Natal, a quadra mais feliz do ano?
Natal rima com festa, presentes, cânticos, paz e alegria. Ou talvez não. Entre compras, almoços e jantares com amigos e colegas, eventos, doces excessivos regados a álcool e odisseias familiares, são vários os estudos que confirmam o desgaste que o mês de dezembro pode causar na vida das pessoas. Felizmente há truques para contornar este cenário que para muitos pode ser arrasante. Vamos descobri-los.

Estávamos nos finais do mês de outubro e a temperatura acusava tudo, menos as que seriam características do Outono. Numa fila para a caixa de um supermercado vislumbravam-se pessoas em T-shirt. Outras em calções. Havia ainda um outro género, também conhecido por turistas, em chinelos. Numa prateleira colada à caixa registadora, entre pequenos eletrodomésticos, pastilhas elásticas e detergentes em promoção, encontravam-se miniaturas de pais natais de chocolate. Estávamos em Outubro, o tempo estava invulgarmente quente e já se vendiam pais natais de chocolate… Reviro os olhos. Era o "efeito natalício" a dar de si.
O Natal é uma daquelas épocas que ou se ama ou se abomina. Geralmente ama-se até uma certa idade e passa a odiar-se a partir de outra. Mais adulta, mais consciente, mais sem tempo e muito menos paciência para o lufa-lufa que a época representa. Aqueles que vibram para sempre com o período de Natal têm os seus motivos. "É aquela altura do ano em que as pessoas se reúnem numa fase deste mundo em que não se tem disponibilidade para nada e para ninguém", justifica-me uma amiga do clube pró-Natal. "Mais do que receber, eu adoro dar presentes! Pensar em cada pessoa, individualmente, e oferecer o presente perfeito, o mais certo… Isso enche-me de felicidade", esclarece-me outra. Eu penso: "Mas então porque não dar esses presentes num dia normal?" Fiquei-me pelo pensamento porque a minha amiga iria ter argumentos de sobra contra mim: "Oh, porque o Natal não ‘é quando um homem quiser’*!", diria. E não é. Felizmente ou não, o Natal é quando o Natal quiser. E contra isso não há nada a fazer. Se não o pudermos vencer, juntemo-nos a ele. Tarefa que nem sempre se avizinha fácil.

De acordo com a Stress Management Society (stress.org.uk), uma em cada 20 pessoas considera o Natal mais stressante do que um roubo e mais de metade dos britânicos tomam uma bebida alcoólica antes do almoço de Natal para conseguir lidar com o stress. E quando falamos em stress não nos referimos apenas às questões emocionais. "A nossa resposta ao stress pode ser desencadeada não apenas pelos típicos catalisadores deste estado, como estar-se sob pressão, atrasado ou perturbado com alguma coisa", diz Stephanie Moore, nutricionista clínica e psicoterapeuta, ao The Telegraph: "Passar-se dias (senão o mês inteiro) a ter-se uma alimentação pouco saudável e a beber-se demais ? o que, na maioria das vezes, resulta em quadros de obstipação ? irá definitivamente causar stress", acrescenta. A nutricionista Mariana Abecasis confirma: "Ao consumirmos açúcar em excesso e com regularidade, o organismo produz constantemente insulina, uma hormona cuja função consiste em ‘armazenar’ no nosso corpo o excesso de açúcar em circulação sob a forma de gordura. Daí o consumo de açúcar estar associado ao aumento de peso e à obesidade, mas também a outros sintomas como a fadiga e a sonolência após as refeições, e as tais alterações de humor."
Mas há mais motivos que fazem desesperar tantas pessoas ao longo do "interminável" mês de dezembro: é vê-las, com ar esbaforido, a correr pelos centros comerciais carregadas com sacos de "coisas"; é ouvir os cartões a passar nas máquinas, enquanto o saldo dos mesmos vai emagrecendo a olhos vistos (na verdade, é a única coisa que emagrece neste último mês do ano). "Para algumas pessoas este é um período stressante ou porque são [pessoas] solitárias, ou porque se trata de uma altura financeiramente onerosa, ou porque passar um tempo com parentes não é uma experiência propriamente fácil", elucidou Emma Seppälä, psicóloga e diretora de Ciências do Centro de Educação e Pesquisa sobre Compaixão e Altruísmo de Stanford, à CNBC. Um estudo intitulado Merry Christmas Coronary e Happy New Year Heart Attack (conselhos do Heart Institute da Universidade de Otava para as pessoas manterem o coração saudável durante a quadra natalícia) conclui que esta é uma das épocas do ano mais propícias a gerar ataques cardíacos pelos motivos apontados e mais alguns. Em Espanha, por exemplo, o consumo de cocaína aumenta 30 por cento neste mês, sobretudo nos dias 25 e 26, e na noite de 31 de dezembro para 1 de Janeiro, elevando exponencialmente o risco de enfarte cardíaco. Postas as coisas nesta perspetiva, a "mais feliz quadra do ano" não se aparenta assim tão maravilhosa. O melhor é aplicar alguns truques e relativizar. Vai ver que não custa.
Antecipar é uma boa estratégia

