Palcos: Vestidas para bailar
Trocaram o catwalk pelas piruetas e as tendências pelo dramatismo. O sucesso de alguns criadores de moda nas passerelles levou-os a abraçar projetos sobre outros palcos e, depois do teatro e da ópera, foi a vez do ballet.
Estendeu-se a passadeira vermelha à porta do David H. Koch Theater, em Nova Iorque, para receber uma série de convidados ilustres e elegantes, vestidos a rigor. Os flashes correram na direção de Valentino e das divas com extraordinários vestidos do criador e por momentos ficávamos com a ilusão de voltar a ver uma coleção assinada por ele. Mas não. Quando deixou a sua casa de moda em 2008 Valentino, um fã de ballet, prometeu que iríamos voltar a ouvir falar dele e que iria dedicar-se a projetos de figurinos e cumpriu. Depois de ter vestido os bailarinos para o espetáculo de Ano Novo da ópera de Viena em 2010, no passado mês de setembro o New York City Ballet deu o mote para uma merecida homenagem ao criador e último imperador da moda na sua Gala de Outono. Pela primeira vez na sua carreira, o coreógrafo Peter Martin desenhou um bailado com base nos figurinos que em branco, preto, rosa, o eterno vermelho e muitos folhos ilustraram o palco com uma dose extra de graciosidade e elegância e que, seguramente, também saciaram as saudades das fãs.
PORTUGUESES EM CENA EM PORTUGAL
Depois de criar figurinos para ópera, Ricardo Preto rendeu-se também este ano ao bailado com a peça Danza Preparata. Um espetáculo de dança contemporânea que estreou em abril na Casa da Música, no Porto.
Um verdadeiro veterano, quer na moda quer no figurinismo, é Christian Lacroix. Ao longo de 22 anos a sua casa de moda sempre se caracterizou por uma certa teatralidade e dramatismo exuberante e, desde que foi forçado a encerrá-la em 2009, Christian Lacroix direcionou a sua criatividade para uma série de produções teatrais. Já é uma presença assídua pelos corredores da Ópera Garnier de Paris, que no ano passado foi palco do bailado La Source, com figurinos do criador. As 130 criações de Lacroix, luxuosas e coloridas, foram ainda enriquecidas por cerca de dois milhões de luminosos cristais Swarovski num projeto que demorou três anos e, depois de terem subido ao palco no outono de 2011, podem agora ser vistas até 31 de dezembro na exposição Christian Lacroix, La Source et le Ballet de l'Opéra de Paris, no Centre National du Costume de Scène et de la Scénographie. Mas não fiquemos a pensar que estes projetos estão reservados aos grandes mestres que enfrentam a reforma das passerelles. Um ano antes de Valentino, a estrela da Gala de Outono do New York City Ballet foi Stella McCartney. A sua estreia no figurinismo com Ocean’s Kingdom não aconteceu por acaso, já que a composição da música desta peça, coreografada por Peter Martin, ficou a cargo de Sir Paul McCartney. Com a moda e a música, respetivamente a seus pés, decidiram aventurar-se juntos por novos projetos.
A atração pelo ballet é uma tendência que começou a desenhar-se em 2010 com o filme Cisne Negro onde, além da reconhecida interpretação de Natalie Portman, brilharam os tutus criados pelas irmãs Mulleavy, com assinatura Rodarte. O bailado é uma fonte de inspiração inesgotável que não podia deixar de influenciar a moda e começou logo no início do século XX, quando Serguei Diaghilev chegou a Paris com a sua companhia, os Ballet Russes. Um verdadeiro espetáculo visual de dança e figurinos inovadores ao som de composições de Igor Stravinski deixou o público entre o êxtase e o hipnotismo, influenciou criadores durante décadas e continua a ser uma referência, como prova a afluência de mais de 100 mil visitantes à exposição Diaghilev and the Ballets Russes, em 2011, no Victoria & Albert Museum, em Londres.
MAIS >>
É verdade que a moda encontra grande inspiração no bailado, mas também é seguro dizer que o bailado tem tirado grande partido dos convites feitos aos criadores nos últimos tempos. A mestria com que interpretam variados temas, criam roupas únicas e enchem de felicidade e autoconfiança quem as usa faz dos criadores de moda boas apostas para figurinismo. Sem esquecer ainda que são figuras carismáticas, rodeadas de uma legião de fãs e grande mediatismo, tornando cada projeto em que participem um verdadeiro acontecimento para um público vasto.
CHANEL: MAIS UMA VEZ PIONEIRA
Simplesmente icónica no que toca à moda, Mademoiselle Chanel ia além disso e fazia parte do denso movimento cultural, social e artístico do seu tempo. Amiga pessoal de Igor Stravinski e Serguei Diaghilev, a criadora desenhou em 1924 os figurinos da peça Le Train Bleu dos Ballets Russes. Sempre fiel às tradições da casa, mas ao seu estilo, Karl Lagerfeld criou um tutu único e deslumbrante para a bailarina Elena Glurdjidze interpretar The Dying Swan, numa homenagem do English National Ballet, por ocasião do centenário dos Ballets Russes.
Nos bailados em que participaram, os criadores de moda não abdicaram dos seus rituais: Valentino não resistiu a rodear-se pelas suas divas; Stella McCartney levou consigo a guru da maquilhagem Patt McGrath; e Lacroix rendeu-se aos cristais Swarovski. Todos se movem com um perfecionismo exímio e o objetivo de tornar as mulheres mais bonitas. Enfim, parece que podemos afastar os criadores do frenesim das passerelles, mas não podemos afastar o frenesim da moda dos criadores.
4 PERGUNTAS A...
… José António Tenente, que estreou recentemente em Guimarães a peça JIM, da Companhia Paulo Ribeiro, e começa 2013 com uma peça para a Companhia Nacional de Bailado (CNB).
Em que outros projetos para palco já esteve envolvido?
A minha primeira incursão no universo da criação de figurinos foi em 1990 para Rei Lear. numa encenação de Carlos Avillez para o Teatro Experimental de Cascais. Desde aí e até à data, são já mais de duas dezenas os projetos de dança e teatro nos quais trabalhei.
Como é que um criador de moda projeta figurinos para palco?
Pode ser mais ou menos diferente, dependendo do que se pretende e de toda a movimentação do corpo. Em dança, de um modo geral, essa questão põe-se com mais relevância, mas depende muito das propostas dos encenadores ou coreógrafos. De qualquer modo, na origem pode estar um método semelhante; há uma ideia, um conceito… e toda a criação é feita a partir daí, como acontece numa coleção.
Quais são as suas preocupações quando desenha para bailados?
Para mim, o ponto de partida é sempre a proposta do encenador ou do coreógrafo. Mesmo quando se trata de textos que posso até já conhecer, é importante não me deixar cristalizar nas minhas impressões já feitas e ir ao encontro da leitura da direção artística do projeto, que é sempre do encenador ou do coreógrafo.
O que nos pode desvendar sobre o próximo projeto com a CNB?
De facto, ainda pouca coisa. Posso dizer, no entanto, que será um bom desafio para mim e que estou à procura da direção e equilíbrio certos na abordagem de um grande clássico.
http://www.youtube.com/watch?v=ymr6tejordc
