Amália é o mais recente projeto de Ruben Alves, o realizador de A Gaiola Dourada que procura levar Portugal ao mundo, desta vez através do fado. Como fez Amália.
21 de agosto de 2015 às 07:00 Máxima
O CD foi pedido por uma editora francesa e reúne uma nova geração de fadistas portugueses que nos transmitem a sua infinita alegria em cantar fado. Amália parece estar destinado ao sucesso. Realizador luso-francês, Ruben Alves estreou-se nas longas-metragens com A Gaiola Dourada, um sucesso de bilheteiras que correu mundo e cujo argumento sobre o casal de portugueses emigrantes em França é inspirado na sua própria história de vida. Habituado a ouvir cantar o fado em França, durante eventos familiares, apaixonou-se por Amália: um dos motivos que o levou a aceitar o desafio Amália, proposto pela Universal Music France. Acaba de constituir uma produtora em Portugal, a Imagina Produções, que terá como primeiro trabalho um documentário para televisão sobre fado, a estrear ainda em 2015. Falámos com o autor sobre o seu novo desafio.
Como é que nasceu Amália?Nasceu de um desafio que me foi lançado pela editora Universal Music France. Manifestaram o interesse num CD de fado de referência que fizesse também alusão a Amália Rodrigues, por ser uma artista tão importante, mas desconhecida para a nova geração em França. Amália surge também a propósito da data: em 2014 assinalaram-se 15 anos da morte de Amália Rodrigues.
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O que o levou a aceitar a proposta da Universal Music France?Desde há muito tempo que sou 'amador' de fado (só canto fado no duche, mas há muito que me interesso por esta arte). Além disso, foi através de Amália Rodrigues que despertei para as minhas raízes. Foi a ouvir fado de Amália que descobri os poemas, os seus autores. Foi a ouvir fado de Amália que basicamente percebi o que é ser português. Graças à voz dela.
Este projeto foi-lhe então proposto pela relação que tem com o fado?
Não sei... Na verdade, no filme A Gaiola Dourada há uma cena de fado... Mas esta proposta surge essencialmente de uma conversa entre mim e a Universal Music France sobre a presença de Amália no projeto. Foi quando eu disse: "Amália? Amália é comigo!" A minha relação com o fado está sobretudo relacionada com o facto de o fado me ter levado a perceber as minhas raízes. O fado traduz aquela nostalgia do povo português, a sua "estranha forma de vida". E foi a ouvir fado que eu senti: "Sou português!"
Não sei... Na verdade, no filme A Gaiola Dourada há uma cena de fado... Mas esta proposta surge essencialmente de uma conversa entre mim e a Universal Music France sobre a presença de Amália no projeto. Foi quando eu disse: "Amália? Amália é comigo!" A minha relação com o fado está sobretudo relacionada com o facto de o fado me ter levado a perceber as minhas raízes. O fado traduz aquela nostalgia do povo português, a sua "estranha forma de vida". E foi a ouvir fado que eu senti: "Sou português!"
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Um dos meus fados favoritos...Que Deus me Perdoe, de Amália Rodrigues.
Onde mais gosto de ouvir fado... Nos locais onde o fado surge de forma imprevista. Durante a minha infância, era frequente o fado irromper durante as festas familiares. Um tio pegava na guitarra, alguém tocava harmónica e de repente começava-se a cantar fado.
Fado moderno... Não existe. Existe apenas uma evolução acerca da forma como se recebe o fado nas diferentes épocas. As fadistas cantam o fado em 2015 e não procuram modernizar o fado. Fado é fado.
Fale-nos agora melhor deste trabalho, da forma como Amália combina tradicional e moderno...
Trata-se de um CD de homenagem a Amália Rodrigues com a nova geração de fadistas. Todos eles são diferentes e eu dei a liberdade a cada um de se exprimir à sua maneira. Existe uma linha comum: fado. Mas é fado em 2015. O que não significa que se introduza remix ou outros elementos descontextualizados. Significa que cada um pode e deve enriquecer o trabalho com a sua identidade. Por exemplo, a Gisela [João] tem uma forma muito própria de construção, com a sua maneira, com as suas guitarras. E o resultado é muito bonito.
A Gisela João faz parte deste grupo de fadistas que o Ruben teve a liberdade de selecionar enquanto diretor artístico do projeto. Como aconteceu o casting e como chegou a nomes como Gisela?