As despesas surgem de todos os lados. Há presentes que "têm" de ser comprados para a família nuclear e para a mais próxima, para os amigos, para os colegas, para o "amigo secreto", para a professora do filho, para os vizinhos, para a empregada doméstica e para a porteira. Para não falar nos sucessivos almoços e jantares de Natal dos vários grupos de amigos em que o verbo gastar é a palavra de ordem.
Maria João Siqueira, de 55 anos, faz parte do grupo a quem o Natal não faz mossa e, muito menos, é motivo de desespero. Explica-me os seus truques: "Mais importante que tudo é não deixar nada para a última hora. Quando isso acontece está-se a comprar com pressa. O mais provável é gastar-se mais dinheiro e, na maioria das vezes, acaba-se por se comprar algo que nem sequer será algo que outra pessoa irá adorar. Eu chego a comprar presentes com um ano de antecedência. Aproveito tudo o que são feiras e mercados que têm sempre coisas giras e originais e, muitas vezes, até mais baratas do que as lojas comuns. Eu costumo também tirar proveito das épocas de saldos para comprar aqueles presentes universais de que toda a gente gosta, como sejam as velas de boas lojas de decoração, por exemplo. Também rumo a um outlet, onde é fácil encontrar presentes de qualidade e a bons preços." E continua: "Há dias, eu comprei um excelente queijo da Serra que estava com uma boa promoção. Cheguei a casa e congelei-o. Só o irei tirar [do congelador] para o almoço de Natal." Confessa que no seu núcleo familiar cada vez menos o ato de presentear se torna relevante: "Eu atribuo mais importância ao lado espiritual da festa. Ao encontro com a família. As minhas filhas, que são crescidas, nem recebem presentes de Natal. O que eu faço é esperar que os saldos cheguem, em Janeiro, e dou-lhes dinheiro para irem às compras."
A família e as "famílias-de-pacote"

Há sempre aquele tio muito querido que bebe demasiado nesses dias festivos, tornando-se francamente maçador. Mas esse fator pode ser levado com uma certa ligeireza: diz-se-lhe sempre que sim, dá-se meia volta e regressa-se à mesa dos doces para afogar as "mágoas" ? as dele e as nossas. Mas a situação pode ser bem mais pesada, nomeadamente em famílias conflituosas. E mesmo não sendo conflituosas, todas as famílias têm o seu "calcanhar de Aquiles". A psicóloga Paula Trigo da Roza explica: "Há uma idealização do Natal que deixa muita gente deprimida: observar grandes famílias em torno de lindas mesas postas, com bonitas decorações como pano de fundo. É importante que se perceba que nem tudo o que parece é. Com as redes sociais, este tipo de cenários intensifica-se. No entanto, a verdade é que nem tudo o que sai cá para fora corresponde à realidade do que se passa nos núcleos familiares." E acrescenta: "Quando somos adultos podemos e devemos decidir se queremos ou não passar esse dia em família. Se não nos damos bem com a mesma, nós não nos devemos obrigar a comparecer apenas porque é Natal. Na idade adulta, a família deve ser aquela que escolhemos para nós e não a que nos é imposta. A família de sangue não tem de ser familiar, mas deverá antes ser composta por aqueles que nos apoiam que são amigos e não um peso." Mais complexo se torna o caso quando se trata de uma família dita contemporânea em que o núcleo familiar se constitui pela equação "os meus, os teus e os nossos". Ou seja, casais que já foram casados e que já têm filhos de outros casamentos.
Mariana Sabido, de 36 anos, tem uma filha fruto do primeiro casamento e, atualmente, é casada com Guilherme que, por sua vez, já conta cinco filhos também do primeiro casamento. Esclarece-me que a organização é a palavra-chave: "Ficou definido, desde o início, que todos os anos o programa seria igual. O almoço é sempre com um progenitor e o jantar com o outro. Para as crianças é o melhor e evita o stress que antecipa estes dias. Já sabemos todos com o que contar."
Festas e mais festas

