
DISCURSO DIRETO
João Tordo
Escritor
O autor apresenta Biografia Involuntária dos Amantes (Alfaguara), o seu sétimo romance.
- Diz que este foi o livro que mais gostou de escrever. Porquê?
Porque é um romance muito pessoal no qual me confronto com temas que me inquietam e assustam. O tema do amor, do desencanto, da adolescência e da vida adulta – das dores (muito literais) do crescimento. E outros temas mais sinistros e assustadores que, por alguma razão ou outra, acabaram por fazer parte deste livro. Também porque, neste romance, ensaio coisas que nunca tinha feito. Uma parte do livro é escrita do ponto de vista de uma mulher, outras partes são cartas, poemas, telefonemas, e-mails, entrevistas. Sem nunca deixar de ser uma narrativa, engloba tudo isto. Foi um desafio altamente recompensador. Compreendi muitas coisas sobre mim ao escrever este livro e, nessa identificação, compreendi também melhor o outro. Este é um livro sobre o outro.
- Tem um certo hábito de reclusão, de ir para fora do país, sempre que mergulha num livro. É uma questão prática ou a fuga faz parte do processo criativo?
Faz parte de uma mudança de cenário que é fundamental para mim. Deixar a vida quotidiana, embarcar numa nova aventura (num novo livro), fazer as malas e deixar o passado onde ele deve ficar: no passado. É uma lição que estou a aprender devagar, mas que faz todo o sentido. Os romances permitem-me olhar para a minha vida e para o passado com uma distância emocionada que é fundamental para ter alguma lucidez. E, porque os meus livros dizem muito mais de mim e dos que “habitam” a minha existência do que qualquer outra coisa que possa fazer, eles também merecem esse respeito de serem escritos em momentos que lhes são dedicados. Acontece que esses momentos, muitas vezes, acontecem noutros lugares.
- O livro é sobre a possibilidade de recomeçar, por muito pesada que seja a carga do passado?
Tem a ver com isso. O passado é uma carga pesadíssima com a qual temos muita dificuldade em lidar. As personagens deste livro – sobretudo os “amantes”, Teresa e Saldaña Paris – passaram por coisas muito difíceis. Sobretudo a Teresa, que é o epicentro da história. A Teresa não tem recomeço possível porque está defunta à partida. Dos dois, pode salvar-se um, o Saldaña Paris. E essa salvação, ou esse recomeço, está nas mãos do narrador sem que ele o saiba. O livro é sobre o outro, ou sobre a atenção que temos de ter com o outro para que não deitemos tudo a perder. Quando dizemos que “não temos nada a ver” com a pessoa X ou Y, o que estamos a dizer é, no fundo, que não encontramos em nós o sentimento adequado para nos identificarmos com essa pessoa. Este livro é a procura por esse sentimento, o da identificação, que é fundamental.
- No livro ensaia-se uma biografia, com uma função redentora. É esse o papel maior da literatura? De que forma é que este romance inaugura, também para si, uma nova fase?
Não sei se a literatura tem um “papel”. Para mim, é certamente redentora e fundadora de uma série de desafios e confrontos. Se não me sinto confrontado, não tenho nada sobre o que escrever. Se me sinto confrontado – isto é, se a história que vou contar desperta alguma coisa latente em mim, um sentimento que eu ainda desconhecia –, então tenho sobre o que escrever. E é facílimo identificarmo-nos, pois não diferimos assim tanto uns dos outros. Este livro inaugura uma nova fase em que eu vou perdendo o medo de experimentar, de seguir outros caminhos, de aprender a aceitar a mudança. É importante esta aprendizagem.
