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Luísa Sobral: “Chamei ao disco Rosa porque a minha filha condicionou tudo neste trabalho”

Inspirado por Rosa, a filha nascida em junho deste ano, o novo disco de Luísa Sobral é delicado como um recém-nascido e suave como uma flor. Falámos com a cantora e compositora sobre esse grande amor chamado Rosa. E sobre as pequenas escolhas que lhe mudaram a vida.

20 de dezembro de 2018 às 07:00 Carolina Carvalho

"Esta noite, a minha filha dormiu a primeira noite inteira. Não quis que eu viesse com olheiras para a sessão fotográfica da Máxima!" Confissões de uma mãe para quem a manhã tinha começado bem cedo. Luísa Sobral já era mãe de José (nascido em Junho de 2016) e, no passado mês de junho, trouxe também ao mundo a pequena Rosa. O facto de este ser também o nome do novo trabalho da cantora e compositora, lançado sete anos depois do primeiro álbum (The Cherry on My Cake, de 2011), não é pura coincidência. É uma história que merece ser contada. Marcámos encontro com Luísa Sobral e sentamo-nos à conversa num recanto de um salão onde a sumptuosidade do espaço só deixou mais evidente a simplicidade desta mulher de 31 anos.

 

Qual o melhor presente que a vida lhe deu?

Os meus filhos, claro! E também o meu marido, senão não existiam os meus filhos. A minha família.

 

Acredita que é a vida que dá ou somos nós que procuramos esses presentes?

Eu acho que temos sempre algum papel na nossa vida para fazer com que as coisas aconteçam. Sempre procurei e acreditei na felicidade e isso já é um grande passo para ser feliz.

 

Este novo single, O Melhor Presente, tem uma história…

Durante a gravidez da minha filha eu nunca soube que ela seria uma rapariga. Nunca quis saber. E até escrevi a canção no masculino porque sempre achei que seria um rapaz. Eu sempre soube que queria dar um irmão ao meu filho porque, para mim, ter um irmão com quem partilhar a infância é, e foi, muito especial. Então quando soube que estava grávida escrevi esta canção porque, realmente, o melhor presente que podemos dar a um filho é um irmão, uma pessoa com quem partilhar tudo, uma ligação muito forte para a vida toda. Eu não falo muito da minha vida pessoal e não gosto de fazer isso nas minhas redes sociais. E também não gosto de expor a minha família. Quando escrevi a canção não queria comercializá-la. Ela iria ser só minha. Depois mostrei-a a algumas pessoas que gostaram muito e comecei a pensar… É verdade que as canções passam a ser das pessoas e deixam de ser nossas. É também um pouco essa a nossa função como compositores: dar essas histórias e canções de vida às pessoas. Pensei que há tanta gente que se pode identificar com isto… Porque é que estou sempre com medo de deixar as pessoas entrarem na minha vida pessoal? Tenho medo que as pessoas entrem demais e que depois não dê para fechar a porta. Para mim, existe a vida pessoal e [a vida] profissional e eu gosto que elas se mantenham separadas.

 

As redes sociais vieram incentivar essa partilha da vida pessoal?

Eu considero que é uma escolha. Se tenho menos pessoas a seguirem-me porque não partilho a minha vida pessoal? Talvez… Mas eu não quero ter pessoas a seguirem-me apenas para que possam ver fotografias dos meus filhos. Se as pessoas me querem seguir é porque querem conhecer e ouvir a minha música. E não quero expor os meus filhos sem que eles decidam se querem isso ou não. Prefiro não fazer isso aos meus filhos. Pronto!

 

Durante os últimos meses experienciou uma invasão muito grande da sua vida privada. Tirou alguma ilação dessa situação?

Sinceramente, na altura isso fez-me repudiar completamente as redes sociais e deixei de ir ao Facebook. Recebi mensagens muito cruéis. Mas depois aprendi a usar [as redes sociais] como ferramenta de trabalho. Percebi que, assim como as editoras têm de aprender a [sobre]viver neste momento em que se vendem menos discos, eu também tenho de o fazer. Agora tenho uma relação bastante pacífica com as redes sociais.

