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50 anos do 25 de Abril. Inês Fontoura: "A educação que eu tive foi sempre para ser independente e livre e nunca opressora, em que tens de arranjar um marido para te sustentar"

Perguntámos a três mulheres de gerações distintas o que para elas significa a liberdade hoje. E o que falta conquistar quanto aos direitos femininos 50 anos após a Revolução.

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25 de abril de 2024 às 08:00 Rita Silva Avelar

Numa sociedade em constante evolução, o conceito de liberdade ecoa de forma distinta para cada geração. Para algumas, é a memória viva da Revolução que trouxe uma nova aurora a Portugal, um Abril que marcou para sempre o rumo da nação. Enquanto para outras, é uma luta contínua, uma batalha diária pela igualdade de género e pelo reconhecimento pleno dos direitos. Ao entrevistar três mulheres de diferentes idades, embarcamos numa viagem através do tempo, explorando as suas perspetivas sobre a liberdade e os desafios enfrentados ao longo de décadas. O que é que ainda está por se cumprir quanto aos direitos das mulheres? Que injustiças e hábitos permanecem que continuam a barrar o caminho das mulheres? Para algumas, foi um despertar da esperança, um momento em que o país se uniu numa voz de mudança. Recordam o clima de expectativa, a fervilhante atmosfera de transformação, onde noos ideais se erguiam como pilares de uma nova era. Para outras, o 25 de Abril é uma mudança contada pela família e descrita nos livros de História. Ainda assim, e ao longo dos anos, esses ideais confrontaram-se com desafios persistentes na igualdade de género. E, olhando para o Portugal de hoje em comparação com o Portugal dos anos 70, surge a reflexão sobre o caminho percorrido e o que ainda falta alcançar. 

Foto:  Leonor Bettencourt Loureiro e Frances Rocha

Ainda não eras nascida em 74. Que memórias tens, através dos teus pais por exemplo, daquilo que se viveu no País?

Eu nasci em 77, três anos depois. Memórias do 25 de Abril não tenho. Histórias de família mais complicadas também não tenho. Claro que na minha família ficaram todos felizes, não venho de uma família abastada onde foram retiradas as coisas, não é? Sei que foi uma alegria enorme. De repente, pudemos começar a fazer montes de coisas. Do ponto de vista da nossa família, foi um abrir de olhos. Foi uma melhoria muito boa a nível dos direitos das mulheres, por exemplo. Se bem que na minha família o meu avô materno era um artista, era um pintor, portanto não era o tipo de marido opressivo, dominador e machista. A minha avó não viveu isso, sempre trabalhou, era enfermeira. A minha mãe sempre trabalhou. Então nem sequer venho desse tipo de educação oprimida em que a mulher fica em casa e o homem é que traz o sustento. Nesse sentido, eu acho que não houve uma grande mudança na vida da minha avó, neste caso, do lado materno. Do lado paterno, sim, a minha avó nunca trabalhou e ficou em casa, mas não tinha essa coisa de que só podia sair se o meu avô deixasse ou que só podia criar um negócio se o meu avô deixasse. Venho de uma família com uma mente muito aberta, em que toda a gente sempre permitiu que as pessoas fizessem aquilo que queriam dentro daquilo que era possível. Quando nasci, fui para o Brasil com 18 dias e vivi lá até aos meus 10 anos, então todo esse período pós-revolução nós não vivemos. E os meus irmãos também, porque os meus irmãos nasceram depois e nós só voltamos para Portugal definitivamente em 88.

O que ainda está por se cumprir quanto aos direitos das mulheres?

São 50 anos de 25 de Abril e há muita coisa que ainda está em processo. As mulheres passaram a não ter de depender tanto dos maridos, a poder sair de casa, os maridos não são considerados os chefes de família, portanto, elas têm uma palavra, podem votar, podem trabalhar – e tudo isso é ótimo. Mas se olharmos para o papel da mulher na sociedade, continuamos a ver salários díspares, continuamos a ver poucas mulheres em cargos de chefia, continuamos a não dedicar o mesmo tempo às tarefas domésticas: na vida doméstica é sempre a mulher, supostamente, quem tem a bandeira. Portanto, esse tempo não é partilhado com eles da mesma forma. Umas vezes, talvez, porque o próprio homem não quer, outras porque o trabalho dele assume que a mulher é que tem de tomar determinadas decisões e é responsável por determinadas coisas e que ele tem que estar mais livre.

Foto:  Leonor Bettencourt Loureiro e Frances Rocha

A tua geração está mais presente de forma igual?

