Há umas semanas, jantei com duas amigas de infância, ambas recém-separadas de relações de décadas. Ao contrário de mim, que deixei a vida acontecer, elas acertaram cedo e seguiram os trâmites naturais, e comuns, da família portuguesa: casaram, tiveram filhos, partilharam um ninho e sonhos. Agora aos 50, quando as crianças cresceram, perceberam que o marido também era uma espécie de filho. Já elas, pelo contrário, sentiam-se no fim das prioridades de todos, incluindo delas próprias. Todos se esquecem da mãe, embora pareça que é o centro da casa - porque é. Nesta era em que toda a gente tem pontos de vista, tenho ouvido várias mulheres, mais sábias, a sonharem com os seus dias independentes. A verdade é que, na maioria dos casos, as raparigas viram-se bem sozinhas, melhor do que os rapazes. São mais sobreviventes, por isso estão mais preparadas para os embates, e para a ginga que os contorna.
Já eu, vivo sozinha e faço o que bem me apetece, uma escolha consciente e por exclusão de partes, mas também porque me cansei de namorados adolescentes. E, sem descendência, é mais fácil espreguiçar asas e voar quando se quer. A herança cultural de emparelhar pesa sobre todas as raparigas, e eu não fui excepção, por isso sempre invejei os meus amigos rapazes, mais descontraídos e abertos ao (des)encontro, mas também mais expostos à manipulação, é um facto, que as raparigas aprenderam há milénios. Elas traçam planos, apontam alvos e são as verdadeiras predadoras, quem corre atrás deles, ou segura as relações até mais não. Nós temos muita pressão social, mesmo que pareça que já não é bem assim. Ainda nos definirmos, também, pela pessoa que escolhemos, temos o prazo biológico, cada vez mais contornável com o avanço da medicina, e só "podemos" escolher dentro da nossa idade e da nossa classe social. O que seria. Os homens podem atirar-se sempre para fora de pé, embora poucos o façam, lá está, a maioria ainda pensa como um adolescente: têm de ser boazinhas como as mães ou boazonas como as mulheres dos seus sonhos. Nas mais interessantes ninguém repara.
Eu nunca tive jeito para correr atrás, tenho horror a gente oportunista, venho de uma família self-made, por isso, permaneço na solidão feminina primordial, que todas sentimos ao crescer quando percebemos que tudo é mais difícil para nós, à partida. A nossa diferença é muito menos tolerada, seja qual for, porque permanece uma ideia muito mais formatada sobre o que é ser uma mulher (de bem). Emparelhadas ou não, somos o pneu sobressalente. O que julgamos ser uma vantagem no nosso carácter independente, raramente é uma vantagem na prática.
Os rapazes querem uma mãe. Para os seus filhos e para si mesmo. Por isso, para encaixar e ser amada, e jamais "encalhar", que é verbo nunca conjugado no masculino, a maioria delas replica e alimenta o padrão. Não é a mundividência, a inteligência, a modernidade ou a graça que soma pontos. É a beleza, claro, e o lado maternal, sempre. Somos educadas para ser esposas e mães, e essa continua a ser a cartilha, por muito que nos tentemos desembaraçar dela. Os telemóveis evoluem mais do que as mentalidades. Pode ser que a masculinidade tóxica das novas gerações abra algumas pestanas.
Eles não procuram mães porque são más pessoas, mas porque sempre foi assim. Há milénios que metade da humanidade é educada para cuidar da outra metade. As mulheres passam "a criança" de colo em colo, das mães para as esposas, em ciclos infinitos que replicam gerações. Eles é que sempre foram os condes ou os reis, os presidentes da junta ou da república, os padres, os prémios Nobel, os advogados, os médicos, os CEOs. Elas sempre foram as governantas, as assistentes, as secretárias, as enfermeiras. Isso está a mudar? Está, muito devagarinho, mas mães, essas são uma categoria intocável e altamente sacrificial, porque assim deve ser. Ainda assim, são muitas as que sofrem, incompreensivelmente, de violência obstetrícia.
E chega o dia em que não se aguenta mais a criança adulta que se tem no sofá a jogar jogos no telemóvel. E a perguntar-nos o que é o jantar, sem fazer a mínima ideia do que falta na dispensa. O pai mistura-se com os filhos como se fosse mais um de quem se tem de cuidar, juntamente com o cão, o gato, as plantas, as contas, o frigorífico, as férias e a lavandaria. Até as obras de casa e os presentes para oferecer à família são elas que escolhem. Como se eles fossem crianças. Mesmo os meus amigos que diziam fugir de mulheres maternais, facilmente se encostaram.
As expressões "a minha patroa" ou "eu mando em tudo, mas ela manda em mim" são tidas como populares, mas são transversais a todos. Nos países do sul da Europa, então, ninguém ousa contrariar a mamma, desde que ela continue a assegurar o equilíbrio familiar, ou seja, tudo. Claro que também temos culpa do cartório. Das avós e mães (machistas) que os educam assim, e dos avós e pais distantes ou "sem jeito" para educá-los, assim ou como seja. Cada vez mais homens se interessam pelos filhos, e pela cozinha, mas quem continua a tratar do trabalho mais chato, duro, repetitivo, são elas. Eles podem ser crianças mais tempo, para sempre. Nós, só se não tivermos uma família às costas.
Em qualquer caso, a infantilização dos rapazes é uma desgraça emocional, que até nos tira a pica. Mas se disseres alguma coisa, é má onda. É mais fácil replicar do que reinventar. Crescer dá muito mais trabalho e obriga-nos a ser mais sérios e responsáveis, por isso mais alerta e chatos, com menos espaço para a fantasia e menos tempo para nós. Por isso, para quê mudar? E, se ainda existem muitas, tantas, mulheres dependentes dos homens – olhe-se para o mundo - para quê mudar? Se o mundo ocidental ainda vai avançando, o mundo em geral, mais pobre, está nos antípodas, se não estiver mesmo a recuar como nos países muçulmanos, por imposição. A tradição é mais enraizada do que a independência, e sempre escudada e autenticada pela religião, seja ela qual for. E não se pode ser dona de casa por escolha? Claro que pode, mas que se assuma. Esta ditadura da maioria que nos esmaga cada vez mais, com os aplausos das redes sociais e na era das audiências, deixa pouco espaço para o diferente. A maioria é a nova ditadura dos costumes.
Um professor universitário, o Dr Arthur Brooks, diz que as mulheres, casadas, solteiras, e ainda mais as viúvas, são mais felizes do que os homens, sejam eles solteiros, casados ou viúvos. Porquê? Porque temos "sistemas sociais de suporte que são mais fortes do que os dos homens". E trabalhamos neles toda a vida, a tomar atenção ou a cuidar do outro, mas também a procurar pontos de fuga ou colos para desabafar. Precisamente porque tantas vezes nos sentimos sós nas nossas relações. Por isso, não é raro vermos homens sozinhos, principalmente viúvos, a carregar o seu abandono rua fora, enquanto as velhotas andam de braço dado com as amigas, todas frescas. Aquele economista diz também que, segundo estudos, enquanto "60% dos homens dizem que a sua maior amiga é a mulher, só 30% delas dizem que o seu maior amigo é o marido. Uma estatística deprimente", comenta. E porque será? Não só porque a vida nos tornou mais independentes nas nossas dependências, como parece, ele explica, que temos mais talento para fazer novos amigos ao longo da vida.