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Trata-se de um CD de homenagem a Amália Rodrigues com a nova geração de fadistas. Todos eles são diferentes e eu dei a liberdade a cada um de se exprimir à sua maneira. Existe uma linha comum: fado. Mas é fado em 2015. O que não significa que se introduza remix ou outros elementos descontextualizados. Significa que cada um pode e deve enriquecer o trabalho com a sua identidade. Por exemplo, a Gisela [João] tem uma forma muito própria de construção, com a sua maneira, com as suas guitarras. E o resultado é muito bonito.
Foi uma seleção muito natural. Foi a seleção das pessoas que mais gosto de ouvir. Existem outros fadistas de quem também gosto muito. Mas estes são os que mais mexem comigo [ver caixa]. O que me liga à Gisela é fazermos ambos a nossa arte com todo o coração e sem filtro. Sem preconceitos. Eu identifico muito isso nela. Ela introduz os malhões, as influências do Norte, o fado folclórico, de que Amália também gostava. E eu acho esta abordagem fantástica. A Gisela faz tudo isso com uma descontração absoluta. E com uma frescura e um sorriso constante. Aliás, a Gisela é das mais otimistas cantoras fadistas que conheço e por isso faz todo o sentido ser também destacada nesta edição da Máxima, focada no otimismo.
E o Ruben, que diz ter sentido que é português através do fado, também se considera otimista?Não, não sou muito otimista, reconheço. Dou ares de otimismo, este otimismo que procuro colocar sempre na minha vida, mas no fundo sou fatalista. Não sou pessimista nem sou negativo. Sou fatalista.
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Gisela João, Ana Moura, Carminho, Ricardo Ribeiro, António Zambujo e Camané foram os fadistas selecionados por Ruben Alves para o projeto Amália, juntamente com Celeste Rodrigues como guest (interpreta uma música). São as sete maravilhas de Lisboa, refere o diretor artístico. O tributo a Amália será ainda enriquecido com duetos que sublinham as influências que também marcaram a carreira de Amália Rodrigues. Mayra Andrade (Cabo Verde) faz um dueto com António Zambujo. Bonga (Angola) junta-se a Ana Moura. Caetano Veloso (Brasil) canta com Carminho. E Ricardo Ribeiro faz par com o guitarrista de flamenco Javier Limon (Espanha). Destaque ainda para a presença do dançarino espanhol Nino de los Reyes no projeto, a acentuar o gosto de Amália pelo flamenco. O dueto mais português pertence a Camané e Gisela João.
Amália foi encomendado por França, mas o lançamento em primeira mão está previsto para Portugal...O lançamento está agendado para julho, em Portugal. E, em agosto, será lançado em França, onde já foram criadas algumas parcerias, inclusive com programas de televisão. Estamos também a planear trazer um conjunto de jornalistas franceses a Lisboa para conhecerem o projeto e ouvir fado em Lisboa. Fado ouve-se em qualquer lado, mas em Lisboa é diferente. Estão previstos outros países também. A Universal Music France acredita muito neste projeto e está a investir nele. Querem fazer deste trabalho um CD de referência de fado.
E que outras particularidades, além do elenco, contribuem para um trabalho de referência?
Na sua opinião, esta encomenda reflete um maior interesse de França pelo fado?
Todos os participantes neste projeto vão estar juntos no estúdio da Valentim de Cavalho e vamos gravar onde Amália Rodrigues gravou, com o microfone de Amália. Eu recriei o décor de uma parte do estúdio para esta gravação e para podermos também sentir que Amália está lá. Espero que as pessoas sintam isto também. Estou também feliz por ter o reconhecido artista português Vhils a desenvolver o design e a capa do CD, o que eventualmente atrairá também outro tipo de público. Neste momento, ele está a fazer uma obra de Amália em Lisboa, com uma matéria que nunca antes utilizou, o que é um desafio para ele. Encontra-se a trabalhar com os calceteiros portugueses para fazer o rosto de Amália em calçada, nos arredores de Alfama.
