoísmo, por serem feitos apenas a pensar naquilo que mais gosta. "Acho que um bom livro para colorir deve conter uma pequena obra de arte em cada página. A variação no padrão, motivos e ilustrações panorâmicas mantém as coisas interessantes enquanto um nível de detalhe intrincado garante que o adulto que empunha o lápis ou a caneta está adequadamente desafiado."

"Quando algo nos dá prazer, são ativadas zonas de recompensa que envolvem circuitos cerebrais, áreas do cérebro específicas", explica Catarina Resende de Oliveira, professora catedrática da Universidade de Coimbra e coordenadora do Consórcio Centro de Neurociências e Biologia Celular & Instituto de Imagem Biomédica e Ciências da Vida. O que pode significar que estes livros "estimulam áreas que estão associadas à nossa sensação de prazer e que também são ativadas por outros estímulos". Aqui, entram em ação neurónios que segregam dopamina, substância química responsável por esta sensação de prazer. As zonas estimuladas pelo ato de pintar ou de observar o trabalho concluído são as mesmas que, de resto, acrescenta a especialista, estão relacionadas com a manutenção da espécie.

João Massano, neurologista do Hospital CUF Porto e professor do Departamento de Neurociências Clínicas e Saúde Mental da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, confirma que são vários "os circuitos neurais envolvidos no reforço comportamental e de recompensa, isto é, o mecanismo pelo qual alguém se sente encorajado a perpetuar ou repetir um determinado comportamento, porque este lhe traz uma sensação de prazer ou bem-estar, evitando os que provocam emoções negativas". E embora não existam estudos científicos que liguem estes mecanismos de recompensa à utilização dos livros de pintar para adultos, o especialista considera "natural que os mecanismos de recompensa cerebral sejam ativados, o que leva a que se tenha tendência a perpetuar a sua utilização". Ou seja, pintar.

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