Clube Zero. O filme que aborda os distúrbios alimentares (e está a provocar mal-estar em alguns espectadores)

Esta obra cinematográfica mergulha numa análise mordaz da sociedade contemporânea, explorando os perigos da manipulação e a busca dos jovens por significado. Este filme cativante e provocador não deixará ninguém indiferente. Falámos com a realizadora sobre o tema.

CLUBE ZERO (2023)
29 de julho de 2024 às 11:58 Safiya Ayoob / Com Rosário Mello e Castro

O som inicial evoca o anúncio típico de um aeroporto, mas é apenas a campainha do colégio. A imagem revela um ambiente incerto: uma sala, uma biblioteca, ou um espaço de convívio? Os alunos recolhem as cadeiras, formam um círculo e sentam-se. Assim, conhecemos as personagens: sete alunos - Fred, Elsa, Ben, Ragna, Helen, Corbinian e Joan - e a nova professora de nutrição, Ms Novak, interpretada por Mia Wasikowska. A realizadora austríaca, Jessica Hausner, descreve Clube Zero à Máxima como "uma sátira artística sobre uma sociedade carente de compreensão mútua e comunicação efetiva, onde a fé pode facilmente transformar-se numa solução perigosa."

Foto: Getty Images
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Estreou na edição do Festival de Cannes do ano passado. A narrativa de Clube Zero desenrola-se em torno da Ms Novak, uma dedicada professora que, ao ser contratada por uma prestigiada escola de elite, rapidamente estabelece uma ligação profunda com os seus alunos. Com uma abordagem pedagógica inovadora, Novak introduz uma aula de nutrição que não só desafia os métodos tradicionais, como também inspira uma mudança drástica nos hábitos alimentares de toda a comunidade escolar. A sua influência torna-se cada vez mais significativa, fomentando uma verdadeira revolução de saúde e bem-estar entre os estudantes. No entanto, à medida que o seu impacto cresce, a relação entre Novak e alguns alunos começa a evoluir para territórios mais complexos e perigosos, levantando questões inquietantes sobre os limites da sua autoridade e a natureza do seu poder transformador. "A mensagem principal [do filme] é complexa! É exatamente essa a questão: é um assunto que não pode ser facilmente julgado nem resolvido. Convido o público a experimentar uma situação em que não é fácil encontrar uma resposta simples, porque há mais do que uma resposta. É claro que queremos condenar o tipo de manipulação que é mostrado no filme, mas ao mesmo tempo sentimos a necessidade dos jovens de fazer a diferença, de se destacarem, de protestarem e compreendemos que a Sra. Novak lhes está a oferecer uma forma de atingirem os seus objetivos. E, claro, queremos que os pais acordem e compreendam a situação, mas todos sabemos como é difícil ver as coisas à frente do nariz..."

Foto: DR

O tema está esclarecido, mas há que mencionar a cinematografia. A estética visual de Clube Zero é muito distinta, com cores vivas que contrastam com a natureza sombria da narrativa. Além disso, a banda sonora, obra de Markus Binder, acrescenta uma camada de suspense e sátira ao filme. Qual foi a intenção destes contrastes visuais e sonoros? "O nosso objetivo é criar um tom de absurdo: há um certo contraste entre os fatos coloridos e a tragédia de algumas cenas. Elsa, na sua cama cor-de-rosa em forma de coração, come o seu próprio vómito. A música também comenta por vezes as cenas ou até contradiz a emoção evidente. Assim, criamos uma distância que permite ao público refletir sobre o que está a viver."

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A verdade é que esta não é uma obra obra para todos, mas há que reconhecer as mensagens que são sim, para todos. "É evidente que a nossa sociedade venera mais o dinheiro do que o humanismo. Isto cria um défice de atenção e de apreço pela geração jovem. Os pais estão sobrecarregados de trabalho e distraídos. Os professores também. O terreno perfeito para um desastre." Relativamente à temática da influência que Ms Novak tem sobre os jovens e da ideologia perigosa que acompanha este grupo, a realizadora ressalta: "a questão mais importante é: porque é que os jovens procuram respostas radicais hoje em dia? Será para se fazerem ouvir, porque de outra forma ninguém os ouviria?".

Foto: DR

A conversa volta para longa-metragem. O filme mostra a formação de um culto sob a direção de Ms Novak. Como é que utilizou elementos visuais, como a disposição das personagens e o mise-en-scène, para ilustrar a crescente coesão e radicalização do grupo? "A minha mise-en-scène funciona sempre como uma coreografia: os atores ensaiam os movimentos e o fluxo de ação dentro do enquadramento limitado até parecer quase natural, mas só quase. Procuro uma noção de movimentos ligeiramente não espontâneos e, portanto, previstos. As personagens dos meus filmes não são livres nem originais. Atuam de acordo com as regras da sociedade em que vivem. Ou, por vezes, não o fazem - mas, em qualquer dos casos, quero afirmar o facto de que todos nós obedecemos a certas regras, padrões e procedimentos rigorosos da nossa sociedade. Ninguém é livre de fazer o que quer."

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As perguntas acabam a querer saber mais: que temas ou histórias gostaria de explorar a seguir? "Vida profissional: excesso de trabalho e exploração. Será que trabalhamos para podermos viver? Ou será que vivemos de facto para podermos trabalhar?"

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