Em pleno turbilhão da vida, cativa-nos em dois filmes: 360º, do brasileiro Fernando Meirelles, e O Legado de Bourne, do americano Tony Gilroy. E a verdade é que nunca nos cansamos dela.
Rachel Weisz: Na espuma dos dias
26 de setembro de 2012 às 06:00 Máxima
Em pouco mais de um ano, a sua vida deu uma volta completa. Abandonou a relação que mantinha com o realizador Darren Aronofsky, e de quem tem um filho, e casou no final do ano passado com o ator Daniel Craig, que conhecera na rodagem de A Casa dos Sonhos. Uma volta de 360º como o título de um dos dois filmes que agora estreiam. Rachel Weisz não tem parado. E para que não restem dúvidas, é ela própria quem explica, com uma pontinha de malícia, a fonética do seu apelido: “Deve ler-se ‘vice’, como o oposto de virtude”, demonstraria durante uma entrevista. No fundo, o apelido deve-se ao seu pai, um judeu inventor que fugiu com a família da Hungria para Inglaterra para escapar à ameaça nazi.
Atualmente vive em Nova Iorque, após o tal casamento secreto, em novembro, apenas na companhia de dois amigos, para além do filho dela, Henry Chase, agora com cinco anos, e a filha de Daniel. Rachel procura agora a todo custo uma privacidade que parece estar a conseguir manter. Exceção feita às obrigações de promoção de filmes, mas também das marcas que representa, a roupa do costureiro Narciso Rodriguez, de quem é a “musa”, bem como o recente estatuto de embaixadora global da L’Oréal. Fora isso, a britânica naturalizada americana, no ano passado, está empenhada em dar uma vida pacífica ao filho. Como a compreendemos.
PUB
'Acho que há muita pressão hoje em dia para sermos mães perfeitasResignemo-nos então ao vício de Weisz. Contudo, a presença de Rachel no grande ecrã nunca será em demasia. Mesmo sem ser protagonista em ambos os filmes que estreiam na mesma semana de agosto – 360º e O Legado de Bourne –, é impossível desviar o olhar desta londrina petit de ascendência de emigrantes húngaros. No primeiro, o tal de Fernando Meirelles, o mesmo de Cidade de Deus e O Fiel Jardineiro,que valeu a Weisz o seu único Óscar (2006), participa num novelo de relações que unirão as diversas personagens em outras tantas cidades. Ela é Rose, uma londrina que vive um affaire com um homem, ao mesmo tempo que o marido (Jude Law) procura o prazer velado com uma prostituta de luxo. “Adorei o guião e a ideia de ser um verdadeiro filme de colaboração, em que cada um de nós contribui para a história”, disse acerca desta experiência e da oportunidade de voltar a trabalhar com o reputado realizador brasileiro. “Foi a oportunidade de voltar a passar uns dias com o Fernando, que admiro imenso”, confessou, acrescentando: “Mas foi também um contrarrelógio, como não tínhamos muito tempo para afirmar a personagem, o desafio é mergulhar de cabeça.” Assim fez.
Já em O Legado de Bourne,Rachel tem a missão de representar a solidez feminina num veículo de ação carregado de testosterona transpirada por Jeremy Renner a substituir Matt Damon na saga inspirada pelas novelas de Robert Ludlum. Com tanta abundância de Weisz, não podemos lamentar a ausência nas nossas salas desse magnífico melodrama romântico chamado The Deep Blue Sea,do veterano britânico arrebatado chamado Terence Davies. Desde logo por se tratar, muito provavelmente, do melhor trabalho de Rachel. Cabe-lhe o tortuoso papel de uma mulher apaixonada, na Inglaterra dos puritanos anos 50, em pleno pós-guerra, que se entrega perdidamente a um ex-piloto de aviação que a usa e não a ama.
Ultrapassadas as apresentações e indicados os motivos da nossa conversa, optamos por ficar a conhecer melhor esta atriz de quem se fala do que pormenorizar os incidentes dos filmes. Têm é de ser vistos. Nem tanto as inúmeras personagens que já interpretou, mas sobretudo o papel de mulher e mãe que representa uma boa parte da sua vida real. Ou até algo mais espiritual.
Como encara a abundância e a variedade (ou a falta) de papéis femininos verdadeiramente interessantes?
PUB
Desde logo a pensar que nunca são suficientes. Haverá alguns, poucos, da mesma forma que existem também menos realizadoras e menos argumentistas. Por isso, é natural que existam menos papéis femininos com garra. Sejamos claros: a indústria de cinema é governada por homens. Mas também isso está a mudar. Acho que precisamos de mais produtoras e realizadoras para contar histórias femininas.
De que forma o nascimento do seu filho mudou a sua vida?
Mudou completamente, a partir do momento em que passámos a ser três. Foi uma alegria muito grande. Passou a ter um significado diferente, um significado que retira grande parte das crises existenciais. Como mãe, temos esta criança para cuidar e proteger. Isto é algo de muito belo.
Tem sido difícil manter o equilíbrio entre a vida familiar e o trabalho?
PUB
Eu não sou a única mãe trabalhadora. Mas tiro o chapéu a todas elas. No entanto, quando o Henry era ainda pequeno vinha comigo. Aliás, os locais de filmagens são muito convidativos a crianças e animais domésticos – é uma espécie de circo [risos]. Quando a escola começa, já é mais complicado.
