O título acaba de deixar muitas mães indispostas. Porque o bebé não dorme, não deixa dormir e tem um choro inconsolável capaz de gerar o caos na família. É aqui que entra a terapeuta dos bebés.
04 de agosto de 2015 às 07:00 Máxima
Constança Cordeiro Ferreira foca-se em traduzir a linguagem do bebé, ajudando os pais a perceberem os seus bebés. É este o tema do livro Os bebés também querem dormir. Procura um manual de instruções para a maternidade e para a paternidade? Pode continuar a busca.
Constança Cordeiro Ferreira nunca teve intenções de fornecer estratégias e técnicas rígidas pois defende que o bebé é o verdadeiro manual de instruções. E é por isso mesmo que faz o seguinte pedido aos leitores: "Embora
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estejamos juntos nestas páginas e eu agradeça a sua companhia, quero que me faça uma promessa. Não quero que este livro ocupe tempo que o seu bebé precise de si. Se ele chorar, pouse-o tranquilamente e vá ter com o seu filho. Abrace-o com alegria e com tempo. Eu espero que volte. Porque será sempre mais importante olhar para o seu bebé do que para quaisquer páginas que já tenham sido escritas." Este é um livro com conselhos úteis que a autora faz questão de validar, recorrendo a especialistas e à literatura científica. Mas diríamos que, acima de tudo, este é um livro sobre amor. Amor na hora do choro, do sono e do colo. A própria substituiria o título de terapeuta de bebés por guardiã de ocitocina, essa "hormona do amor" tímida que não subsiste perante o stress, mas que Constança Cordeiro Ferreira ajuda a fluir livremente entre mãe, pai e bebé. As seguintes perguntas e respostas ajudam a perceber como.
Sempre que o bebé chora, os pais percorrem a checklist: fome, fralda suja, cólicas, etc. Mas a Constança introduz uma outra razão: a razão principal pela qual os bebés choram nos primeiros meses de vida...
Essa é uma questão maioritariamente cultural. Temos uma certa tendência para separar as necessidades físicas das emocionais como se as primeiras fossem necessidades "reais" e as segundas fossem uma espécie de mimo.
Do ponto de vista biológico, o bebé é um feto exterogestato prolongado, ou seja, uma cria que termina a gestação fora do útero. Portanto, nos primeiros meses de vida, a separação do corpo do cuidador é uma das causas principais para o choro. Porque para o bebé, a necessidade de colo, de ser acolhido e carregado é tão premente como a fome. A maioria das crias mamíferas chora ao estar separada da mãe, o bebé humano também o fará, com a agravante de ser das crias mais imaturas, quando comparada com as outras espécies ao momento do nascimento.
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Sendo assim, cai por terra a teoria de que "o melhor é deixá-lo chorar na cama para ele aprender a autoconsolar-se e a dormir sozinho"?
Nem sei bem como essa teoria continua a ser perpetuada. Estas teorias nasceram numa altura em que quase nada se sabia sobre a importância da fisiologia, regulação neuro-hormonal ou comportamentos inatos protetores
dos bebés. Estudos mostram-nos que um bebé deixado a chorar até desistir não se autoconsolou, o mais certo é que tenha apenas desistido. Há custos graves pela sujeição a níveis de cortisol elevados e continuados na primeira infância que poderão ser determinantes inclusive na saúde da idade adulta.
Há ainda a questão do "vício do colo", que segundo a Constança não existe...
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O bebé para de chorar porque a sua necessidade foi atendida, não porque tem o "vício do colo". Seria mais fácil se mudássemos a perspetiva e compreendêssemos que o lugar do bebé é em contacto estreito com a mãe ou o pai. O bebé sozinho não vinga, não sobrevive e o bebé sabe-o. Portanto, reclama os braços dos pais. Quando os tem, não chora. Ao ser pousado, chora. O desafio é encontrarmos forma de ter as necessidades dos pais e dos bebés atendidas, porque embora o grau de exigência de cuidar de um recém-nascido quase sempre nos apanhe de surpresa, na verdade não é o colo que nos deixa exaustos… É tudo o que está à volta. O bebé não vai ficar viciado no colo porque o colo não é algo de negativo: o colo acalma, regula, promove hormonas de bem-estar e segurança. Permite que o bebé esteja nas melhores condições possíveis para se autonomizar de forma fisiológica no momento devido.
O choro continua a ser um dos principais motivos pelos quais as mães procuram o seu apoio?