Os pais da minha geração são muito mais participativos nas famílias e na educação dos filhos e no tempo que querem passar com os filhos do que a dos meus pais, por exemplo. Eu venho de uma educação em que a minha mãe é que fazia programas comigo e o meu pai não fazia tanto, era com a minha mãe que eu ia ao cinema, era com a minha mãe que eu viajava, era com a minha mãe que eu ia ao teatro. A verdade é que nessas tarefas o meu pai nunca estava. Hoje, nas reuniões de pais na escola, não é só a mãe que vai, já é o pai que participa mais e eu acho que isso é um sinal também de evolução.

Optaste pela maternidade independente. Teve a ver com essa educação? O Estado ajuda mulheres nesta condição?

A educação que eu tive foi sempre para ser independente e livre e nunca tive uma educação opressora e oprimida, em que tens de arranjar um marido para te sustentar - não. Claro que a decisão de ser mãe independente também vem da minha história, não é? De relações falhadas, de deixar de acreditar no amor, do tempo (eu fui mãe com 41 anos, portanto, o tal relógio biológico é uma coisa real). Foi o somatório de várias coisas que me fizeram pensar, criar a minha própria família, não ficar à espera de alguém que pode não existir para ti e que, quando essa pessoa aparecer, se aparecer, pode ser tarde demais. No homem já não é assim, porque as barrigas de aluguer não são legais em Portugal e, portanto, se eles quiserem ter uma família sozinhos, têm que ir lá fora. Mas mesmo essa liberdade de podermos ser mães independentes é uma coisa recente, só é legal desde 2007. Portanto, estamos a falar de sete anos. Foi ontem. Em 1974 nem se pensava nisso, talvez. Nos Estados Unidos faz-se isto há mais de 40 anos. Agora, o que eu acho que ainda há por fazer é, de facto, igualar os direitos, por exemplo, de uma mãe independente e de uma mãe solteira. Nós nem sequer somos reconhecidas na segurança social, nós somos mães solteiras. Eu sou uma mãe solteira. Mas eu sou uma mãe solteira não porque o pai do meu filho me abandonou, e sim porque eu paguei para ser mãe solteira. Eu estou a contribuir para a taxa de natalidade do País, e não tenho nenhum benefício com isso. Eu meto o meu dinheiro - tudo bem, não foi por isso que eu tive um filho, tive porque quis -, mas a verdade é que isso tem outras consequências socioeconómicas e depois não existe um reconhecimento.

Portugal ainda é um País pouco virado para as crianças? Das leis às infraestruturas?

A vida aqui, a sociedade, não está preparada para crianças. Eu trabalho até às seis. Por acaso, o meu filho pode ficar na escola até às sete. E as escolas em quetens de pagar a partir das cinco da tarde? Tens de ir buscá-los. Como é que eu iria buscar essa criança? O Luca é o último a sair da escola muitas vezes porque eu saio às seis e apanho o metro… chego lá às seis e meia, um quarto para as sete. Às vezes já foram todos embora e eu pergunto-me, o que é que estes pais fazem? Quem é que vem buscar essas crianças? São as babás? São os próprios pais? São pessoas que estão em teletrabalho e, portanto, fazem ali um corte e trazem os filhos para casa e depois compensam e continuam a trabalhar? Somos um País muito conservador também ainda na questão dos horários e das horas que se trabalha. Como se cumprir o horário fosse sinal de produtividade. Eu posso entrar às nove e sair às seis e estar num dia em que eu não estou ali com a cabeça e não estou a fazer nada. Algumas empresas sim, dão muitos benefícios aos trabalhadores e ajudam imenso e são flexíveis com a questão da maternidade ou da paternidade, mas a maioria não é assim. Ou seja, isso ainda nos falta conquistar. Essa flexibilidade… Se estiver em teletrabalho eu não trabalho menos, almoço eu faço uma máquina de roupa - se calhar numa pausa em que um colega meu no escritório vai fumar e eu não fumo - eu estendo a roupa e já não tenho de fazer isso à noite. Ou agilizo logo o jantar e, portanto, quando vou buscar o meu filho à escola, em vez de estar a preparar o jantar e ele estar a ver a televisão sozinho, estou a brincar com ele porque o jantar já está organizado e não estive três horas do meu dia de trabalho a fazer isso.

Créditos

Realização: Leonor Bettencourt Loureiro

Direcção de Fotografia: Frances Rocha

Um filme de LBL team 

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