50 anos do 25 de Abril. Mariana Silva: “Tento mostrar que é possível chefiar a própria empresa ao mesmo tempo que somos mães”
Perguntámos a três mulheres de gerações distintas o que para elas significa a liberdade hoje. E o que falta conquistar quanto aos direitos femininos 50 anos após a Revolução.
Numa sociedade em constante evolução, o conceito de liberdade ecoa de forma distinta para cada geração. Para algumas, é a memória viva da Revolução que trouxe uma nova aurora a Portugal, um Abril que marcou para sempre o rumo da nação. Enquanto para outras, é uma luta contínua, uma batalha diária pela igualdade de género e pelo reconhecimento pleno dos direitos. Ao entrevistar três mulheres de diferentes idades, embarcamos numa viagem através do tempo, explorando as suas perspetivas sobre a liberdade e os desafios enfrentados ao longo de décadas. O que é que ainda está por se cumprir quanto aos direitos das mulheres? Que injustiças e hábitos permanecem que continuam a barrar o caminho das mulheres? Para algumas, foi um despertar da esperança, um momento em que o país se uniu numa voz de mudança. Recordam o clima de expectativa, a fervilhante atmosfera de transformação, onde novos ideais se erguiam como pilares de uma nova era. Para outras, o 25 de Abril é uma mudança contada pela família e descrita nos livros de História. Ainda assim, e ao longo dos anos, esses ideais confrontaram-se com desafios persistentes na igualdade de género. E, olhando para o Portugal de hoje em comparação com o Portugal dos anos 70, surge a reflexão sobre o caminho percorrido e o que ainda falta alcançar. Em 74 ainda não tinhas nascido. Que memórias tens daquilo que te foi depois dito pelos familiares?
Embora não tenha vivido diretamente os eventos da Revolução, as memórias transmitidas pelos meus familiares foram uma parte importante da minha compreensão da História e do impacto desse momento na sociedade portuguesa. Lembro-me de ouvir os meus avós comentarem que a revolução começou junto à casa deles na Pontinha, e recordo histórias do meu avô a ir para as ruas no centro de Lisboa, com um mar de gente, para comemorar a liberdade. Essas narrativas familiares ajudaram a moldar a minha compreensão da importância da liberdade e da luta pela democracia em Portugal.

O que ainda está por se cumprir quanto aos direitos das mulheres?
Embora do ponto de vista da legislação já muito tenha sido alcançado, há ainda um longo caminho a percorrer ao nível das mentalidades e muitas mudanças culturais necessárias. Existe ainda uma grande disparidade salarial e de oportunidades no mercado de trabalho entre homens e mulheres em muitas áreas profissionais. Isso reflete-se, em grande parte, na falta de representação feminina em cargos de liderança. Quando refiro as mentalidades, posso dar um exemplo concreto relacionado com a maternidade. Embora já existam hoje políticas de licença parental muito adequadas, se forem os homens a tirar essa licença, isso provavelmente será mal recebido por parte das empresas onde trabalham.


O que gostavas que de fundamental se atingisse quantos aos direitos das mulheres aqui em Portugal? Por exemplo, na maternidade? No empreendedorismo?
Relativamente aos direitos, reitero a questão da maternidade que referi anteriormente. Homens e mulheres podem e devem gerir as licenças conforme for mais desejável ao casal, sem julgamentos. Por outro lado, no caso de jovens empreendedoras com negócio próprio, é fundamental que nas licenças haja alguma flexibilidade para uma mulher poder dar, nem que seja, um apoio ao seu negócio. Enquanto líderes de um projeto, como é o meu caso, somos o seu motor e não nos podemos desligar por completo. É fundamental rever a lei nesse sentido e encontrar mecanismos de apoio.
Como tentas mudar mentalidades numa sociedade ainda tão patriarcal?

