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A vitória de Trump desperta o interesse pelo 4B, um movimento sul-coreano que pretende rejeitar os homens

Nos Estados Unidos da América, o ressurgimento de questões sobre os direitos reprodutivos sob a nova liderança republicana tem levado muitas mulheres a questionar os papéis tradicionais de género e a explorar formas de protesto mais radicais.

Foto: Getty Images
12 de novembro de 2024 às 12:43 Safiya Ayoob

Nos últimos dias, muitas mulheres norte-americanas depararam-se com uma realidade inquietante: com o novo governo republicano, que em breve controlará a presidência, o Senado e o Congresso, teme-se uma possível regressão em vários dos direitos pelas quais lutaram arduamente. Esta ameaça paira como uma sombra sobre os Estados Unidos, especialmente após a divulgação de que a maior parte dos eleitores de Donald Trump foram homens — brancos, latinos e negros, muitos entre os 18 e os 44 anos — conforme relata a Associated Press.

Com esta revelação, muitas mulheres afirmam que, embora desgostosas, já não estão surpreendidas. A situação agravou-se ainda mais com o regresso de comentários como "o teu corpo, a minha escolha" em publicações online, um uso irónico e desconcertante do slogan feminista "o meu corpo, a minha escolha", criado nos anos 60 para defender o direito feminino a tomar decisões sobre o seu corpo e respetivas escolhas reprodutivas. Esta apropriação por parte de alguns homens transformou o lema num símbolo contrário ao seu propósito original, o que alimentou ainda mais a revolta feminina.

Face a este clima de tensão, têm surgido vídeos de mulheres que manifestam o interesse em aderir ao movimento sul-coreano "4B", um movimento ideológico e de estilo de vida que simboliza um afastamento das relações com homens como forma de protesto. O nome "4B" é uma abreviação de quatro palavras coreanas, todas com uma conotação de recusa, começando com "B": bihon (recusa do casamento heterossexual), bichulsan (recusa do parto), biyeonae (recusa do namoro) e bisekseu (recusa das relações sexuais heterossexuais). Esta forma de protesto emergiu nas redes sociais da Coreia do Sul em 2016, numa altura em que o país estava a reavaliar o papel da violência de género e as questões de igualdade.

Inspiradas por esta resistência, várias mulheres norte-americanas consideram agora o celibato como uma forma de protesto e autodeterminação. Este conceito de "greve sexual" não é novo; remonta à peça grega Lysistrata, em que as mulheres se recusam a ter relações sexuais como forma de protestar contra a Guerra do Peloponeso. Nos Estados Unidos, exemplos recentes incluem a cantora Janelle Monáe, que propôs uma greve em 2017, e a atriz Julia Fox, que revelou estar celibatária há mais de dois anos, em resposta à revogação da lei Roe v. Wade. Este movimento mais recente, denominado por algumas como boy sober, reflete um descontentamento profundo, com mulheres a declarar nas redes sociais que não pretendem gastar as suas energias em relações românticas enquanto os seus direitos fundamentais estão em risco.

A crescente adesão ao movimento "4B" e a ideia das "greves sexuais" refletem uma mudança mais profunda no modo como muitas mulheres norte-americanas encaram o papel dos relacionamentos e das expectativas sociais sobre elas. Numa sociedade onde os direitos conquistados parecem novamente ameaçados, o afastamento voluntário das relações amorosas e sexuais torna-se não só um ato de protesto, mas também uma forma de reavaliação pessoal e coletiva. Este movimento destaca a insatisfação generalizada com as normas tradicionais e representa uma tentativa de empoderamento através do distanciamento, na qual muitas mulheres estão a reconsiderar os sacrifícios e os riscos emocionais e físicos frequentemente envolvidos nas relações. Para muitas, esta escolha radical simboliza uma nova forma de controlo sobre a própria vida e os próprios corpos, sublinhando uma recusa em submeter-se a estruturas sociais que não garantem o respeito e a igualdade.

Esta postura de resistência é também uma resposta à cultura de contínua prevalência de atitudes patriarcais. Nas redes sociais, as mulheres estão a criar um espaço de solidariedade, partilhando experiências, fortalecendo-se mutuamente e promovendo debates sobre questões antes relegadas ao silêncio, como o impacto das relações tóxicas, a sobrecarga emocional e a segurança pessoal. Nesse contexto, o "4B" é mais do que um movimento; é um símbolo de uma nova etapa na luta por autonomia e dignidade, um desafio aberto a uma sociedade que, para muitas, continua a falhar em assegurar a igualdade plena.

 

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