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Como aprendi a desligar-me de objetos materiais e a viver com menos

“Fiquei chocada com a quantidade de coisas que tive de embalar, desmontar, vender ou deixar para trás.” A jornalista Rita Silva Avelar conta como se desfez da bagagem de uma vida a saltar de casa em casa.

Foto: IMDB / And Just Like That...
27 de maio de 2024 às 16:06 Rita Silva Avelar

Durante 10 anos vivi em apartamentos partilhados com outras pessoas, por alto conto mais de seis casas, e mais de 20 roommates. Aprendi a adaptar-me às rotinas dos outros, a encaixar horários e necessidades pessoais, a levar a minha vida inteira para dentro de quartos quase sempre minúsculos. A história de tantos jovens, hoje, em Portugal, mas com a diferença de um quarto custar €250 por mês na altura, para mais de o dobro, agora. Na cozinha, dois ou três utensílios, na casa de banho partilhada, o mínimo indispensável, na sala – quando existia, porque em dois ou três apartamentos estava ocupada a ser um quarto extra para encher mais os bolsos aos senhorios – apenas um livro, uma manta, umas plantas de tamanho médio e um ou outro poster. Quem partilha casa durante muitos anos fica abençoado com a capacidade de adaptação fácil e rápida, e fica-se para sempre com a qualidade mais difícil, creio, de manter, que é aprender a relativizar.

Tenho fotografias dos meus quartos, por mais diferentes que fossem – de Benfica à Ajuda - ao longo destes anos, com flores decorativas, um charriot, um sofá-cama minúsculo, uma mesa de cabeceira e uma sapateira feitas pelo meu pai, sempre os mesmos tapetes, um puff às flores que trazia da adolescência (penso agora onde estará…), uma mesinha com joias, espelhos e acessórios de cabelo, velas e sabonetes, além de uma estante com livros invariavelmente quase sempre junto à janela – quando existia (cheguei a alugar um quarto interior sem janela durante três meses). E ao longo dessas experiências de casa partilhada sempre me senti cheia de sorte, quanto mais reduzido ficava o meu espaço de estar, de existência pós-laboral e por vezes também ao fim de semana, mais me dedicava a ele, a torná-lo meu e especial, a repensar cada milímetro – quem me conhece sabe que estou sempre a mudar a posição das coisas, a limpar em profundidade os cantos mais inacessíveis, que tenho ataques de arrumação súbitos, fico horas a dobrar lingerie e a reposicionar t-shirts. Felizmente, os meus pais preservam o meu quarto e consegui sempre ir gerindo as minhas coisas entre cá e lá – livros, vestuário, roupas de cama e toalhas, e aquela infinidade de objetos aleatórios que carregamos. Foi por isso, talvez, que quando comprei a minha primeira casa a meias, me tornei mais consumista. O facto de passar a ter espaço para o que era meu, de poder ocupar e decorar e pensar na casa à minha maneira, fez-me ter coisas a mais. Na altura não me apercebi da dimensão do problema. Não me tornei acumuladora compulsiva, longe disso, mas percebi que não precisava de uma zona só de bar; nem de dez plantas pela casa; ou de postais pendurados e flores secas por todo o lado, dezenas de sabonetes, utensílios de cozinha, pratos e cerâmicas várias (contei, a certa altura, oito jarros decorativos), mas sobretudo – e esta parte devido à minha profissão – de várias dúzias de produtos de beleza, de vestuário e de sapatos.

Ao fim de um ano de uma experiência de vida conjunta que não correu bem, entreguei a casa. E o pesadelo começou aqui. Fiquei chocada com a quantidade de objetos que tive de embalar, desmontar, vender ou deixar para trás. Deprimia-me pensar nas minhas coisas todas embaladas e dentro de caixas. Levei as peças que tinha escolhido com tanto entusiasmo para uma garagem do outro lado do rio, onde ficariam durante quase um ano até me conseguir restabelecer numa nova casa, depois de ter vivido em três quartos distintos no espaço de oito meses, e algumas semanas em casas de amigas. Ao início, a situação partia-me o coração. O apego material era recente, real, custava-me imaginar aqueles pratos oferecidos por uma amiga por estrear; a mesa de jantar que o meu pai e o meu irmão fizeram para mim com tanto afinco, então embrulhada em celofane; o tabuleiro antiquíssimo que era da minha avó, que me tinha sido recentemente cedido pela minha mãe, e que acabou por ficar cheio de fuligem; os livros recém-comprados na feira do livro de Lisboa que teriam de esperar dois anos para ser lidos. Nesses meses infernais de mudança, vivi com o mínimo e indispensável – um tapete, uma toalha, um kit de cremes básico, dez mudas de roupa que ia alternando quando ia ao Alentejo, dois ou três livros à cabeceira. A vida posta em stand-by depois de muitos anos a fazer sacrifícios financeiros e psicológicos para ter casa própria.

Dá-se, nesses meses, uma catarse. Comecei aos poucos a abrir as caixas, a perceber que não me fizeram falta, a realocar coisas para outra casa a Sul que pude entretanto comprar. Dei uma infinidade de peças, vendi roupa na Vinted, passei a deixar presentes no trabalho, percebi que os livros ficam em nós e não nas estantes, doei os mais variados artefactos a instituições. Até convenci a minha mãe a dar o mesmo passo, começando por desfazer-se de quase todas as suas calças de ganga – que não eram poucas, mãe! Passei, pessoalmente, a pensar melhor antes de comprar qualquer coisa. Gasto dinheiro em restaurantes, em vinhos para beber logo, e em passeios pelo Sul. Ainda tenho uma panóplia de coisas em caixas, outras espalhadas por várias moradas, but who caresA vida são as experiências que vamos vivendo e guardando, são os desafios e as adaptações, e a tal elasticidade para aprendermos a viver de muitas maneiras com menos, de modo geral. Não sou cínica, e sei que ainda tenho demasiado para os deuses do minimalismo, que sou uma privilegiada, que nada me falta, e que posso, naturalmente, viver com muito menos. Mas o clique já se deu e não há volta atrás. 

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