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Nascer outra vez

Às vezes, a vida troca-nos as voltas e obriga-nos a voltar ao ponto de partida. Aprender a viver depois de um divórcio ou de um luto pode ser insuportavelmente duro mas é possível.

09 de janeiro de 2016 às 12:00 Máxima

Se há uns anos alguém dissesse a Maria L. que, aos 56 anos, as reviravoltas da vida a iriam empurrar para um novo começo, não acreditaria. Tudo corria de feição. Tinha um marido, um emprego, uma filha, uma casa. Não havia motivo para imaginar um recomeço. Mas assim foi. O divórcio foi o responsável pela necessidade de uma reinvenção. Outros motivos há – separação, traição, a perda de alguém próximo, um despedimento – e, sejam eles quais forem, independentemente da dor, que existe, ou do medo, que é companhia recorrente, recomeçar é possível. E a garantia é dada não só pelos especialistas mas também por aqueles que se tornaram entendidos na matéria por força da experiência.

Em situações de crise é natural que o desejo sexual se ressinta, mas existem estratégias (e ajudas especializadas) que podem ajudar a contrariar essa tendência e a reencontrar a normalidade. Marta Xavier Cuntim, psicóloga clínica da Oficina de Psicologia, fornece algumas pistas a quem precisa de apimentar uma relação.

1. Criatividade e treino. O tempo parece que corre, é certo, mas ele também estica quando queremos. Por isso, o conselho é simples: "Aproveitar todos os momentos para ter relações sexuais. Sejam criativos: a libido trabalha-se e quantas mais vezes temos relações sexuais, mais vezes queremos ter!"

2. A arte da vaidade. "Uma lingerie nova, um banho de espuma e um creme novo fazem a diferença na autoestima e influenciam positivamente a atração sexual do casal."

3. Em sintonia. Há gestos que valem mais do que mil palavras e o ir para a cama ao mesmo tempo é um deles. "Ajuda a melhorar a comunicação, uma vez que pode ser o único momento do dia em que estão mesmo a dois e sem distrações, além de que reforçam os laços amorosos e podem trocar mimos e carícias."

4. Sem papas na língua. Falar sobre sexo é importante, assim como partilhar gostos e desejos. "Durante o dia, troquem bilhetinhos e mensagens apaixonadas e de cariz sensual. Isto vai fazer com que a pessoa se sinta lembrada e valorizada."

5. Fugir à rotina. Por mais confortável que seja ficar em casa, em frente à televisão, há muita coisa para fazer a dois. "Saiam juntos. Vão jantar fora, ao cinema, passear, o que quer que faça sentido, mas saiam." 

Com Maria L. foram precisos quatro "longos" anos para confirmar que a relação a dois, que nascera 30 anos antes, tinha chegado ao fim. "As coisas complicaram-se e tive mesmo de pedir o divórcio para poder ter tranquilidade", conta. De repente, tudo mudou. "Vivia para a família, para o meu marido e para a minha filha, não fazia nada sem eles." A decisão, confessa, foi difícil mas inevitável: "Ou ficava na minha zona de conforto, sem ser feliz, ou saía dela e conseguia a paz de espírito que me faltava." Pôs um ponto final na vida que conhecia até então e saiu de casa.

E foi então que começou o luto, um processo inevitável para quem quer recomeçar, assegura Cristina Felizardo, vice-presidente da direção da associação Apelo, que se dedica a ajudar os que sofrem perdas profundas, seja pela morte de um ente querido, divórcio, desvalorização pessoal, dano ao amor-próprio. "O luto é a reação necessária para que a pessoa fique pacificada com a perda e para que possa bem viver."

É preciso, confirmam os psicólogos clínicos Pedro Barbosa da Rocha e Inês Afonso Marques, da Oficina de Psicologia, "dar tempo e espaço para que as emoções se expressem (tristeza, zanga, desamparo, frustração...)". E não só. Há também que "dar permissão a si próprio para se sentir triste e receoso, para não ter medo de ser feliz e escolher recomeçar, enquanto um ato de liberdade pessoal e não uma obrigação imposta pela sociedade ou pela família".