 

Como é que surgiu o resto do disco?

Foi muito interessante porque a gravidez da minha filha foi um bocado chata… Vomitei muito e fiquei quase sem voz. Estive sempre activa até ela nascer (no dia do parto tive de cancelar um concerto), mas estive sempre muito rouca. Escrevi canções que encaixassem naquela voz e também foi por isso que chamei ao disco Rosa porque a minha filha condicionou tudo no disco.

 

Quando percebeu que queria fazer da música a sua profissão?

Acho que nunca houve outra opção. Comecei a tocar guitarra aos 12 anos e disse que queria ser cantora. Mas nessa altura todas as meninas dizem que querem ser cantoras ou professoras. Assim que comecei a tocar guitarra, comecei a escrever as minhas coisas e foi muito natural. Fiz teatro e adorava. Também quis ser actriz e eram as duas opções que considerava.

 

O ambiente familiar e a educação que recebeu foram fundamentais?

Claro! O meu pai toca bateria e o meu irmão canta… Sempre cantámos muito em casa, fazíamos vozes e a minha mãe filmava. Como ela não canta muito bem, dávamos-lhe a câmara. Uma vez fomos a Israel e entrámos numa gruta que tinha uma acústica incrível e começámos a fazer vozes. No carro também fazíamos isso e na altura ninguém andava agarrado a tablets. Eu faço isso com o meu filho. Vou buscá-lo à escola e vamos sempre a cantar no carro porque para mim é uma memória de infância e uma das mesmo boas!

 

Sempre teve uma relação próxima com o seu irmão?

Dou-me bem com o meu irmão, agora, mas andávamos sempre à pancada. Somos muito diferentes! Temos a mesma paixão [pela Música] e isso pode ser confundido com parecenças, mas somos totalmente diferentes. Eu sou muito organizada, sei exactamente o que quero, tenho tudo organizado na minha cabeça e sempre fui assim. O meu irmão é exactamente o oposto e, durante muito tempo, tentei mudá-lo. Irritava-me aquela maneira de ser. Só começámos a darmo-nos bem quando eu aceitei que ele não tinha de ser igual a mim. A partir daí, há uns quatro anos, ficou tudo mais fácil.

 

Essa mudança coincidiu com a maternidade?

Sim. E deveu-se ao facto de estar mais em contacto com as minhas emoções. Emociono-me mais facilmente e não me importo com isso.

 

Aos 16 anos foi estudar para os Estados Unidos, onde ficou até aos 23. A que se deveu o regresso a Portugal?

Recebi uma proposta da Universal para gravar o meu disco. Foi uma decisão difícil porque eu tinha mesmo o objetivo que acontecesse alguma coisa lá. Mas comecei a pensar… "Estou o dia todo a trabalhar num café e à noite vou cantar para restaurantes onde ninguém sequer ouve o que eu estou a fazer." A perspectiva de crescimento era quase nenhuma ou muito lenta porque para cantar em bares onde as pessoas ouvem a música eu tinha de investir e não tinha dinheiro suficiente para isso. Às vezes, na vida, uma pessoa chega a sítios por caminhos diferentes daquele que crê que é o caminho certo. Então decidi vir para Portugal e fazer a minha música que era o que eu queria fazer.

 

Conseguiu sempre ser fiel a si própria ao longo da sua carreira?

A única coisa que eu acho que fiz muito fora do que costumo fazer foi um dueto com o Alejandro Sainz. Mas foi uma experiência e é óptimo poder dizer que, em sete anos, houve uma única coisa assim.

 

Em que é que o Festival da Canção mudou a sua carreira?

Algumas pessoas validaram-me mais depois disso. Havia muitas pessoas que pensavam que eu só escrevia em Inglês e o facto de escrever em Português uma canção que acabou por se tornar marcante fez com que as pessoas começassem a ver-me de outra forma. E eu não falo só do público em geral, mas também dos músicos. Foi óptimo. Fez com que as pessoas tivessem mais acesso ao meu trabalho, me pedissem mais para escrever e adoro escrever para outras pessoas. Trouxe-me mesmo muitas coisas boas.

