As histórias da Cervejaria Ramiro, um ícone gastronómico de Lisboa
O novo livro celebra os mais de 60 anos do restaurante com imagens e textos da sua história, dos fornecedores dos ingredientes até à cozinha “aluscinante”, como descreve Alexandra Prado Coelho.

Fundada a 7 de abril de 1956, a Cervejaria Ramiro é hoje um ícone gastronómico de Lisboa e, sem exageros, uma referência mundial da restauração. O lançamento do livro Ramiro – Cervejaria celebra os mais de 60 anos da casa e homenageia o seu fundador, o senhor Ramiro, e todos os que fizeram e ainda fazem parte de um dos restaurantes mais fascinantes da capital portuguesa.
Dividido em quatro capítulos, Alexandra Prado Coelho, jornalista do Público desde a fundação do diário, em 1990, leva-nos numa viagem de 242 páginas à história e às memórias deste lugar, complementadas pelas impressionantes imagens de Paulo Barata, fotógrafo, co-criador e diretor do festival de gastronomia Sangue na Guelra.

"Foi uma coisa muito interessante entrar neste mundo do Ramiro e tentar perceber a história e não só - como nasceu, quem era o senhor Ramiro, mas também como é que esta casa se tornou tão especial, tão particular em Lisboa. Como é que eles trabalham, de onde é que vêm os produtos e etc…E pronto, eu aceitei", conta-nos Alexandra.
"Os testemunhos mais comoventes que eu tive a oportunidade de ouvir foram de alguns dos funcionários mais antigos da casa, que ajudaram a compor esta imagem do senhor Ramiro. Só podia construir a personagem depois do que foi me sendo contado. Eu fui juntando pecinhas de um puzzle e fui compondo na minha cabeça a imagem deste homem, que era uma figura marcante e super carismática, este galego que chegou ali e fez uma marisqueira deste nível porque tem uma visão, porque sabe o que quer."
Nos últimos anos, a Cervejaria Ramiro cresceu muito com o impacto todo que o turismo teve na cidade de Lisboa, com a atenção mediática que teve com os programas de televisão, com a presença do ex-apresentador da CNN Anthony Bourdain e até programas com muito impacto em países com a Turquia, a Coreia do Sul e o Japão, coisa que provavelmente o próprio senhor Ramiro não imaginaria.
"Há uma parte do livro que se chama ‘Os Segredos do Ramiro’ que conta o que faz dessa casa única. E eu acho que é isso que leva os clientes habituais, os portugueses, a voltar lá porque nós sabemos que tantos outros sítios em Lisboa ou no Porto ou de Portugal, as pessoas cansaram-se de ver tantos turistas e portanto os próprios habitantes da cidade fugiram. E no caso do Ramiro ele continua a ter esta clientela habitual, porque eles conseguem manter alguma coisa desse tal espírito original, embora a casa tenha crescido", acredita Alexandra.
A completar o texto tão fácil de ler, há uma série de fotografias que mostram o lado bonito e cru do restaurante. "É alucinante ver trabalhar aquelas pessoas. Eles conseguem fazer sair pedidos e pedidos e pedidos e estar sempre a dar resposta àquelas muitas salas. Percebe-se que eles têm uma coreografia na cozinha que é absolutamente fascinante de ver. Passam umas santolas, saltam uns percebes, voltam a cortar mais pregos… Esse movimento e a descrição desse ritmo frenético deu muito gozo fazer", confessa Alexandra Prado Coelho. O fotógrafo do livro, Paulo Barata, pontua: "O livro não tem nenhuma receita e não tem nenhuma fotografia de prato em estúdio. Tem cerca de 100 páginas de portefólio meu dentro da cozinha do Ramiro, dentro do restaurante, algumas imagens dos funcionários de sala… Orgulho-me de ter sido o primeiro e o último fotógrafo a ter entrado pela primeira vez na cozinha do Ramiro. Nunca nenhum fotógrafo tinha feito este trabalho e o Pedro Gonçalves, responsável pelo Ramiro e casado com a filha dele, já me disse que mais ninguém vai entrar naquela cozinha. Fui o primeiro e o último", ri-se Paulo.
"Já tive em quase todas as cozinhas desse país, faltava-me uma cozinha dessas, de um registo mais popular, sem ser fine dining, e foi fantástico. Era um desafio que me faltava: uma cozinha popular, muito quente e com muito barulho", partilha Paulo. E não foi apenas no Ramiro que ficou. Ter viajado de barco para fotografar os percebes [do Arquipélago] das Berlengas, em Peniche, por exemplo, fez parte do trabalho. "A respirar adrenalina, para mim, é fantástico. Também fomos visitar a Ria Formosa, de onde vêem as ostras do Ramiro, fui a Espanha, a Jabugo, onde fica a fábrica do [presunto] Cinco Jotas, fui também de barco para a Ria de Aveiro, à fábrica das Sagres, ao fornecedor de sapateiras, santolas e lagosta na zona do Guincho – e esperei por um dia com céu carregado, com tempestade, porque para mim o Guincho é isso, é aquele mar intenso, revolto. Foi um trabalhão realmente incrível", recorda o fotógrafo.

Foi Paulo que sugeriu um capítulo sobre sustentabilidade. "Estive na lota de Vila Real de Santo António até às 4 ou 5 da manhã à espera que chegassem os barcos do marisco para percebermos o que é que ainda nos resta na Costa portuguesa e fiquei um bocado deprimido porque já não resta muita coisa. Os recursos naturais estão realmente a acabar, não se respeitam os defesos [período em que as atividades de caça, coleta e pesca esportivas e comerciais ficam vetadas ou controladas], principalmente os espanhóis, nós estamos com os nossos barcos parados e eles andam a capturar nas nossas águas e isso deixa-me triste", alerta Barata. E também me deixa triste que os chefs portugueses não se empenhem em causas como esta, de perceber o que se passa nas nossas águas. Gostam muito de dizer que temos uns carabineiros incríveis, temos uns camarões incríveis, mas será que os nossos chefs de cozinha sabem que está tudo a acabar muito depressa e que temos que tomar medidas? Os chefs enquanto líderes de opinião, as novas estrelas do século XXI, são pessoas realmente muito influentes, têm que chegar um bocadinho à frente dessas causas ambientais também, da poluição dos nossos mares".
A satisfação de Alexandra Prado Coelho e Paulo Barata é tão entusiasmante quanto a cozinha da marisqueira mais querida de Lisboa. "Não plantei uma árvore, mas tenho este livro do Ramiro", resume Paulo. O que nos fez perguntar como não havia ainda um livro sobre essa bandeira nacional, com um olhar onde quase se ouve o barulho do Ramiro?
Com a chancela da Plátano Editora e coordenação de Pedro Gonçalves e Paulo Barata, o livro já está à venda por €56.