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Muito se tem escrito sobre Gisela João em pouco tempo, dada a sua curta e rápida ascensão artística. E talvez haja dois comentários na imprensa que resumem a sua história. À parte as merecidas vénias à sua forte matriz fadista que lhe valeu o Prémio Revelação Amália e concertos lotados com público a aplaudir de pé, há quem tenha escrito que Gisela começou pelo fim. É assim que Nuno Pacheco se refere no Público a quem, apenas com um disco gravado, "soa iluminada" e "conquista a crítica e o público". Gisela faz parte de uma geração moderna de fadistas que tem "Amália na voz". Aprendeu a gostar de fado com Que Deus me Perdoe, de Amália, e hoje canta poemas em qualquer lado. Basta o ambiente estar criado: "Não sei explicar. Às vezes sinto qualquer coisa aqui dentro que me faz cantar." Atrai-lhe o poder que o fado lhe dá, "de estar perante uma plateia de 500 pessoas e conseguir pôr a minha mão no coração dessas 500 pessoas. Graças ao fado", salienta. Gisela conta que, recentemente, em Londres, uma senhora inglesa abordou-a após o concerto apenas para lhe agradecer: "Obrigada por nos mostrar os sentimentos com o fado. Embora não estejamos habituados a demonstrá-los, todos sentimos."
Apesar de cantar músicas e poemas que "mexem com as suas memórias", Gisela é a prova de que fadista pode muito bem rimar com otimista. É assim que encara a vida no dia a dia, tal como os projetos como Amália: "Quando são feitos com o profissionalismo e o bom gosto de Ruben Alves, dá-me muito gozo." É em Amália que vamos voltar em breve a vê-la. Essa Gisela que se transforma no palco e que estende a manta no Jardim da Estrela, onde passa tardes inteiras a bordar e a tricotar as suas próprias roupas, cuidando de "sobrinhos" emprestados e alimentando o sonho de ser mãe.
O interesse pelo fado em França está a borbulhar. Em termos de grande público, o fado nunca chegou a França como chegou o flamenco ou o tango, embora tenha ajudado o facto de ter sido considerado recentemente [2011] Património Imaterial da Humanidade. E eu quero fazer isso. Assim como procurei transmitir no meu filme [A Gaiola Dourada] a imagem do português emigrante, trabalhador e com os bons valores que tem o português, também procuro passar a imagem da identidade portuguesa através desde CD. Não vale a pena explicar, é só sentir. Como dizia Amália, "o fado não se explica, sente-se".
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Ou seja, tal como no filme A Gaiola Dourada, o Ruben pretende também dar a conhecer melhor Portugal?
Amália vai sobretudo transmitir uma cultura, algo que é nosso desde há muito tempo. Acho que vai transmitir a profundidade da cultura portuguesa. Porque a música tem este impacto: provoca emoções nas pessoas ainda mais fortes do que o cinema. Como disse a Björk, uma fã incondicional da Amália: "Eu não percebo nada, mas esta voz mexe comigo." Espero que, com este CD, as pessoas sintam a emoção toda de um povo através das mais bonitas vozes portuguesas.
Da experiência que tem, também enquanto realizador de A Gaiola Dourada, como veem os franceses os portugueses? A opinião mantém-se ou algo mudou nos últimos tempos?
A opinião está em mutação. Diria que está a dar-se um avatar de conhecimento. O francês está a conhecer, a descobrir os portugueses. Tinham alguns preconceitos ? um país mais pobre, pequeno, menos desenvolvido, que entrou na Europa mais tarde ? e de repente estão a descobrir a riqueza deste pequeno país que descobriu mundo e que tem tudo, desde aldeia, cidade, praia, montanha, campo. Estão a descobrir um país cada vez mais cosmopolita, resultado das, cada vez mais frequentes, viagens dos franceses a Lisboa, não só para turismo mas também para fazerem negócio. Esta descoberta está mesmo a ferver. Este é o timing certo para este projeto.
Amália é também o arranque para um outro trabalho. O que pode adiantar à Máxima sobre esse projeto?O projeto musical Amália é o ponto de partida para um documentário que vou começar a gravar para a televisão e no qual serei correalizador, juntamente com o Christoff Fonseca, um experiente realizador luso-francês. Será também o primeiro projeto da Imagina Produções [ver caixa], a produtora que acabei de criar com o Christoff e um outro sócio, Duarte Neves. Este documentário tem estreia prevista para o final do ano, em Portugal, e abordará a forma como o fado mexe com o povo, como evoluiu com o povo português. Será algo como fado, música urbana, e terá imagens das gravações para este CD, entre muitas outras. Porque as paredes deste país transpiram fado.