Quis ser chapeleira, mas foi no Jornalismo que encontrou um lugar, até a vida mudar de rumo. A curiosidade implícita no discurso de Catarina Portas não nos deixa com dúvidas de que foi sempre empreendedora e que isso a levou à génese d'A Vida Portuguesa.
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30 de dezembro de 2018 às 08:00 Rita Silva Avelar
Quebra o silêncio da sala e só se silencia quando abandona o estúdio. Quis ser chapeleira, mas foi no Jornalismo que encontrou um lugar, até a vida mudar de rumo. A curiosidade implícita no seu discurso não nos deixa com dúvidas de que foi sempre empreendedora e que isso a levou à génese de uma das lojas que mais memórias trazem aos portugueses: A Vida Portuguesa.
Filha dos arquitetos Nuno Portas e Margarida Sousa Lobo, arquiteta paisagista, Catarina Portas nasceu em Lisboa, em 1969. Aos seis anos de idade foi para Inglaterra e aos nove para Paris, sempre com a mãe. Cerca de dez anos depois, a sede de saber e de se informar levou-a à génese de O Independente, fundado, em 1988, por Miguel Esteves Cardoso e por Paulo Portas, irmão de Catarina. Foi depois para a Correio da Manhã Rádio e para a Marie Claire, a convite de Maria Elisa Domingues. Até que enveredou pela Televisão. Primeiro na RTP, nos programas Onda Curta, Falatório, Raios e Coriscos e Frou Frou e depois na SIC, no programa No Sofá Vermelho. Apaixonada pelas marcas artesanais portuguesas e pela tradição, foi o sentido estético apurado que levou Catarina a dar asas a um projeto empresarial ligado às artes, à confeção e à portugalidade. Assim foi fundada a loja A Vida Portuguesa, em 2007, com uma primeira loja no número 11 da Rua Anchieta (hoje existem cinco, estando quatro em Lisboa e uma no Porto). Em dezembro de 2009 foi destacada pela Monocle como um dos vinte nomes, a nível mundial, “que merecem um palco maior”.
Nem sempre se sentiu como “um peixe na água” na Comunicação. Em que momento percebeu que o seu percurso profissional passaria por aí?
Comecei como jornalista e como alguém absolutamente tímido. Comecei a fazer televisão bastante cedo, com vinte e poucos anos, e durante um tempo só estive de um lado da câmara… Depois, quando estreou o Raios e Coriscos [programa de 1993 onde se debatiam os temas da atualidade, apresentado por Manuela Moura Guedes] passei para o outro lado.
Começou a carreira jornalística no mundo do papel, em redações como a de O Independente ou da Marie Claire. Como vê essas experiências? Eram redações homogéneas no que respeita ao género?
Comecei n’O Independente, em que existiam muitas mulheres. Depois passei para a redação da Marie Claire, em que só havia mulheres. Eu acho que terei pertencido à primeira geração a não sentir isso [a não inclusão das mulheres nas redações], também porque me iniciei em sítios que estavam a começar.
Viveu, portanto, o aparecimento das revistas femininas, em 1988…
Na altura apareceram três revistas femininas: a Máxima, a Elle e a Marie Claire. Esta última um pouco depois... Para mim, foi uma oportunidade óptima para começar a trabalhar [na Marie Claire] porque, por um lado, tratava-se de uma revista mensal, o que me dava algum tempo para pensar. Começámos numa altura em que não havia internet. Quando íamos entrevistar [por exemplo] a Isabel de Castro, íamos passar umas tardes no arquivo da biblioteca da Cinemateca [para pesquisar sobre a atriz].
Eu cresci a ler a Marie Claire e a Elle francesas porque fui viver para França aos nove anos. Fui muito formada pelas revistas femininas (pela Madame Figaro também!) que, na altura, tinham uma força e um poder que hoje em dia não têm, também porque hoje há muitas fontes de informação e as coisas estão mais diluídas. Cada uma [dessas revistas] tinha a sua personalidade muito vincada. O seu aparecimento, em Portugal, foi muito importante porque havia muitas coisas sobre as quais não se falava neste país antes disso. Como a interrupção [voluntária] da gravidez. A situação das mulheres mudou, desde então. Vivíamos numa sociedade muito machista. Quando eu nasci, as mulheres ainda tinham de pedir autorização aos maridos para sair [do país, por estarem averbadas, tal como os filhos do casal, nos passaportes deles] e os casais que se tinham casado pela igreja [católica] não tinham direito ao divórcio. Eu, por exemplo, nasci de um segundo casamento que não se conseguiu realizar e a minha certidão dizia que eu era filha ilegítima. As coisas evoluíram muito. Eu fui educada para não ser desse tempo.
As mulheres ainda têm pouca voz nos media nacionais ou internacionais. Surgem, na maior parte dos casos, num papel secundário e redutor. O que se poderá fazer para mudar esta situação?
Na realidade, as pessoas com quem eu aprendi foram a Helena Torres, que era jornalista na Marie Claire e na RTP; a Maria Elisa [Domingues], com quem estive na Marie Claire; e, depois, a Manuela Moura Guedes, que eu tive a chefiar a redação e como apresentadora do telejornal. E ainda a Margarida Pinto Correia no Último Jornal. Portanto, sempre trabalhei com mulheres… E com mulheres muito fortes e que se impunham muito.
Como foi passar de entrevistadora para entrevistada, deixando o Jornalismo e aventurando-se n’A Vida Portuguesa que fundou, em 2007?
Eu não sou jornalista há 13 anos. Mas foi interessante passar para o lado da [pessoa] entrevistada. Foi toda uma mudança. Eu acho que se ganhava melhor, mas não tão genialmente como hoje em dia se pensa. Mas, na realidade, não é que houvesse tanta segurança na profissão. Hoje, o jornalismo é uma profissão em risco. Eu nunca procurei a segurança, na verdade. Quando me sentia segura procurava logo outra coisa para me “atirar”. Não gostava de me acomodar. Estive dois anos na Marie Claire e outros dois na RTP e foram os únicos contratos na minha vida porque depois optei por ser freelancer. Assim, arranjei um sistema de vida em que não tinha demasiados encargos para poder fazer aquilo que me interessava.
De todas as marcas, quais marcam mais a génese d’A Vida Portuguesa?
Temos hoje quase quatrocentos fornecedores. Há marcas que têm muito a ver com A Vida Portuguesa e que vendemos desde o início, como, por exemplo, a Ach. Brito e a Claus Porto. E a Bordallo Pinheiro, sem dúvida…
Era um projeto com que sonhava? Como é que ele surge?
A Vida Portuguesa tem a ver não com o trabalho de jornalista, mas com a atitude de jornalista. Há uma atitude de curiosidade, de pesquisa, de investigação e, depois, de tratamento da informação. Apareceu, por acaso, ao longo de um ano em que eu tinha decidido parar. Tinha parado na televisão porque estava a concorrer a apoios para fazer documentários e passei um ano a investigar a vida do António Variações para um filme que está prestes a estrear. Entrevistei dezenas de pessoas. De alguma forma, essa reflexão sobre o percurso dele foi uma boa inspiração para o projeto que veio a seguir porque há alguns pontos de contato entre uma coisa e outra. Como pegar em algumas coisas que parecem tão locais e tentar dá-las ao mundo e permitir que o mundo as descubra. O trabalho d’A Vida Portuguesa é um trabalho sobretudo de valorização dos produtos antigos portugueses e isso tem a ver com dar-lhes uma nova luz.