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Prazeres

“Paloma”, um ensaio belo sobre a feminilidade e o género

Nas salas de cinemas portuguesas a 14 de março, o filme segue a vida de uma mulher trans que deseja casar e ser aceite na comunidade e na Igreja.

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“Paloma”, um ensaio belo sobre a feminilidade e o género
05 de março de 2024 às 14:38 Rita Silva Avelar

Kika Sena, na pele de Paloma, desarma-nos aos primeiros minutos do filme do qual é protagonista. Rendemo-nos à sua particular forma de se entregar ao papel, crua e pueril, sem medo de mostrar defeitos, falhas, pobreza e vaidade, tudo misturado. Paloma é uma mulher trans que procura a sua essência, procura ser feliz, embora lhe vejamos tristeza no olhar em vários momentos, como se algo lhe faltasse.

Foto: DR

Paloma, filmado em Pernambuco e baseado numa história real, é uma narrativa visual com olhar documental, do realizador brasileiro Marcelo Gomes (Recife, Brasil) e produzido pela Ukbar Filmes, da Pandora da Cunha Telles e do Pablo Iraola -, segue a vida desta mulher trans que quer apenas ser vista e aceite como igual por uma sociedade pouco aberta, ainda, à diferença, no Brasil. Embora Paloma seja aceite no seu ciclo – trabalha numa fábrica agrícola apanhando mamões com outras mulheres que a idolatram, tem uma filha, Jennifer, em comum com uma amiga, e uma comunidade de pessoas trans que a apoia nas horas difíceis – o resto do mundo parece persistir no preconceito. Paloma também é negra, nordestina e analfabeta. Tudo isso lhe pesa, quando quer apenas pertencer, viver à sua maneira, estar com a sua filha e com Zé, o homem que a aceita como ela é mas com algumas reservas, uma condicionante que se vai acentuando à medida que a história evolui.

Foto: DR

Marcelo Gomes parece querer insistir na tal ideia do belo, do feminino, há shots lindíssimos do rosto de Paloma, que nas horas vagas também é cabeleireira, e que a dado momento desperta para o sonho de casar na Igreja Católica, enquanto a vemos preparar o cabelo de uma amiga que sobe ao altar. É nesse instante que se dá a viragem da história – Paloma chega a pedir a uma amiga para escrever uma carta ao Papa, manifestando o seu desejo de ser acolhida como filha de Deus perante a Igreja. Neste ponto, o filme procura confrontar uma instituição que ainda não aceita o casamento entre pessoas do mesmo género, o argumento – de Marcelo com Gustavo Campos e Armando Praça - torna-se político, também. Não só nesta cena, mas quando, por exemplo, uma das amigas trans de Paloma é morta. (Recordamos que o Brasil possui a maior taxa de homicídios de mulheres transgénero registada: nos últimos oito anos, mais de 886 foram mortas).

Foto: DR

É quando um padre aceita casar Paloma e José que tudo muda. Quando tudo se assemelha a um sonho, e já na lua de mel, o casamento torna-se público e alvo de escárnio por parte de todos, incluindo da mãe de Zé. Surpreende-nos a força como encara o seu destino. De certo modo, Paloma parece aceitar a fatalidade que a espera de olhos sempre postos numa missão: sobreviver num mundo que ainda não evoluiu. Precisamente, em todo o filme sobressai essa vontade incondicional que Paloma tem para querer viver a vida à sua maneira, não desistindo dos seus sonhos nunca, com um certo ar naïf que se mistura com uma força imensurável que parece ter dentro de si.

Foto: DR

Marcelo Gomes lançou a sua primeira longa-metragem Cinema, Aspirina e Urubus em 2005, teve a sua estreia no Festival de Cannes em 2005, onde ganhou o prémio da Educação Nacional de França, participou em 80 festivais de Cinema e recebeu 52 prémios. Lançado em 2022 no Brasil, Paloma arrecadou distinções no Festival Internacional de Cinema de Chicago e no Rio de Janeiro International Film Festival, e foi nomeado pela Academia de Cinema do Brasil para competir na seleção internacional dos Óscares de 2023. No elenco tem ainda Ridson Reis, Zé Maria, Suzy Lopes, Ana Marinho, Samya de Lavor, Wescla Vasconcellos, Patricia Dawson, Nash Laila, Buda Lira e Anita de Souza Macedo. Chega às salas de cinema nacionais 14 de março.

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