Tento, de alguma forma, mostrar que é possível sermos mulheres e chefiar a própria empresa ao mesmo tempo que somos mães, mulheres e amigas. Luto por isso todos os dias ao fazer mais e melhor com a Aumar.
Foste mãe há poucos meses e continuas a ser a única pessoa à frente da tua empresa.
O que eu sinto é que é difícil gerir as duas coisas, ou seja, ser o melhor para a Caetana, a minha filha [de quatro meses], e ser o melhor também para a minha empresa. Já houve momentos que dei por mim a pensar, será que não é melhor desistir? Será que talvez tenha de me focar só nela? Ela depende inteiramente de mim, que estou a amamentar. Seria mais fácil dar-lhe fórmula, mas essa escolha devia ser uma escolha possível.

Ser mãe era um desejo? O facto de teres a empresa alguma vez te "atrasou" nessa escolha?
Eu queria ser mãe. Não estava preparada para ser mãe. Eu queria casar, mas não queria propriamente ter filhos logo. Depois foi um bocado mais rápido do que estava à espera. Ok, fiquei grávida. Então e agora? Como é que vamos gerir? A minha sorte é que, como a Aumar é um pouco sazonal, tudo bateu com os timings de lançamento das coleções. Mas tive de deixar tudo completamente orientado para este ano. E o esforço foi enorme, ter que estar a trabalhar até ao final da gravidez e sempre com a preocupação de deixar tudo pronto. Eu sinto que não usufruí bem da minha gravidez. Mas sim, eu trabalhei até ao último dia, sempre.
Até ela nascer mesmo?

Até ela nascer, sim.

Mas porque sentias também que não podias parar?

Não podia parar. Eu só sentia que não podia parar. Só no dia em que eu acabei a coleção... Desenho os modelos e depois tenho um designer têxtil que me faz os padrões e também me dá ajuda nos sketches digitais. Faço acompanhamentos em fábrica, falo com as costureiras, estou no atendimento em loja. Tenho a minha mãe, que é sócio-gerente, também, e trabalho com freelancers.
Sentiste que tinhas condições, em Portugal, para ter este negócio de forma independente? Como funciona a loja, por exemplo?
O meu avô impulsionou-me, porque ele também tem negócio próprio. Abri a loja e costurava as peças durante o dia, depois vendia-as. Só depois veio o swimwear, que sempre adorei, desde pequenina, porque tinha muita ligação à praia e antes ia de férias para o Brasil, com os meus pais, todos os anos.
[Mariana interrompe para dar de mamar à filha]
E foi aí que a marca começou a ficar mais conhecida. É Aumar porque o meu avô já tinha loja no sítio onde eu tenho, na mesma rua [Passos Manuel em Lisboa], que é onde ele também tem um espaço há 50 anos. E na altura em que comecei não imaginava que ia ser swimwear ou que poderia ter alguma coisa a ver, mas pensei, ah, vou manter o nome. E consegui crescer, mas foi tudo muito lentamente.
Há apoios para jovens empreendedoras como tu?
Tudo aconteceu muito lentamente e não houve propriamente assim grandes apoios.
O que é que já podíamos ter ao fim destes 50 anos de conquistas, o que é que já podias ter do teu lado que te ajudasse?
Para mim, o que eu acho que me fazia uma grande diferença era a parte de apoio do Estado a nível de exportação, porque sinto que está a chegar a um nível em que os custos para o fazer são elevados. O meu preço de custo [de produção] é alto e para tu conseguir exportação tens de ter um preço de custo mais baixo. Para tal, as quantidades que te pedem para produzir são muito mais elevadas. Ou seja, teria que haver financiamento para isso.
É incomportável.
É incomportável, porque as fábricas em Portugal, maioritariamente, trabalham para exportação, e quando se trata de marcas pequenas fecham-te a porta, nem te querem ouvir ou nem te atendem, é muito difícil e sinto que isso realmente falta. Para pequenas empresas, para jovens empreendedores, falta. Falta-me dar o salto.
Créditos Realização:
Direcção de Fotografia: Frances Rocha
Um filme de LBL team
