Num guia gostar de viver sozinha, Jane Mathews conta as aventuras e desventuras deste acaso na primeira pessoa. O livro põe em perspectiva tudo o que achávamos sobre o assunto, tal como como aborda o estigma em que está envolto o tema.
21 de setembro de 2020 às 14:49 Rita Silva Avelar
Viver sozinha pode ser uma arte. E tem tantas desvantagens como vantagens, seja qual for o género, a faixa etária ou a situação amorosa. Para Jane Mathews, a autora do livro A Arte de Viver Sozinha e Adorar, não foi um processo fácil mas a história tem um final feliz. Especialista em marketing, esta britânica viu-se a braços com a decisão de ir morar sozinha, depois de um divórcio que não estava nos seus planos de vida. Mudou de carreira. Adoptou hábitos mais saudáveis. Conheceu pessoas. Estabeleceu rotinas novas. Em entrevista à Máxima, conta os maiores desafios de uma vida "a solo" mas também as maiores adversidades.
Jane, viver sozinha não foi uma decisão premeditada, é verdade? Pode partilhar um pouco da sua história?
Eu nunca pensei que viveria sozinha – poucos de nós pensamos – e não foi a escolha mas sim o acaso que me levou a isso. Passei por um divórcio repentino – simplesmente não estava à espera – e de repente fui catapultada, contrariada, para uma vida a solo. Ao início senti-me completamente despreparada, e nem sempre foi fácil. Havia tantas adversidades como benefícios, mas gradualmente fui aprendendo não só a melhorar a minha vida sozinha como a adorá-la. Tive que sair da minha zona de conforto, precisei de um pouco de disciplina (que é contra a minha natureza!) mas aprendi muito, fiz coisas que nunca pensei fazer, fiz novos amigos e até mudei de trabalho. Nada disso teria acontecido sem o ímpeto que me levou a estar sozinha. Mas tudo isto levou o seu tempo…
Qual foi o ponto de viragem para essa transformação?
Acho que não houve um momento em particular em que me tenha apercebido que passei a lidar bem com o facto de viver sozinha. Por outro lado, como examinei todos os aspectos da minha vida, dos relacionamentos, à saúde e finanças, da minha casa à minha espiritualidade, e conscientemente me adaptei a estar sozinha, as coisas começaram a ir ao lugar naturalmente. Pelo caminho tornei-me muito mais forte mentalmente, mais inventiva e aventureira. Até a minha pele melhorou! Tentei encontrar um livro que me ajudasse a "navegar" nestas águas, por vezes perigosas, mas não consegui, então escrevi-o eu. Está escrito de uma forma muito directa, com um estilo muito pessoal. Tenho-me sentido lisonjeada com o feedback, e com o facto de ter sido útil para tantas pessoas. Alguém o descreveu como um melhor amigo sentado à beira da cama, a dar bons (e divertidos) conselhos.
Continua a perpetuar-se aquela ideia de que precisamos de outra pessoa para estarmos completos? Essa ideia está a mudar na nossa sociedade?
Continua a ser um estigma, para as mulheres e para os homens, viver-se sozinho numa sociedade onde casais e famílias são consideradas o "ideal" e a norma (mesmo que estatisticamente isso seja mentira!). Estas convenções estão tão enraizadas na nossa mente, na nossa sociedade, nos nossos media, em Hollywood, que é difícil invertê-las. Nós, "solistas" devíamos ser o "novo normal", mas ainda não é assim. Somos os outliers da sociedade [caso atípico].
Planear tudo meticulosamente pode ser uma tragédia quando as coisas não correm como esperado?
Não, de todo! A vida é uma confusão. Eu acredito que para se viver uma vida feliz e satisfatória por si só (ou, de forma mais precisa, preenchida por nós próprios) é importante passar algum tempo a pensar sobre a direção que queremos tomar, e em como cada aspecto da nossa vida contribui para isso. Avançar nem que seja um pequeno passo no sentido certo, todos os dias, vai ajudar a encontrar essa direção. Ninguém quer ser aquela pessoa que diz: "não sei como é que este ano passou [tão rápido]." É claro que as coisas nem sempre correm como previsto, e está tudo bem. Quando tudo se complica uso alguns truques como dizer a mim própria: "o que é que a Oprah, a Michelle Obama ou qualquer pessoa que eu admiro faria nesta situação? Ou se eventualmente um drone nos está a observar e a filmar a nossa reação para o filme da nossa vida – como é que iríamos querer ser vistos? Geralmente, as coisas que correm mal acabam por ser o ímpeto para a mudança, e no final o resultado pode ser maravilhoso.