Entre encontros de cariz social obrigatórios, almoços de família e de amigos, é fácil levar a agenda natalícia ao limite máximo. "Se sente que precisa de descansar, simplesmente recuse alguns convites e dê prioridade aos encontros que a deixam feliz e bem-disposta! Se for para acrescentar mais stress ao que já tem, simplesmente não vá. Aprenda a dizer "Não" e aplique essa regra a tudo na sua vida", recomenda Paula Trigo da Roza. Esta psicóloga sugere que se organize um jantar pré-Natal, antes dos dias 24 e 25, com amigos ou com familiares para não se concentrar tudo naquelas datas. Propõe que se divida o espírito natalício ao longo do ano: "Transforme-se o Natal numa coisa contínua. Ou seja, não se deve esperar por aquelas datas para se reunir com quem mais gosta. Prolongue o espírito natalício pelo resto do ano!"
"Comes e bebes" (como se não houvesse amanhã)
Se o excesso de comida e de bebida se cingisse aos dias 24 e 25, o cenário não seria tão devastador. O problema é que, como referido antes, os pequenos-almoços (ao que se chegou!), os lanches, os jantares e os brunches de Natal rebentam logo no dia 1 de dezembro para só terminarem um mês depois, após a passagem de ano. A nutricionista Mariana Abecasis aconselha: "Antes de mais, esquive-se de festejar o Natal durante todo o mês de dezembro!" Não sendo possível (ver ponto anterior), Mariana Abecasis faz algumas sugestões: "Evite ter a mesa posta ao longo de vários dias. Além do que comemos a mais nas refeições principais, vamos passar a semana inteira a passar pela mesa e a petiscar os frutos secos, os chocolates, as filhoses e as rabanadas que lá ficaram… Procure ter a regra de comer apenas nos dias de festa e nada de ‘sobras’ nos dias seguintes." E clarifica: "Do ponto de vista de erros alimentares, o problema não reside no bacalhau, no peru ou no polvo que são pratos típicos do Natal português, mas na adulteração dos mesmos que de simples passam a ser gratinados ou com natas. Siga a tradição e opte pelos pratos típicos e nada mais. Para a sobremesa tenha sempre fruta fresca na mesa e dê preferência aos doces típicos, como arroz-doce, leite-creme, farófias e aletria que são mais pobres em gordura e em açúcares." A nutricionista termina com uma sugestão valiosa: "Não caia no erro do ‘Perdido por cem, perdido por mil’. Não é preciso abdicar da tradição, nem passar o Natal a contar calorias… Porém, bom senso e moderação são fundamentais."

Combater a solidão
É a maior causa de depressão na quadra natalícia, de acordo com a psicóloga Paula Trigo da Roza. Mais uma vez é evocada a tal idealização do Natal em família (para a qual a publicidade, sobretudo de supermercados, muito contribui com famílias completas e felizes em redor de mesas ricamente recheadas) e, consequentemente, a sensação de solidão. Porque não se tem família ou porque, simplesmente, não se tem laços com a mesma. A psicóloga volta a sugerir: "Junte-se a ações sociais e comunitárias! Não só vai criar um sentimento de pertença a um grupo maior, como vai poder ter a sensação de ajudar o próximo, provocando uma forte sensação de alegria e de realização pessoal."
*Alusão feita ao poema Natal é quando um homem quiser, de José Carlos Ary dos Santos
