A história por detrás de ‘A Rapariga de Istambul’
Entrevistámos Nicole Dweck, autora do romance que fala sobre a Lisboa do século XVI e a liga à cidade que nunca dorme, Nova Iorque.

A Rapariga de Istambul (no original The debt of Tamar) é um romance histórico que se passa no ano de 1544 e que nos transporta para uma época acima de tudo comercial, cultural e apaixonante. Desafiámos a autora do livro, Nicole Dweck, a responder a cinco perguntas sobre o romance.
O que a inspirou a escrever este livro?

Isso é uma grande questão. Eu suponho que, como judia no Médio Oriente com ascendência espanhola, sempre me surpreendeu que poucas pessoas soubessem a história rica dos judeus que vivem no Médio Oriente, expulsos da Península Ibérica entre os séculos XV e XVI. Vivemos num mundo tão fraturado, onde os grupos sociais e religiosos são frequentemente colocados frente a frente, onde muçulmanos e judeus são levados a acreditar que são inimigos antigos, o que não pode estar mais longe da verdade. Eu quis contar uma história que sublinhasse a paz e a boa vontade que existiu entre judeus e muçulmanos por séculos. Como uma romântica incurável, entendi que a forma mais acessível de contar esta história seria através de uma história de amor duradoura, de mistério e, claro, um pouco de aventura!
Como foi pesquisar sobre a Lisboa do século XVI?
Apesar de existirem documentos históricos, relatos escritos, mapas, livros, até paisagens pintadas de cidades, uma das minhas fontes de pesquisa preferidas para entender a vida deste período de tempo em Lisboa foi um pequeno livro com expressões e frases portuguesas antigas do início do período moderno. Quando comecei a imaginar como seria a vida em Lisboa há mais de quatrocentos anos, foi verdadeiramente enriquecedor e informativo para mim ter noção das palavras, expressões e piadas que as pessoas mantinham nas conversas, durante aquela época. A pesquisa de temas como a horticultura foi realmente importante, já que a maioria das plantas e dos vegetais que hoje temos como garantidos simplesmente não existiam na altura em Lisboa. O tomate é um exemplo perfeito. No século XVI, o tomate era um alimento raro e exótico importado do Mundo Novo, apenas ao alcance dos mais ricos. Para o comum dos mortais, era o símbolo do privilégio e da riqueza, como um carro desportivo e caro hoje o é, estacionado na garagem de um vizinho, por exemplo. São estes detalhes que fazem a diferença na pesquisa histórica e na escrita.
O que é que Lisboa e Nova Iorque têm em comum?
O que inspirou o perfil da protagonista, Dona Antónia?
A personagem Dona Antónia Nissim é baseada numa personagem real do século XVI, a heroica Dona Gracia Nasi. Muito do que está escrito neste livro é baseado em episódios reais que aconteceram na sua vida. Enviuvada aos 28 anos e deixada com uma filha pequena, tornar-se-á parte da alta sociedade portuguesa e uma das mulheres mais ricas no mundo, a par da herança do império comercial que o marido bancário lhe deixou. Por outro lado, era vista como uma mulher católica nobre que frequentava os grandes bailes pela Europa e socializava com a realeza por todo o continente europeu.
Secretamente era também uma judia praticante que usava o seu poder económico e a vasta rede de contactos comerciais para ajudar judeus perseguidos a escapar dos fogos da Inquisição da Península Ibérica. Nos navios de carga que transportavam especiarias para a Europa do Norte escondia fugitivos entre a carga e, com contactos que tinha em Londres, Amesterdão, Veneza e Istambul, lutava por fazer chegar estes refugiados ao seu destino final, o porto seguro que era o Império Otomano. Ao mesmo tempo, fazia frente a quem lhe queria roubar a riqueza e tentava não ser descoberta e mandada executar pelos oficiais da Inquisição.
Qual foi a principal mensagem que quis passar com este livro?
Eu penso que o que realmente queria era que as pessoas compreendessem a dualidade da nossa natureza como seres humanos. Várias centenas de anos atrás, a Europa era um sítio onde as minorias religiosas eram perseguidas e sofriam implacavelmente e hoje a Europa é um dos sítios mais progressivos e inclusivos do planeta. Por outro lado, o Médio Oriente era um sítio de tolerância religiosa e diversidade, algo que mudou. Dito isto, devemos inspirar-nos no passado, mas não aprisionarmo-nos a ele. Nós somos os autores deste capítulo da nossa civilização. Com tudo o que sabemos sobre o nosso passado e o nosso potencial como seres humanos, porque não escrever uma história que inspire por anos e anos? A Rapariga de Istambul, por Nicole Dweck, €16,90, ASA
A Rapariga de Istambul, por Nicole Dweck, €16,90, ASA