 

O caminho da aceitação

Maria L. conhece este processo. Já sentiu tristeza, "muita". A mágoa também lá esteve, assim como o medo e a aceitação do fim de um casamento que imaginava para toda a vida. E não é a única. Os dados do Pordata confirmam que, só em 2013, houve 22 525 divórcios, bem mais do que os 9216 registados 13 anos antes. Quanto ao número dos que optaram por terminar oficialmente a sua relação, os Censos de 2011 contavam 593 667 com o estado civil de divorciados. A estes juntam-se os que perderam fisicamente a cara-metade. De acordo com a mesma fonte, eram qualquer coisa como 770 664 os viúvos.

Depois fica a solidão. "Senti-me muito sozinha. Às vezes ainda sinto." Solidão que, de resto, é "o maior medo" de quem perde o companheiro, confirma Cristina Felizardo, logo seguido pelo receio de "não conseguir levar a vida para a frente". Sobretudo quando a separação se dá em idades mais jovens, "a preocupação é como lidar sozinha com as tarefas logísticas do dia a dia", como fazer sozinho tudo o que antes era partilhado. Para os mais velhos, como Maria L., a perspetiva da velhice é o que assusta mais. Um pensamento que, confirmam Pedro Barbosa da Rocha e Inês Afonso Marques, "é frequente", traduzindo "uma expressão das emoções fortes, tantas vezes dolorosas, que acompanham um processo de perda ou separação. Depois de um casamento duradouro, o divórcio pode acentuar medos e inseguranças que decorrem do potencial sentimento de falha, fracasso face a expectativas, sonhos, projetos e ideias, alimentados durante longos anos, que são depois interrompidos".

Quanto ao tempo que demora a fazer o luto, "não há fórmulas", garante Cristina Felizardo. "Tudo depende das experiências passadas, do caráter, do tipo de vínculo que tinham com o cônjuge." No entanto, fica a certeza: "O recomeço é sempre possível."

 

Colos vazios

Foi uma autêntica prenda de aniversário. Ainda o primeiro filho não tinha completado um ano quando, à beira de completar 30 anos, Paula Moreira percebeu que estava grávida novamente.

Depois do nascimento de um filho tudo muda. Pode parecer uma frase feita, mas a quem por lá passou sabe que a chegada de um bebé provoca uma pequena revolução na vida de um casal. Vanessa Costa, enfermeira obstetra e responsável pelos cursos de preparação para o parto do Centro do Bebé, chama-lhe "crise", principalmente quando de dois passam a ser três. São muitos os ajustes a fazer. É que se marido e mulher se conhecem bem enquanto companheiro(a) ou cônjuge, o mesmo não se pode dizer sobre o seu desempenho no papel de pai ou mãe. Uma descoberta que pode dar origem a muitos confrontos.

A ajuda de família ou amigos para ultrapassar as dificuldades do pós-parto é, pois, fundamental, confirma Vanessa Costa. Mas a receita contempla ainda outros ingredientes: "Amor e muita comunicação." E tudo começa – ou devia começar – antes do nascimento. "A preparação devia ser feita logo durante a gravidez. É que o casal está tão encantado por aquele momento que não tem noção do que aí vem." Para isso, é preciso que falem, que partilhem, que discutam "como querem educar os filhos, como vão lidar com as dificuldades". E, claro, que falem sobre a própria sexualidade, um tema que é, refere a especialista, temido, mais pela mulher do que pelo homem. "Há um certo receio sobre o início da sexualidade, o passar a ser mulher outra vez, aceitar o corpo, que muda depois da gravidez." Neste campo, há que "aprender outro tipo de sexualidade para que, caso o coito não seja possível, se encontrem outras formas de prazer sexual". É que, "se o amor for regado e construído, há mais tolerância para um tom de voz mais alto, para rabugices. Temos de aprender a manter o casal, até porque um filho é o continuar do amor entre esse casal".