O choro provoca uma reação de alerta no adulto, particularmente exacerbada nas mães, o que tem um bom motivo. Os nossos níveis de adrenalina elevam-se para que possamos ficar mais alerta para selecionar a resposta adequada e atender rapidamente o bebé. O problema é quando o choro é muito frequente, dura horas e ultrapassa as tentativas de acalmar o bebé. Aí temos mães, pais e bebés com níveis altíssimos de cortisol durante a maior parte do tempo. Isto desgasta muitíssimo, leva-nos ao limite, faz-nos acreditar que não somos capazes. Quando estão descartados motivos físicos para o choro do bebé, então entro eu. As mães procuram-me para perceber o que o bebé está a dizer, mas também para encontrarmos uma forma de tirar a família dessa zona de SOS em que se encontra. Os casos mais marcantes são todos aqueles em que o choro está a abafar tudo, está a impedir que a mãe sinta que o bebé gosta dela, que é dela que precisa e que ela vai ser capaz. O mais urgente nestes casos é encontrar uma forma eficaz para acalmarmos o bebé e os pais, reduzir drasticamente o tempo de choro e começar a ver os padrões, construindo uma linguagem e um relacionamento fora do choro.
Refere que nunca pensou em fazer formação de treino de sono, porque vai contra os pressupostos em que acredita...
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Sou frontalmente contra os métodos de treino de sono. Digo isto, explicando sempre que não critico os pais que os implementaram porque considero que as decisões individuais são soberanas. A minha crítica vai para os profissionais que defendem o treino de sono como algo de necessário para o bem-estar do bebé. Falo das recentes "terapeutas ou especialistas de sono" que chegaram ao nosso país. A mim parece-me, no mínimo, discutível que pessoas sem formação específica para tal aconselhem sobre restrição de mamadas diurnas ou noturnas, diluição das fórmulas de leite artificial ou deem recomendações sobre o momento da retirada dos bebés do quarto dos pais, por vezes ainda antes dos timings recomendados pelas próprias sociedades médicas. E depois há este marketing em torno de que se o bebé não dorme 12 horas seguidas é porque tem um problema, quando isto é falso. A conceção de que o choro na hora de dormir é necessário para "ensinar o bebé a autoconsolar-se", de que é pertinente que um bebé possa até vomitar no decurso de um episódio de choro para
dormir. Isto para mim é chocante e contraria toda a investigação científica sobre a importância da regulação dos pais e do bebé. Na minha experiência, nenhuma forma eficaz de agir passa por deixar o bebé a chorar.
Como reage então à ideia: "Se a criança for para a cama dos pais nunca mais de lá sairá?"
Claro que isso não é verdade. A partilha da cama é uma decisão de cada família e aquilo de que devíamos estar a falar, em lugar de discussões ideológicas, era simplesmente de segurança para que os pais possam tomar
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decisões informadas. Há alguns aspetos, principalmente nos primeiros seis meses, que podem contraindicar a partilha de cama, como o facto de os pais serem fumadores ou a mãe ter fumado na gravidez, o bebé ter nascido pré-termo ou de baixo peso, os pais estarem exaustos ou tomarem drogas que impliquem com o estado de vigília. Sabemos que a maior parte dos pais leva os bebés para a cama e fá-lo em segredo, quase com vergonha. Ou seja, perde-se uma oportunidade de debater as questões de segurança. O Dr. Pedro Caldeira da Silva, pedopsiquiatra que apresentou este livro, disse muito claramente: "É bom para os bebés dormirem com os
pais." Portanto, a partir do momento em que especialistas com este nível de experiência o defendem, os pais podem ficar descansados quanto a esses medos.
Viajar com bebés é um desafio para muitas famílias. Que conselhos práticos pode dar às mães?
Primeiro, que descontraiam e simplifiquem. Que desfrutem da viagem sem cair na tentação de reproduzir toda a rotina. Desfrutem! Os nossos bebés também gostam de aventura, mas, acima de tudo, gostam de nos sentir relaxados, bem-dispostos, felizes. Depois, é preciso ajustar as expectativas: haverá momentos de choro, haverá birras e cansaço. Mas, aqui mais uma vez, o truque é levar com descontração e não deixar que esses momentos se tornem fatores de stress. Portanto, podemos, por exemplo, jantar fora antes de o restaurante estar cheio, para que seja mais rápido e menos cansativo. Podemos planear passeios que tenham previsto momentos de paragem. Ir dando colo, um sling ou pano também é boa ideia em passeio. Podemos levar alguns elementos de casa, um bonequinho ou a música de embalar. Mas, para os bebés, a verdadeira casa são os pais. Ele estará seguro com estes por perto. Portanto, o mais importante é descontrair.
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