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Os milhões de sites, blogues e páginas de Facebook dedicados ao tema traduzem esta paixão que também é uma das tendências da estação. 

Frederico Edvardsen Cardoso, 39 anos, pai de quatro filhos, chega ao Parque das Conchas, no Lumiar, em Lisboa, com a caixa do seu tricô. Dentro, algumas amostras ilustram o grande prazer de Frederico em tricotar. Conversámos muito sobre técnica, fios e agulhas, mas acrescentámos à nossa agenda um tema muito caro a Frederico: “Como o tricô pode constituir um meio pelo qual se intervém socialmente, alterando estereótipos e preconceitos, e como o tricô pode ainda expressar uma linguagem social, política e artística.” Frederico Cardoso, filho de uma norueguesa, leva o tricô a sério. Ainda não é um profissional do fio. Frederico é diretor financeiro mas, à medida que foi descobrindo o admirável mundo do tricô, começou a investigar a técnica e a história, ponderou a natureza do negócio e identificou-se com a expressão criativa.

Na sua página de Facebook, Knitted by Macho Men, Frederico utiliza as agulhas e os fios para explicar que é preciso deixar cair preconceitos sobre os homens: “Porque é que sou menos homem por gostar de tricô ou desempenhar tarefas domésticas? Não entendo essas ideias”, desabafa. “Gosto de tricotar. Comecei por fazer gorros para os meus filhos e para a minha mulher. Numa primeira fase, os meus amigos olhavam, interrogando-se, mas cedo se habituaram. Como vê, tricoto com agulhas grossas. Também o tricotar depende da compleição física. Os homens têm as mãos grandes. Não me sinto confortável com agulhas finas”, explicou-nos.

Os homens sempre fizeram tricô. Os mineiros das Minas de S. Domingos, em Mértola, sentavam-se em frente às suas casas baixas e brancas, a tricotar as peças que os protegiam da humidade na mina. Os pescadores da Nazaré, litoral alentejano e Algarve também tricotavam as suas camisolas, gorros e cachecóis. Faziam-no, geralmente, fora da intimidade doméstica.

As mulheres, pelo contrário, tricotavam dentro de casa, em grupo, ao serão, conversando umas com as outras. O gesto automático do ponto embalava-as, e assim, concentradas no fio, teciam, sem saber, como Penélope na Odisseia de Homero, a teia de nós, metáfora de vidas duras, que eram as suas, nos anos 40, 50 e 60, em Portugal.

Era este o cenário sociológico do tricô no nosso país até aos anos 70. Depois, os homens, mesmo os mineiros e pescadores, deixaram de tricotar e as mulheres urbanas começaram a identificar o tricô com um passado não recomendável à ideia da mulher moderna que, entretanto, se construíra, política e socialmente, no Portugal dos anos 80 e 90. Porém, o resto do mundo europeu continuava a tricotar, como sempre fizera, sobretudo depois da guerra, quando a indústria têxtil massificou o design de moda, tornando os produtos da boa lã infinitamente mais acessíveis ao consumidor e ao mercado.

Rosa Pomar, 40 anos, empresária, proprietária da Retrosaria, uma das lojas de lã mais referenciada pelos tricoteiros portugueses, simboliza, em 2014, a mulher culta e cosmopolita que faz tricô desde os oito anos. A mãe e a avó já tricotavam. Foi com uma e outra que aprendeu a técnica e o gosto. Avó, mãe e neta são licenciadas. Em casa de Rosa Pomar nunca existiu o “estigma” social do tricô. Mas muitas das suas amigas, como nos disse, olhavam-na de soslaio, divertindo-se com o seu lado tricoteiro: “Houve, de facto, uma grande alteração da relação das pessoas com o tricô. Senti isso quando fui ao Pavilhão do Conhecimento fazer um workshop. O coordenador da iniciativa ficou impressionado com a quantidade de pessoas que apareceram.”  

Rosa anda pelo país à procura da melhor técnica, da melhor lã e da especificidade da cultura do tricô em Portugal. Publicou um livro, Malhas PortuguesasHistória e Prática do Tricot em Portugal, tem um blogue desde 2002 (aervilhacorderosa.com) e na Rua do Loreto, em Lisboa, a Retrosaria funciona como um lugar de socialização dos apaixonados desta técnica. Lembra-se que, quando começou a ensinar tricô e a conversar sobre as suas dinâmicas psicológicas, sociais e antropológicas, aparecia uma, duas ou três pessoas. Hoje em dia, quase todos os sábados há workshops na Retrosaria e, não raro, aparecem na loja pessoas apenas para partilharem os trabalhos que têm em mãos ou, simplesmente, conversar.