"Fiquei muito contente. Era uma gravidez muito desejada." As primeiras semanas de gestação correram bem e a ecografia, feita às 11 semanas, confirmava a normalidade, que acabaria por dar lugar à apreensão duas semanas depois. "Fiquei com muitas dores de cabeça. Fui ao centro de saúde e, como tinha uma febre ligeira, os sintomas foram associados a uma constipação." Nada de grave ou tão pouco fora do normal. Mas as dores que se seguiram, acompanhadas por um ligeiro corrimento de sangue, contrariavam esta ideia. A ida ao hospital passou de visita a internamento. "Disseram-me que estava com contrações muito seguidas e fiquei internada no dia 21 de dezembro. No dia 24 perdi a minha menina. Como é que se recomeça depois de perder um filho? É difícil, muito difícil", refere Paula Moreira. Cristina Felizardo confirma que "não há fórmulas mágicas que permitam acordar sem dor. Perder um filho é perder um pedaço de nós. E o luto é crónico. Ou seja, a dor não desaparece. Umas vezes fica mais dormente, outras mais reativa, mas está sempre lá". Paula Moreira não esquece Leonor. "As pessoas diziam que estas coisas acontecem muitas vezes, que o bebé era ainda muito pequenino, que mal se via. Mas isso é muito difícil de aceitar. A dor é muito grande. E a incompreensão também."

Uma incompreensão que a levou a criar, no Facebook, o grupo Colos Vazios, onde partilha a dor com muitas outras mulheres que passaram pelo mesmo. É que, explica Cristina Felizardo, "esta é uma perda massiva". E que acontece, "esteja a mulher grávida de oito meses ou de 15 semanas". Então, como é que aqui se consegue dar a volta por cima? "O recomeçar em muitos casos passa por tentar voltar a engravidar", refere Cristina Felizardo. "Há muitos médicos que o aconselham e, em termos emocionais, há mesmo uma vontade instintiva de voltar a engravidar para sentir tudo de novo e depois ter o bebé nos braços, o que é uma vitória."

Paula Moreira queria engravidar de novo e conseguiu-o, seis meses depois. Confirma que a nova gravidez ajudou a recomeçar. Mas não a esquecer. "O que penso ser importante é haver mais reconhecimento não só da dor de perder um filho mas também haver mais naturalidade em encarar que uma mãe que perdeu um filho não está limitada à tristeza de o ter perdido, existem todas as memórias anteriores – a alegria do positivo, o quanto se desejou o bebé." Defende, por isso, que "a perda gestacional não tem de ser um tabu e quando efetivamente não for, quem passa por ela vai ter menos dificuldade em gerir a situação, vai poder falar com naturalidade desse filho que ninguém viu mas existiu e existe na memória, tal como de qualquer membro da família que faleceu".

 

Ajuda para quem precisa

Começar de novo é difícil. Não tem, de resto, que ser fácil.

Centro do bebé

Telefone: 21 093 96 62

Morada: Avenida Guerra Junqueiro, 4, 2.º Esquerdo, 1000-167 Lisboa

 

Associação Apelo

Telefone: 234 04 75 07/92 907 88 28/91 705 20 52

Morada: Rua do Canto, 10-A, 3800-122 Aveiro

 

Oficina de Psicologia

Telefone: 21 099 98 70

Morada (sede): Rua Pinheiro Chagas, 48, 4.º andar, 1050-179 Lisboa

 

Colos Vazios

Apoio individualizado na Perda Gestacional e Terapia de Grupo

Mas pode ser menos doloroso. Para isso, o melhor mesmo é rodear-se dos que mais gosta. "A rede social (família alargada, amigos, colegas, comunidade, etc.) pode constituir um importante elemento de suporte", confirmam os psicólogos Pedro Barbosa da Rocha e Inês Afonso Marques, para quem "a partilha de emoções e pensamentos com amigos e familiares pode ser, por si só, um fator de proteção e de resolução".

E se este apoio vale para ajudar a lidar com os problemas, serve também para chamar a atenção para a necessidade de acompanhamento por um técnico especializado. Nem sempre é necessário, é um facto, até porque, recorda Cristina Felizardo, "todos nós, qualquer ser humano experiencia entre 20 a 30 lutos ao longo da sua vida. Todos já tivemos de passar por lutos e tivemos de os superar". No entanto, a ajuda profissional existe e permite, garante a especialista, tornar o processo mais rápido, ao ajudar a "lidar com a dor. Não a eliminá-la, porque sem dor não há ganho".

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