 

Para quem é que tem escrito?

Ontem enviei uma canção à Ana Moura, o [António] Zambujo vai lançar um disco e tem uma canção minha nele, escrevi uma canção para o Darko (o que é um bocado insólito!) que também vai lançar um disco. A Fábia Rebordão também vai lançar uma canção minha e escrevi para a Cláudia Pascoal. E há ainda a Mayra Andrade! Fiquei tão feliz por ela me ter pedido uma canção. Sou super fã da Mayra!

 

Gosta mais de compor ou de interpretar?

Não sei… Gosto muito das duas. Gosto de compor e de interpretar as minhas canções, mas adoro ouvir outras pessoas cantarem-nas.

 

Sente-se, portanto, realizada.

E isso é um bocado assustador. Às vezes penso que estar realizada aos 30 anos é assustador. O que eu gostava era de continuar a fazer o que faço, conhecer outros países, tocar um bocadinho mais. Em dezembro vamos ao Uruguai e estou entusiasmada. Gostava de ir a países que ainda não visitei, mas também não quero loucuras de tournées lá fora… Eu quero estar com a minha família.

 

Em que sítios esteve que tenham sido realmente especiais?

Fizemos aquela que eu acho que foi a tournée da minha vida no continente africano. Estivemos no Botswana, no Zimbabué, na Namíbia e na África do Sul e não sei se voltarei alguma vez a fazer uma tournée tão incrível como essa. Sou fascinada pelo continente africano! No Botswana, tinha um contrabaixo que foi restaurado pelo meu contrabaixista no momento, não podia chegar muito perto do microfone porque ele me dava choques na boca e quem abriu o concerto foram umas miúdas com uns acessórios de tornozelo com uns sininhos a fazerem danças tribais. A Namíbia foi um dos países mais espectaculares que já vi na vida e onde eu gostava de viver, um dia, nem que fosse por um ano… Tem uma mistura perfeita de tudo, respeitam os animais, as pessoas e o ambiente onde vivem. Também foi muito bom tocar em Israel… Fomos ao Brasil… Adorei ir à Córsega e fizemos um concerto em Marrocos que foi um dos mais giros.

 

Muito multicultural!

O meu sonho é ir tocar ao Japão. Tenho um fascínio pelo Japão e até fui aprender Japonês. Assinei com uma editora inglesa para lançar o disco em alguns países fora da Península Ibérica e eles vão lançá-lo na Alemanha, na Inglaterra, em França e na Itália e pedi para também o lançarem no Japão. Os japoneses adoram músicas do mundo e em outras línguas e por isso eu acho que até pode funcionar bastante bem.

 

Há alguma mensagem memorável que tenha ficado na sequência do Festival da Canção?

Foi tão assoberbador que nem sei bem! A coisa que me ficou mais na memória foi a reacção dos meus pais. De repente estava a ser a loucura total, com muita gente no aeroporto à nossa espera, e a minha mãe perguntou-me: "Tens sopa em casa?!" Foi como voltar para o mundo normal e foi a melhor coisa. Recebi imensas mensagens de colegas meus, músicos, e isso é o que me deixa mais feliz, essa união que há entre nós. Eu acho que há uma ligação muito grande, pelo menos nos músicos da minha geração, e essas mensagens são sempre as mais especiais.

 

Considera que está a emergir uma nova geração de músicos com uma nova abordagem, em Portugal?

Sim, definitivamente! A geração anterior fazia projectos em conjunto, como os Cabeça no Ar ou os Rio Grande, mas eu sinto que não havia tanta partilha como há hoje. A verdade é que também há menos dinheiro e isso faz com que as coisas sejam mais sinceras. Pertencemos a uma geração que já não é a das "vacas gordas" e isso ajuda a que sejamos todos mais simples.

Fotografia de Gonçalo F. Santos. Styling de Maria A. Ruiva

Créditos: Vestido em seda Chloé, na Stivali. Maquilhagem de Miguel Stapleton. Cabelos por Éric Ribeiro para Griffe Hairstyle. Agradecemos a colaboração do Ritz Four Seasons Hotel, de Lisboa.

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