É este lado da socialização que mais atrai a maioria das mulheres que faz tricô. Existem dezenas de comunidades de pessoas que se reúnem apenas para conversar sob os auspícios das agulhas. Fazem-se amizades, como conta Andreia Silva, 19 anos, estudante de História. Por outro lado, explicou-nos ainda, “sentimo-nos úteis porque a maior parte do que produzimos doamos a instituições de solidariedade social ou a pessoas que precisam”.

Com os Médicos sem Fronteiras, por exemplo, trabalha, em todo o mundo, um batalhão de tricoteiras, as Tricoteiras sem Fronteiras, cujo resultado do gesto voluntário ajuda as missões humanitárias em países fustigados pela guerra ou por calamidades naturais.

Há ainda o lado terapêutico do tricô. Laurence Gonzales, especialista na arte da sobrevivência, escreveu em Surviving Survival, The Arte and Sciense of Resilience que a paixão pelas agulhas é um dos métodos mais eficazes na luta contra a depressão e o stress pós-traumático.

A Máxima conhece um grupo de mulheres que tricota há mais de 20 anos. São amigas. Juntam-se depois de jantar para tricotar, pelo menos uma vez por semana. Há de tudo neste grupo: professoras, funcionárias administrativas, publicitárias. Todas elas adoram o que fazem, têm filhos, gostam de teatro, literatura, cinema e música. Mesmo quando em Portugal tricotar era sinónimo de dona de casa, faziam-se acompanhar, sempre que podiam, do cesto carregado de fios, agulhas e modelos. Estas mulheres não vivem sem o tricô. Se a vida as desafia para momentos mais preenchidos e não podem tricotar, contam os dias que não dedilharam, resmungam, ficam impacientes.

Todas elas são unânimes num ponto: “O tricô é uma excelente terapia.” É verdade que não são dadas a depressões, apesar de terem tido vidas angustiadas, agitadas e sofridas. O tricô, dizem-nos, “ajuda a ter os pés bem assentes na terra e o facto de poder ser feito mecanicamente permite conversar, partilhar ideias, reforçar os laços de amizade e ler, simultaneamente”.

Mas o tricô também é uma arte. Até uma expressão de arte urbana. Vimos isso quando o tricô decorou a calçada de Lisboa, pela mão de Patrícia Simões e Tiago Custódio, arquitetos, com o projeto #neofofo.

Susana Bettencourt, designer de moda, 26 anos, açoriana, é talvez a criadora portuguesa que mais sucesso tem com esta arte. Conheceu o tricô aos cinco anos. Depois, foi estudar para o Saint Martins College of Art and Design e uma professora deu-lhe rédea solta para trabalhar malha. Hoje, é uma presença incontornável nas semanas de moda internacionais, tem uma marca própria e como clientes Lady Gaga, Beyoncé e Sheryl Crow.

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Tricot das Cinco

A ideia é ter uma sala aberta ao público, com chá e scones, para quem quer simplesmente tricotar. Mas, como não há ponto sem nó, subjacente a esta ideia existe ainda a possibilidade de os tricoteiros encontrarem “preciosos” fios, até aqui escassos no mercado, mas muito desejados, como os das marcas Drops, Malabrigo ou Fonty. A ideia foi de Ana Sofia Reis, tricoteira inveterada, que a concretizou, recentemente, na Avenida Poeta Mistral, em Lisboa. O conceito é original, o espaço simpático, o chá ótimo e os scones saborosos. Se vive em Lisboa e não lhe apetece estar em casa a tricotar, pegue nas agulhas e procure o Tricot das Cinco

Na rede

O www.ravelry.com é uma referência imprescindível para os amantes do tricô. É o mundo todo dentro de um sítio. Tudo, mas mesmo tudo, o que quiser saber sobre o tema encontra aqui, e muitos amigos, de todas as nacionalidades, do mundo inteiro. Em Portugal, há milhares de comunidades girando à volta do tricô. No Porto, a http://portoknits.wordpress.com/, em Oeiras,  http://tricotadeirasdeoeiras.blogspot.pt/, em Coimbra, a Guerrilha da Agulha, www.facebook.com/GuerrilhaDaAgulha

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