Stuart Staples: "A esperança é sempre a última coisa que temos quando tudo o resto desaparece"

Conversámos com Stuart Staples, a inconfundível voz de Tindersticks, no Bairro Alto Hotel, em Lisboa. O artista britânico evoca as suas memórias do tempo que se gravavam demos, mas também contextualiza a banda no panorama atual. Além disso, revela que este disco tem a sua primeira música de amor.

Foto: David Santos
01 de dezembro de 2019 às 07:00 Rita Silva Avelar

Em quase três décadas, Pinky in the Daylight é a primeira canção de amor dos britânicos Tindersticks. É também este o single que revela o tom do recém revelado No Treasure But Hope. Dias antes da publicação do disco, encontramo-nos com Stuart Staples, a voz enigmática e indissociável da banda, no Bairro Alto Hotel, Lisboa. Discreto nos gestos mas intenso nas palavras, Staples revela como passa a temporada natalícia na pequena vila francesa de La Souterraine, com a mulher Suzanne Osborne (que é artista) onde vivem desde 2003. Ao mesmo tempo, recorda a génese da banda, revela como lhe chega a inspiração para compor, e emociona-se ao falar de Lhasa de Sela (sua amiga e companheira em duos musicais, desaparecida em 2010, aos 38 anos).

Quais são as suas primeiras memórias relativas à música?

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A minha mãe tinha um amor pelos artistas, nos anos setenta, como o Neil Diamond. Não consigo chegar a detalhes mais específicos mas sei que a música estava em meu redor a todo o momento, quando era pequeno. A minha primeira memória consciente de música foi o programa britânico Top of the Pops, que revelava os últimos hits na música, todas as semanas. Para mim, e para a minha geração, era uma espécie de janela para outro mundo, um sentimento de escape.

Cresceu num tempo em que as pessoas ainda faziam serões com os amigos a ouvir discos. Era um hábito que fazia parte do seu universo?

Os discos foram a minha vida. Foram a única coisa na minha vida. Para ganhar dinheiro, trabalhava em lojas de venda de discos. Eu tinha 15 anos em 1980, numa altura em que a música era tão rica e tão importante para as pessoas, mas para miúdos da classe trabalhadora – que trabalhavam numa fábrica ou numa mina – a música e o futebol ofereciam uma espécie de escape. Não conhecia ninguém que tivesse ido para uma escola de artes ou para a universidade. Era tudo muito diferente.

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Os Tindersticks nasceram nos anos noventa. Como recorda a cultura musical que se vivia na altura?

Deixei Nottingham, em 1990, e mudei-me para Londres. Tive imensa sorte por conseguir um emprego numa loja que era uma espécie de centro da música alternativa, em Londres. Tornei-me uma "esponja" porque absorvi muitas músicas e novas ideias que consegui articular com o tipo de canções e sentimentos que me marcaram antes, e assim encontrei uma espécie de fórmula empolgante. A minha vida começa em Londres, de certa forma.

Em que momento descobriu o seu tom, que se mantém autêntico desde o primeiro disco?

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Eu acho que é uma bênção e uma maldição, como dizemos na expressão inglesa. Algumas pessoas revêm-se nisso, outras odeiam o facto. Desde o primeiro álbum que tudo se centrou em imaginá-lo, trabalhar no estúdio, fazer todos os demos na nossa cozinha, correr de casa para o trabalho e vice-versa, compor músicas a caminho do trabalho, ou à noite, no regresso a casa, chegar a casa e tentar gravar… o estúdio sempre foi a coisa mais importante, para mim. E a minha voz era algo que eu tinha para ajudar a através da qual tinha ideias. Só no terceiro disco é que comecei a pensar que talvez devesse melhorar a minha forma de cantar (risos).

Como foi transformar uma cozinha num estúdio, nesses primeiros tempos?

Eu, o David e o Neil morávamos numa casa no norte de Londres, e gradualmente construímos um pequeno estúdio na cozinha. O primeiro álbum foi gravado lá, um processo que demorou cerca de um ano e meio.

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Pode-se dizer que é um artista que canta com a alma? As canções dos Tindersticks são muito nostálgicas…

Para mim, escrever nada tem a ver com sentar-me a uma secretária e decidir o que vou escrever em determinado dia. As músicas nascem de momentos fortes. E quando esses momentos chegam, não se tem escolha sobre a sua natureza: ou os aceitamos ou não. Para mim, a partir do momento em que os aceito, sinto uma responsabilidade real para com os sentimentos profundos que nos inspiram a criar alguma coisa. Tento ser verdadeiro em relação a isso e agarrar esse sentimento dentro de uma música.

Pinky as a daylight é a vossa primeira canção de amor. É verdade?

É um single estranho e especial. A inspiração não surge, geralmente, em momentos de contentamento. Esta música chegou-me num momento assim, e como em qualquer altura foi preciso ser sincero para com a mesma. A missão é sempre tentar manter esse sentimento vivo dentro dela. Foi um tipo de canção diferente de escrever, mas ao mesmo tempo passou pelo mesmo processo que uma canção triste.

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Porquê No Treasure but Hope?

É a última música do disco. Por muito que Pinky in the Daylight seja esperançosa, cheia de amor e alegria, a música No Treasure but Hope é um som sobre o desespero. É uma música que acaba por ter um pouco de esperança, e é esse pouco que se torna muito importante. A esperança é sempre a última coisa que temos quando tudo o resto desaparece.

Qual é o seu momento Tindersticks preferido de sempre?

Quando fizemos o nosso primeiro disco. Tocámo-lo vezes sem fim, juntámos todas as canções, e por fim ouvimo-lo no leitor de cassetes. Foi o mais próximo que cheguei da exaltação, na música. O culminar de anos, ideias de trabalho e relacionamentos que se formaram no primeiro álbum… não existe nada como a primeira vez. Nunca pode ser igual, e nunca o senti tão forte.

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Tem uma visão muito cinematográfica. Poderia ter sido realizador de cinema?

Eu gosto de trabalhar com imagens. E o meu respeito por realizadores é imenso. Quando um realizador quer criar algo tocante ou importante para as pessoas, o processo até chegar ao ponto em que que o poderemos ver é tão complexo... É preciso perceber isso muito antes de filmar um shot, porque se tem a responsabilidade de inspirar muitas pessoas dentro do mesmo. E é preciso repetir esse shot dezenas de vezes. Para mim é [o cinema] muito diferente da música, que é algo muito mais direto.

Vive em França. O que é que mais gosta de fazer além estar no estúdio?

O meu estúdio não é apenas um sítio onde crio música. É um sítio onde exploro ideias e aquilo que mais adoro nisso é que posso trabalhar com liberdade. Criar música ou criar qualquer tipo de arte tem de ter um sentido de aventura.

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Vivemos uma época de cumplicidade familiar, que é o Natal. É também uma altura em que sentimos muito as perdas. Como lida com as ausências? Falo em particular de Lhasa de Sela…

Sabe que como ela morreu num continente diferente, é algo que parece infinitamente irreal. Para mim e para a Suzanne, é algo que nunca desaparece, sentimos sempre que ela está próxima de nós. Será algo que nunca terá um desfecho, para nós, não é como virar a página. Vivemos com a sensação de que a temos sempre por perto.

Como vive esta quadra?

O Natal é sobre estarmos todos juntos. Temos uma grande família, e todos estão ocupados com as suas vidas. Ter uma desculpa para nos juntarmos todos é maravilhoso.

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