Imagino que seja o tipo de pessoa que necessita de estabilidade para funcionar?
Sem dúvida. Não me dou bem com o caos. Preciso de muita estabilidade.
Acha que isso é difícil nesta profissão?
PUB
Aprendemos a sentir essa estabilidade. Porque quando temos família, temos também estabilidade. Não me dou bem com o conflito.
Consegue encontrar essa estabilidade mesmo na sua vida agitada, sempre entre filmes e onde a sua família não está consigo o tempo todo?
Acho que é algo que temos de transportar dentro de nós...
Até que ponto se torna complicado regressar ao papel de mãe depois de interpretar personagens mais obscuras ou deprimentes?
PUB
A única forma de se ter sucesso como mãe e atriz é não transportar connosco o peso dessa personagem. Quando estou a trabalhar, é tudo realidade, mas quando paro deixa de ser.
Sente agora que consegue atingir níveis de emoção diferentes?
Tenho a certeza que sim. Ser mãe e ter uma criança foi algo que me modificou profundamente. É fantástico porque nunca fui tão feliz na minha vida. É uma alegria vê-lo descobrir o seu mundo.
Até que ponto isso a modificou enquanto mulher?
PUB
Tenho a certeza que muitas mães concordarão: é que estranhamente acho que consigo fazer ainda mais coisas. Tornamo-nos mais eficientes a gerir o nosso tempo, mais organizadas, mas também mais felizes. Sinto que tenho agora um objetivo maior na minha vida.
Qual foi o maior desafio que enfrentou enquanto mãe trabalhadora?
Acho que uma das coisas de que as mães têm receio de falar é do desespero que às vezes passam em casa com os filhos. São aqueles momentos em que o mundo parece desabar e só nos apetece gritar. Acho que há muita pressão hoje em dia para que sejamos mães perfeitas. Sinto que as mulheres devem reunir-se em grupos e poder expressar aqueles momentos em que quase nos apetece saltar pela janela. Apesar das crianças serem a coisa mais preciosa da vida, também nos estão a testar.
A sua personagem no filme Visto do Céu perdeu uma criança, que é possivelmente o maior pesadelo para uma mãe. Considera-se uma mãe mito protetora?
PUB
Acho que sou o que sempre fui, ou seja, muito protetora. Tal como qualquer mãe. Isto numa medida normal e saudável. Nada mudou. Isso foi apenas uma história terrível. Espero apenas que não me aconteça a mim nem a ninguém próximo.
Se não tivesse tido o seu filho, acha que teria abordado esse papel de maneira diferente?
Enquanto atriz, faz parte do meu trabalho poder imaginar tudo, mesmo que não faça parte da minha experiência.
Em In The Deep Blue Sea interpreta uma mulher apaixonada pelo homem errado...
PUB
O que achei mais fascinante sobre esta mulher é que ela se sentia completa e irremediavelmente apaixonada por alguém que não a amava. Era algo que não conseguia controlar. Foi interessante sentir alguém perder o controlo. Ela atira-se aos pés dele. Nesse sentido, é uma história de descoberta sexual. Acho que ela nunca sentiu paixão ou amor erótico. Viveu uma vida burguesa, casada com um juiz, e nunca se permitiu esses sentimentos.
Acha também, enquanto artista, que é necessário sofrer para criar algo credível?
Sim, mas para algumas pessoas pode ser apenas um pouco de dor. Isso depende da sensibilidade de cada um. Não necessitamos de ter um grande trauma, mas isso pode ajudar.
Muita gente acha surreal o trabalho numa indústria como a de Hollywood. Partilha dessa opinião?
PUB
Mas eu não vivo lá. Vivo em Nova Iorque e Londres. Apenas vou a Hollywood algumas vezes.
O que faz, então, para sair do seu estilo de vida mais agitado?
Faço ioga [risos]. Pelo menos, às vezes, pois nem sempre tenho o tempo que desejava. Mas gosto de fazer exercício físico. Sair desse estilo de vida de que fala pode ser apenas estar com o meu filho, passear no parque, comer uma pizza.
Acredita em algo mais sobrenatural? Acha que a vida pode ter esse significado?
PUB
Acredito nas pessoas boas que se dedicam a fazer o bem. Mas também existem as outras, que desejam fazer mal. Acho que tanto o céu como o inferno estão aqui mesmo.
Disse uma vez numa entrevista que por vezes se sentiu como um espírito...
Acho que todos nós temos um espírito. Por vezes, quando olhamos alguém nos olhos conseguimos ver o espírito dela. Mas é só isso, nada mais.
Considera-se então uma pessoa espiritual?
PUB
A vida é muito preciosa. Todos iremos morrer um dia, mas há muitas experiências para receber.
Lembra-se quando foi que decidiu ser atriz?
Quando estava ainda no liceu, provavelmente nos meus 18 anos.
Era nessa altura a única opção que admitia?
PUB
Sim.
Considera-se mais uma mulher citadina ou do campo?
Sou ambas. Gosto de estar na cidade, mas não dispenso a calma do campo. Sem e-mail... [risos]