A solidão é um sentimento que acaba por ser comum a todos nós, em algum momento das nossas vidas?
A solidão é simplesmente parte da vida, e é preciso reconciliarmo-nos com isso. Existem, porém, formas de lidar com ela. De uma perspectiva mental, é só um sentimento – não um facto, e é possível ultrapassá-la. Sendo compassivo consigo mesmo, e tentando atribuir-lhe um novo significado (…). De um ponto de vista mais prático, encontrar um hobby ou um interesse através do qual a pessoa possa evadir-se, identificar quais dos seus amigos são "apaziguadores" ou "radiadores" e ficar com os bons, fazer voluntariado, identificar aquilo que o faz sentir sozinho/a, desenvolver soluções, e por fim idealizar um grande projeto ou ideia que queira realizar – como uma grande viagem, uma renovação, uma nova carreira ou o que for. Pensar em grande.
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Assistimos muitas vezes a casos em que as pessoas querem viver sozinhas, mas acabam por ficar com a pessoa com quem tiveram uma relação (mesmo que tenha terminado) por causa da questão financeira. Como vê esses casos?
Tudo o que eu posso dizer é que eu acredito que uma das piores formas de solidão pode ocorrer [quando se está] numa relação. As pessoas apegam-se às razões erradas, incluindo finanças, e sim, é aterrorizante "saltar fora do barco". Mas a nossa preciosa, e única, vida merece felicidade verdadeira, quer se esteja numa relação ou não. Liberte-se, porque merece sempre melhor.
Qual é o maior desafio de se viver sozinho?
Uau… por onde começar? Há muitos desafios associados ao facto de se viver sozinho e eu não vou fingir que não. Primeiro, para ser pragmática, o mais desafiante é o custo. Financeiramente, viver sozinho é assustador. Gasta-se praticamente o mesmo nas contas mensais – renda ou empréstimo, seguro, gás, electricidade, água, seguros, comida – que um casal. Em segundo lugar, quando se está doente não há ninguém mais perto para ajudar. É vital ter um verdadeiro grupo de amigos, um bom médico, vizinhos…Claro que depois há outras coisas como segurança, solidão, ir de férias, ir para eventos anuais como festas de Natal ou aniversários, sozinho… mas há uma série de coisas que podem deixar-nos de rastos, como mover mobília pesada, pendurar uma moldura pesada, espantar uma aranhaou simplesmente abrir um frasco. É preciso ser-se forte – em todos os sentidos.
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Há uma certa culpa na mensagem quase sempre romântica que chega de Hollywood?
Não tenho dúvidas de que a indústria do Cinema perpetua a ideia da Arca de Noé, a convenção do dois a dois, mas isso está a mudar e vai continuar a mudar. Nós que vivemos a ‘solo’ somos um exército poderoso que chega aos três milhões de pessoas no mundo. Somos a fatia da população que mais está a crescer, por isso a mudança é inevitável. Já conheci e entrevistei muitas pessoas que vivem sozinhas e somos demasiado fortes e resilientes para nos preocuparmos com o que Hollywood pensa ou faz.
Que comentários mais ouve, quando diz que mora sozinha?
A maior parte dos comentários não são ditos, e as pessoas sentem-se felizes por não serem elas a estar na situação, mesmo que a relação dessas pessoas esteja longe de ser perfeita. Muitas pessoas (que estão numa relação) falam sobre como nunca iriam a um restaurante, ou de férias, sozinhos… claro que podiam fazê-lo. Neste momento já estou habituada a isso, e desenvolvi uma "armadura" forte. Algumas pessoas sentem pena por "nós", mas toca-nos a nós lutar pela nossa felicidade e mostrar quão felizes podemos ser estando sozinhos. E afinal quem não adorava dormir "na diagonal" todas as noites?
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Qual é a maior loucura que já fez ao viver sozinha?
Nada em particular, apenas a liberdade absoluta para fazer aquilo que quiser e quando quiser. Comer restos de pizza do jantar ao pequeno-almoço, beber uma flute de champanhe domingo de manhã, passar o dia de pijama a comer snacks quando chove, dormir nua na varanda, dançar ao som de música trashy dos anos oitenta, ir passear numa noite de lua cheia, e a lista continua…
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Jane Mathews, autora do livro A Arte de Viver Sozinha e adorar.
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A Arte de Viver Sozinha e Adorar, de Jane Mathews, €16,60 (Contraponto)