Estou casada há 15 anos e no ano passado descobri que o meu marido me traía há 2 anos, com uma colega do Mestrado que então frequentava. Na altura foi um choque, fiquei desfeita. Porque tínhamos uma filha, resolvi ficar em casa, embora ele passasse a dormir no escritório e assim permanecemos por um ano até que, recentemente, nos voltámos a aproximar. A nossa relação tinha vindo a deteriorar-se há 10 anos, desde o nascimento da Maria, com grande afastamento físico e emocional. Mas não sei como, sentimo-nos ligados. Foram 20 anos juntos e uma história conjunta que nos liga. Disse-me que na altura se apaixonou pela colega, mas que continua a amar-me, bem como à nossa família. Terminou tudo entretanto, já lá vai quase um ano e sei que foi caso único. Muitos agora me criticam, dizendo que não deveria perdoar. Mas, por estranho que pareça, o nosso projeto de família continua a fazer-me todo o sentido… até a nossa vida sexual melhorou desde então… Faço bem em voltar a acreditar? Carlota, 40 anos, Lagos.
Cara Carlota, desde já a felicito pela procura de soluções para o seu casamento, não obstante a dor sentida, bem como a capacidade de reflexão sobre a vossa história de vida.
Numa relação assente no paradigma de exclusividade, a situação de infidelidade traz sempre dor e, em muitas situações, revolta e dificuldade em perdoar. Naturalmente que não tenho resposta sobre o caminho a seguir, mas trarei algumas questões sobre conjugalidades e infidelidades que poderão ajudá-la na sua reflexão e tomada de decisão.
Se muitas vezes as relações românticas iniciam por uma fase de amor apaixonado, em que predomina uma idealização do outro e uma vontade muito forte e frequente de estar, esta qualidade de amor (em que chega a haver alterações neuroquímicas que nos conduzem a estados de êxtase e emoções positivas muito intensas)dura, de acordo com alguns investigadores, entre meses a pouco mais de um par de anos. De modo geral, tende a transformar-se num amor companheiro, onde há romantismo, mas ainda um propósito conjunto, cumplicidade, amizade e pertença aprofundados. Neste sentido, é criado espaço para interesses individuais, para além do espaço conjunto. Nestas fases, haverá maior ponderação nas decisões de futuro (menos impulsivas e arrebatadoras que na fase da paixão) ao mesmo tempo que uma eventual vulnerabilidade a um quotidiano com desafios variados.
Com o passar dos anos, o casal pode assim entrar numa rotina desafiada por stress de trabalho, projetos e interesses individuais, gestão das famílias de origem, gestão de dinheiro e muitas vezes o nascimento dos filhos (note-se, a título de exemplo, que alguns estudos referem que cerca de 70% dos casais sofrem uma crise depois donascimento do primeiro filho). Se o significado da união conjugal se pode fortalecer, se não houver uma atenção especial, o casal pode efetivamente afastar-se ou mesmo perder o sentido de pertença.
Num afastamento menos consciente, ou em crises mais evidentes, o casal pode assim ficar mais vulnerável e afastar-se. Pode aqui surgir mais espaço para sentimentos por outras pessoas, ou mesmo de relações extraconjugais efetivas (sexuais e/ou emocionais). Não obstante hoje se procurar no parceiro a resposta a grande parte das necessidades emocionais (românticas, sexuais, de amizade, de cumplicidade, intelectual, etc), o facto é que é importante existir mais do que essa relação (falo de familiares, amigos, hobbies ou trabalho), criando assim uma vida completa e rica em termos individuais, o que irá enriquecer a vida a dois (que corre menos riscos de saturar), numa dinâmica em continuados equilíbrios e desequilíbrios em que o espaço a dois seja tambémalimentado (romantismo, erotismo, projetos conjuntos, etc).
Muitas vezes, quando falamos de infidelidades, falamos de um espaço que alguém encontra como escape, sentimentos arrebatadores e intensos, quebra de uma rotina, retornar ou explorar um ‘eu’ que não existe naquela relação... Em cada relação encontraremos uma parte de nós, e quando escolhemos um caminho numa relação exclusiva, assumimos o compromisso de estar num percurso conjunto em que nos desenvolvemos individualmente com aquela pessoa e noutras áreas de vida. Muitas vezes seguimos esse compromisso. Outras vezes, perante múltiplos desafios e/ou afastamentos, pode acontecer que esse espaço seja aberto e/ou concretizado.
Muitos casais, perante uma crise com uma infidelidade associada, procuram dar a volta, encontrando um novo sentido ou renovando a relação naquilo que poderia não estar bem anteriormente. Se ambos estiverem disponíveis para conversar abertamente, e abrir espaço para umrecomeço, pode ser em tudo positivo. Mesmo ao nível da sexualidade, como referiu. Se, no entanto, houver tendência para "castigar" o outro, com controlo de mensagens, e-mails, espaço de hobbies etc, e trazer o assunto em cada discussão, a conjugalidade pode permanecer em crise por muito tempo com sofrimento para ambos – nesse caso pode ser útil recorrer a um terapeuta conjugal, a fim de encontrar um espaço em que recuperar a relação seja possível, numa dinâmica relacional positiva e construtiva.
Uma crise é sempre sinal de parar e refletir, ver o que há para melhorar e otimizar, ou em algumas situações compreender que o fim já tinha acontecido. Muitas relações terminaram antes de uma infidelidade ser concretizada, servindo esta de gota de água. Noutras vezes é sinal de ponto de viragem para algo novo e melhor. Só os dois terão essa resposta.