Amorosa, influente, protetora ou devoradora, a mãe continua a ser a experiência afetiva decisiva, a que transmite os valores e constrói o homem que a criança será amanhã. Abordamos esta ligação complexa e cúmplice entre mães e filhos.
17 de agosto de 2015 às 07:00 Máxima
Pour en finir avec la fabrique des garçons (Para acabar com a fábrica dos rapazes): não se trata de um manifesto nem do lema de um novo criador, mas do título de um vasto estudo em dois volumes feito por dois professores universitários, Sylvie Ayral e Yves Raibaud (edições MSHA). Estes investigadores farejaram o mal do século que flutua no ar do tempo: os nossos rapazes estão sem norte. Com efeito, representam 80 por cento dos alunos castigados nas escolas, por diversos motivos. Desrespeitadores, insolentes, desobedientes: os rapazes derrapam. Terão mais problemas de comportamento do que as raparigas da mesma idade? Nada disso. Trabalhos recentes demonstram que as suas dificuldades escolares estão, as mais das vezes, ligadas à construção da sua identidade masculina. E quem constrói esta famosa identidade que fabrica esses futuros homens desnorteados? Sobretudo os pais, essa entidade um pouco difusa, porém determinante.
nisso: no que semeamos. No ser à partida que se deixa o rasto do respeito, da igualdade. Mas é também em nós próprios: no que somos à frente deles. O nosso comportamento com os outros, a nossa atenção (e comentários) ao mundo, a forma como deixamos que o nosso ambiente nos mova, nos influencie: é ali que eles assistem de primeira fila a ‘como um humano pode vergar’ ou ‘como um humano pode ser reto, justo, fraterno’. Porque se lhes mostramos desprezo, semeamo-lo, se lhes permitimos soberba, alimentamo-la, e se lhes damos a saborear a mão estendida, o gesto terno, a
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postura decidida e as razões da hesitação,
saberão crescer com elas. Saberão ter dúvidas,
ter ganas de mudar, e ter sempre, sempre um fio condutor."
Margarida Pinto Correia, Diretora de Inovação Social da Fundação EDP
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AS MÃES, FIGURAS DE AUTORIDADE
Félicien, um lourinho de 11 anos com dois de avanço na escola, detentor de um computador topo de gama e de uma consola de alto desempenho, refletiu sobre o problema. A autoridade de Catherine, a mãe, número dois de um grande banco francês, nunca é posta em causa. "Porque a mãe", diz com um ar grave, "é quem transmite 90 por cento do saber." Uau! Será isto um grito do coração, o pensamento do dia de um futuro Kant? Não. Félicien leu isto na Internet. Mas pensa que esta síntese reflete exatamente o que ele vive no dia a dia: "É a mãe que me pergunta o que eu aprendi na escola, é ela que me vai buscar ao ténis, é ela que regula o tempo que posso passar semanalmente no tablet." E o pai? "O pai não tem tempo. É comandante de bordo." No céu de Félicien,
quem reina é a mãe, deusa todo-poderosa e um pouco sobrecarregada. É ela quem impõe as regras, garante: "Mas também me deixa estar no meu jardim secreto..."
OS PAIS, SENHORES DO JOGO
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Quanto às mães, elas enviam igualmente sinais de perigo. Os seus filhos são atraídos pelo hedonismo, o universo dos cromos, o prazer sem limites e o ultraconsumo. Nem sempre registam os limites que as mães impõem e, quando elas tentam envolver os pais no projeto, muitos retorquem que não sabem como, que não é esse o seu papel – uma maneira de dizer que, uma vez que elas têm tudo, o trabalho, a liberdade e a palavra, devem também exercer o controlo e a regulação no seio da família. Alice, corretora de 55 anos, mãe de Sébastien, de 19, e de Ralph, de 22, ouviu inúmeras vezes esse discurso armadilhado da boca do marido: "Nós, os homens de 50 anos", repete ele, "sentimo-nos completamente perdidos. Somos a geração sacrificada pelo feminismo."
Serge foi-se demitindo pouco a pouco, sub-repticiamente, deixando a Alice as tarefas educativas ingratas: "Só queria partilhar as brincadeiras, os jogos, o futebol ou conhecimentos com os filhos. Tudo o resto, as proibições,
as tarefas, as obrigações, as regras, em suma, a coluna vertebral, era comigo." Então, Alice agiu: "Falei-lhes do respeito pelas mulheres. Eles têm tendência para utilizar as raparigas apenas pelo prazer de as seduzir e depois deitar fora. Disse-lhes que não devemos fazer sofrer os outros. Os preservativos? O pai nem sequer quis abordar essa questão com os filhos! Tive de ser eu a explicar-lhes como usá-los! Quanto aos sites pornográficos, proibi-os terminantemente e dei-lhes a ler o livro da sexóloga Catherine Solano Sexo ados (edições Marabout)."
REINVENTAR A VIRILIDADE
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Resultado: Ralph e Sébastien confidenciaram recentemente à mãe que foi ela quem lhes transmitiu os valores importantes, e não o pai. A mesma omnipresença, o mesmo estatuto de intermediária bicéfala no caso da enérgica Sophie Albou, criadora da marca Paul & Joe. Paul e Joe são precisamente os nomes dos seus dois filhos, os seus dois amores. "O Paul tem 23 anos e o Adrien (que tem como segundo nome próprio Joseph) tem
20", diz Sophie Albou. Eu e o pai divorciámo-nos há dez anos. Fiquei eu com a custódia dos meus filhos e eles optaram por viver comigo. Estou com eles todos os dias, jantamos sempre juntos. Temos uma relação muito
respeitadora, baseada na confiança e no pudor. Sobre as namoradinhas, por exemplo, mantêm uma grande discrição."
