Histórias da mais famosa discoteca do mundo
Que celebridades entravam ou saíam, furtivamente, pela porta das traseiras, quem tinha a maior entourage, quais dos grandes entre os grandes davam as piores gorjetas? Depois de estrear o documentário Studio 54, ouvimos a história verdadeira da boca de alguns colaboradores que assistiram a tudo isso.

Barmen em topless, Bianca Jagger a cavalgar um cavalo branco e toda a gente, desde o rei de Espanha à rapaziada de Queens, na pista de dança – são muitas as razões pelas quais o Studio 54 é visto como a mais escandalosa e hedonista discoteca da História. Steve Rubell [Brooklyn, 1943 - Nova Iorque, 1989] e Ian Schrager [Brooklyn, 1946] abriram o refúgio das celebridades de Nova Iorque em 1977 e fecharam-no, três anos depois, por terem sido presos por evasão fiscal. O Studio 54 ficaria sob a gerência de outros até 1988. Contudo, o legado de Rubell e de Schrager permanece, aparecendo agora sob a forma de um documentário. Mas como era, realmente, trabalhar no Studio 54? Falámos acerca dos vícios privados das estrelas com os que lá trabalharam, dos porteiros aos barmen.
Myra Scheer, de 67 anos, assistente pessoal de Schrager e de Rubell entre 1979 e 1980

"Eu chegava às dez da manhã e ia para o escritório do Ian e do Steve. O Paul Simon estava lá muitas vezes sem fazer nada. Andava apenas por ali. Dávamos uma vista de olhos aos jornais, víamos que espetáculo estreava na Broadway nessa noite e decidíamos que tipo de festa dar. Lia as notas que o Steve deixara na noite anterior – pôr esta pessoa na lista de convidados, telefonar a uma outra –, o que se escrevia nos cartões de consumo. Depois, pegava na lista de contactos: oito páginas com o nome das pessoas que o Steve queria que eu convidasse, como o Mick Jagger e o Richard Gere. A quem quer que atendesse o telefone na redação da revista Interview, eu dizia: ‘Olá, sou a Myra e estou a contactar da parte do Steve Rubell e gostaria de falar com o Andy [Warhol].’ ‘Aguarde um momento!’ E passavam-me o Andy, imediatamente. Ele dizia: ‘Fantástico, diga ao Steve que lá estarei.’ Era assim que as coisas se passavam. Alguns meses depois comecei a trabalhar à noite, à porta. Quem constasse da lista de convidados ou fosse seu acompanhante ia falar comigo. Se era uma pessoa que tivesse de pagar a entrada, tinha de se dirigir a outra funcionária. A entrada custava 12 a 15 dólares, mas nas noites de grande movimento, como a véspera do Ano Novo, o valor subia para 50 dólares. Por vezes, eu conduzia as celebridades até ao lugar onde se encontrava o Steve. Ficou tão entusiasmado quando o Neil Young apareceu que me pediu que lhe fizesse uma visita guiada pela discoteca. Quando o Billy Carter, o irmão do Presidente Jimmy Carter, foi ao clube, ele ficou aterrorizado, os seus olhos pareciam os de um veado encandeado com a luz dos faróis de um carro. O Steve disse-me: ‘Myra, vai dançar com ele!’ E eu fui."
Marc Benecke, de 60 anos, porteiro de 1977 a 1980
"Eu ficava à entrada com o Steve e selecionávamos as pessoas que podiam entrar. Diziam que ele me escolhera porque eu era o mais bem-parecido, mas penso que foi por ser o mais alto. Tornei-me semifamoso por olhar fixamente para os sapatos das pessoas. Obcecavam-me. Um bom par de sapatos garantiria a entrada. Não precisavam de ser de marca, embora isso ajudasse, mas eu escolhia os de plataforma, brilhantes e fabulosos. Tinham de se destacar. Eu não percebia muito de moda quando comecei a trabalhar na discoteca – estudara Ciências Políticas –, mas ao fim de algum tempo, só pelo olhar, conseguia saber se os sapatos eram de Versace, de Givenchy, de Halston ou de Norma Kamali. Todos esses designers iam também à discoteca. O Karl Lagerfeld e o Armani seguiam diretamente do aeroporto sempre que iam à cidade [de Nova Iorque]. O Calvin Klein aparecia quase todas as noites. Usava sempre uma camisa de algodão e calças de ganga. Na altura, as pessoas vestiam-se melhor e com mais elegância. Se uma celebridade aparecia, entrava sempre pela porta da frente para que lhe tirassem fotografias e os seguranças tinham de abrir caminho entre a multidão para que pudesse entrar. A única celebridade que não entrava pela frente era o Michael Jackson. A limusina dele dirigia-se para a porta das traseiras e ele entrava pelos bastidores. Era acompanhado apenas por duas pessoas. Dificilmente alguém [famoso] tinha uma grande entourage naquele tempo e dançava toda a noite com pessoas comuns. Ele adorava fazê-lo."