Com o pai: grandes viagens à volta do mundo para não perderem a ligação. Com a mãe, tudo o resto: "Levo-os em viagens de negócios para lhes mostrar a realidade. Sempre insisti numa ambição assente na vontade de caminhar em frente, de reunir os meios para atingir o êxito sem nunca desistir." O mais velho estuda gestão na faculdade e o mais novo é um criativo que trabalha com Sophie. "Estou surpreendida com os meus filhos", confessa esta mãe superprotetora. "O que lhes passei – o respeito pela família, pelas pessoas próximas, pela tradição, a abertura aos outros, a galantaria e a generosidade – parece-me que foi absorvido e que o transmitirão quando chegar a sua vez."
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pelo amor, pelo que é importante que nunca
nos esqueçamos de que muitas crescem entregues apenas ao pai, apenas à mãe, ou mesmo a quem as perfilha, acolhe, adota, salva, ama, adora. Dito isto, as mães são milagres, porque elas multiplicam, elas fabricam o filho. Se as mães puderem acompanhar os seus filhos não tenho dúvida de que importam para uma humanidade profunda, para uma completude do amor. Somos todos feitos de meninas e meninos, quero dizer, somos meninas e meninos, com energias mais femininas ou masculinas. Ainda que alguém cresça apenas com pai ou com mãe, a sua natureza solicita uma abrangência, ou a abrangência é desejável, porque nos completa, de facto. A igualdade só vai acontecer quando aceitarmos as diferenças. Porque é o que falta. Entender que a natureza de cada um, desde logo de cada género, traz as suas maravilhas e contingências. Enquanto considerarmos o homem como o lado livre da humanidade e a mulher o lado comprometido,
estaremos sempre a falhar. No que às questões
de género diz respeito, somos grunhos. Estamos numa pré-história."
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Valter Hugo Mãe, escritor
DEFINIR UM IDEAL
Os marcadores da masculinidade estão em vias de extinção? A jornalista Natacha Polony valoriza-os, pelo contrário. No seu ensaio L’homme est l’avenir de la femme (edições JC Lattès), dedicou até ao seu filho Eneko, que hoje tem sete anos, um capítulo intitulado Elogio da virilidade. "Claro que não quero que os meus dois filhos se tornem machistas ou predadores", afirma. "Mas também não quero que eles tenham vergonha de não serem um clone da mãe." Entre virilidade brutal e masculinidade serena, onde situar o cursor?
"Optei por colocar a ênfase no ideal da cavalaria", prossegue. "A galantaria é uma especificidade da cultura francesa e dela decorre uma relação pacífica entre os sexos. Disse ao meu filho que ele deve comportar-se como um cavaleiro e li-lhe o Cyrano de Bergerac. Ele adorou."
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FIXAR OS LIMITES
Transmitir valores fortes, mas de forma lúdica e com alguma astúcia, apesar de trabalharem dez horas por dia: tal parece ser o desafio que todas as mães de hoje enfrentam. A galerista Nathalie Obadia utilizou estes métodos com o filho Maxime, que tem 25 anos: "Desde muito cedo, arranjei sessões com ele, tempo partilhado só por nós dois", resume. "Não víamos televisão, mas sim filmes de Pagnol, de Jean Renoir e de Ingmar Bergman." Confiscou igualmente os comandos e as consolas, ao constatar os danos que provocavam em Maxime quando ele abusava deles, na adolescência. "Sou pelos rituais: ir a concertos, visitar museus, formar o gosto...
Mas atenção, sou muito estrita."
Severa mas justa, tolerante, calma, firme, atenta, não intrusiva, equilibrada: o retrato-robô da boa mãe põe-nos tontos. Mas, como dizia Freud aos pais, "seja como for, façam o que fizerem, vão fazer mal". Restam os truques, as receitas, os modos de emprego trocados entre mulheres à beira de um ataque de nervos. A estilista Isabel Marant crê nas virtudes da natureza: "O Tal tem 11 anos e gosta muito de desporto. Não é de maneira nenhuma um viciado nos ecrãs. E isso, sem dúvida, porque o levamos para a nossa ‘cabana’, uma casa de madeira ecologista em Fontainebleau, todos os fins de semana, desde que ele era bebé. Acho que isso foi fundador. Ele gosta das árvores, da vida ao ar livre."
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Num outro registo, a romancista Pauline Dreyfus estabeleceu uma cumplicidade literária que a une a Ulysse, o filho mais velho: "Quando o vejo a ler até às três da manhã, não posso mandá-lo apagar a luz porque eu era exatamente assim com a idade dele", diz, sorrindo. Cada mãe tem os seus truques para cimentar a relação. Macha Makeïeff, mãe de dois rapazes de 18 e 29 anos, insiste na confiança duradoura: "Acredito na distância certa e na harmonia nas relações", diz. "Não devemos ser mães devoradoras com os adolescentes. Afinal de contas, o enigma destes jovens é delicioso. E, depois, não esqueçamos que eles vão voar do ninho. Foi isso que também vivemos com os nossos pais. Os nossos filhos são hóspedes e nós somos apenas um epifenómeno na sua história, que é longa."