Gerard Renny, de 59 anos, porteiro dos VIP entre 1977 e 1979
"Nos primeiros seis meses depois de abrir, em 1977, o Studio 54 não tinha licença para vender bebidas alcoólicas, de modo que, por isso, foi fechado temporariamente. O meu tio foi o político da Câmara de Nova Iorque que puxou os cordelinhos para que obtivessem a licença e pudessem reabrir. Como forma de reconhecimento, o Steve e o Ian deram-nos, a mim e ao meu irmão Joseph, trabalho como host dos VIP (ao Joseph) e porteiro (a mim). Eu tinha 18 anos e o Joseph 28. O meu trabalho era no interior da discoteca a controlar a entrada dos VIP e a afastar as multidões de pessoas famosas, como a Diana Ross e o John Travolta. Uma vez, organizámos uma festa de aniversário para a Liz Taylor e oferecemos-lhe um bolo com a fotografia dela. Pegou na faca e, enquanto as pessoas que estavam no clube lhe cantavam o ‘Parabéns a Você’, ela esquartejou a garganta da sua própria imagem. Normalmente, nós estávamos abertos até às cinco e meia da manhã, às sextas e sábados, mas deixávamos de servir álcool às quatro horas e o bar disponibilizava água, servida nos grandes recipientes de ponche, e copos de plástico para que todos se servissem. Numa noite de grande movimento, o clube recebia quatro ou cinco mil pessoas. Todas as manhãs, depois de fecharmos, fazíamos uma ronda porque era comum haver pessoas inconscientes na área dos VIP. Encontrávamos sempre gente escondida nas casas de banho, na cave, em qualquer sítio, na verdade, com receio de não conseguirem entrar na noite seguinte. Um dia, houve alguém que levou uma chita. Estava instalada num dos sofás corridos encostados à parede e eu fiquei junto a ela para me assegurar de que ninguém se aproximava ou a importunava. Porque se lembraria alguém de tal coisa? Muito se fazia no Studio 54 apenas para chocar."
Scott Taylor, de 62 anos, barman de 1977 a 1979

"Eu fui o instigador do topless dos barmen. Uma noite, tirei a T-shirt porque estava cheio de calor e enfiei-a no bolso de trás das calças. O Steve foi ter comigo e disse: ‘Isso é genial! Tirem todos a T-shirt. Scott, veste-te!’, ordenou porque eu era um heterossexual magrinho e ele só queria adónis gays atrás do balcão. Mas, de qualquer modo, mantive-me despido. Trabalhar no bar era fácil. Não se faziam cocktails complicados e as pessoas pediam rum com Coca-Cola ou gin tónico. Mas éramos apenas cinco a servir duas mil pessoas e, portanto, tínhamos de ‘dar o litro’. Trabalhava cinco a seis noites por semana. Com as gorjetas, cada um de nós ganhava 900 dólares por semana. Para contextualizar, eu pagava 350 dólares de renda por mês. Começávamos sempre o turno com um barbitúrico e uma linha de cocaína. Fumar erva era a única coisa de que o Steve não gostava – detestava o cheiro. O momento mais perturbador aconteceu quando um grupo de 24 tipos vestidos com o uniforme da polícia entrou e toda a gente aplaudiu, por achar que era uma indumentária cool. Infelizmente, eram mesmo polícias e iam fazer uma rusga. Foi quando fecharam a discoteca por não ter licença de venda de bebidas alcoólicas [reabriria mais tarde]. O Tom Jones e a sua entourage apareceram todas as noites durante uma semana e o Steve repetia-nos: ‘Tomem conta dele. O Tom bebe o que quiser.’ Mas ao longo dessa semana, o Tom nunca nos deu uma gorjeta. O Steve estava furioso porque se importava com os seus empregados e foi falar com a entourage do Tom. Um deles foi ter connosco e pôs 300 dólares em cima do balcão. O Tom olhou para nós e ergueu os polegares como quem pergunta: ‘Está bem assim?’ E nós respondemos ‘Sim, está bem assim’, obviamente…"
Chuck Garelick, de 60 anos, chefe dos seguranças de 1977 a 1982
"A discoteca não precisava de muita segurança no interior. Apenas dois homens junto às portas das traseiras para acompanhar os rapazes que limpavam as mesas e o pessoal da manutenção, quando eles punham o lixo na rua, porque havia gente que esperava ali que a porta se abrisse para se introduzir no clube. As pessoas choravam, davam pontapés e gritavam se não conseguissem entrar. Chegavam a trepar pelas escadas de incêndio. Houve um que caiu do quarto andar e partiu 16 ossos. Aconteceu, algumas vezes, um carro entrar na nossa ruela e nós vermos o cano de uma espingarda a sair de uma das janelas, pelo que nos mandávamos para o chão. Imaginávamos que se tratava de pessoas que estavam chateadas porque não as tínhamos deixado entrar. Um grupo enorme de homens ficou muito zangado por não ter conseguido entrar e, no fim da noite, quando saímos pela porta das traseiras, eles estavam à nossa espera e dispararam contra nós. Deitámo-nos no chão e rastejámos para debaixo de um carro. Ninguém ficou ferido. Os polícias de um carro-patrulha viram o sucedido e perseguiram-nos, mas não conseguiram apanhá-los. Foi nessa altura que o Steve contratou segurança pessoal."

Ascensão e queda de uma discoteca
Trinta e nove anos depois da maior discoteca de todos os tempos ter aberto as suas portas pela primeira vez, chega o filme que conta a história dos dois amigos de Brooklyn que fundaram aquele que viria a ser um espaço icónico não só das noites como da própria cultura e lifestyle nova-iorquinos. Realizado por Matt Tyrnauer (escritor, produtor e realizador, que também assina Valentino: The Last Emperor, um documentário de 2008 dedicado ao criador de moda italiano), o documentário Studio 54 (1h 38m) teve estreia europeia neste verão e conta com depoimentos de várias figuras que frequentavam o espaço noturno. Entre elas está, naturalmente, Ian Schrager, um dos fundadores.
Exclusivo The Times Magazine/Atlântico Press
