"Criar para a Havaianas foi como criar um quadro para mim"
Calma e discreta na vida pessoal, nos trabalhos que assina não faltam cor e uma energia cativante. A Máxima conversou com a ilustradora brasileira, Naia Ceschin, acerca da sua arte e do mais recente projecto que abraçou: uma coleção cápsula para a sua compatriota Havaianas.

Naia Ceschin – lê-se Cê-skin já que a brasileira tem também origens italianas – não tem estampado, nem no rosto nem na forma de estar, o trabalho que representa ou tão pouco a nacionalidade assinalada no cartão de identidade. Discreta e muito calma considera que a sua arte, vibrante e tão cheia de vida, é o oposto da sua maneira de ser. Em 2013 abriu o seu estúdio na enérgica cidade de São Paulo de onde é, aliás, nascida e criada. Com um estilo que transmite a intensidade do seu país natal, nas suas criações não faltam a geometria e a predominância da cor. O mais recente projecto calhou ser para a grife Havaianas, uma casa já sua conhecida por diversos motivos. Naia "achou isso incrível".
Fale-nos um pouco do seu background, de como e quando começou a desenhar. É algo que sempre quis fazer?

Aconteceu por acaso... Em pequena era desportista! Fazia uma modalidade olímpica que é ginástica em cima do cavalo. Acontece que nessa altura já gostava de fazer recortes de revistas de tudo o que achava bonito, desde colagens a estampados e guardava tudo num álbum. Não sabia porque o fazia, mas sempre que abria os álbuns sentia-me inspirada. Na hora de ir para a universidade tive vontade de fazer alguma coisa como aquelas que colecionava. E foi assim que decidi tirar design gráfico, na Escola Superior de Propaganda e Marketing, em São Paulo. Por ser uma formação mais virada para marketing, o design que aprendi era bem gráfico, e menos artístico. Mas entretanto comecei a interessar-me por arte manual, mais que digital.
É engraçado porque essa não costuma ser a ordem "natural" das coisas. Ou seja, no contexto atual daquilo que representa o digital…
Sim! Comigo foi mesmo ao contrário: primeiro veio o digital e só depois comecei a sentir necessidade de criar com as mãos.

Como definiria o seu trabalho em três palavras?
Vibrante, gráfico e cheio de alusões à natureza.
Qual o percurso antes de se afirmar como artista independente?

Estava a trabalhar como diretora de arte numa revista de surf brasileira, até que vi um anúncio de um concurso de estampados da Havaianas. Participei e entrei na empresa onde fiquei durante dois anos. Após esse tempo criei o meu atelier e passei a trabalhar por encomenda.
Acha que o facto de ter trabalhado na empresa Havaianas pode ter influenciado o seu estilo?
Sem dúvida que reafirmou o facto de eu já gostar de estampados e de ilustrações. E ajudou, também, a ter a certeza que era esse o caminho que queria seguir. Mas ao mesmo tempo precisava de ter a liberdade de explorar esse estilo, já que ao estar numa empresa é preciso responder a briefings, logo a criatividade não é tão livre.

Já alguma vez recusou um trabalho por achar que o briefing não se adequava ao seu estilo?
Não! Eu tenho de pagar contas (risos). Já fiz muito trabalho que não tinha nada a ver, que não imprimia a minha linguagem.
Acha que a ilustração e o design em papel (como mais gosta) podem desaparecer com o boom da era digital?
Acho que não, pelo contrário. Cada vez mais se valoriza o trabalho artesanal, manual. Hoje em dia procura-se mais essa essência que só se vê no que é feito à mão. Começar uma ilustração ou estampado manualmente acrescenta carácter à peça.
Onde é que, normalmente, vai buscar inspiração - principalmente nos dias em que não se sente inspirada, como pode acontecer a qualquer criativo?
Começo a separar algumas palavras ou vou para a rua tirar fotografias e coloco tudo numa parede até criar um moodboard.
E no caso das Havaiana? Tratou-se de um briefing livre ou mais fechado?
Livre! Sabia o que era o projecto "Retratos do Brasil", e que era importante que trouxesse para o trabalho a cultura brasileira… Mas, na verdade, assim que recebi o briefing achei que o estilo do meu trabalho se encaixava um pouco nesse caminho. Criar para a Havaianas foi como criar um quadro para mim.
O que é que não pode faltar num retrato do Brasil?
A mistura! De cores, de formas e até de elementos da natureza com animais… Acho que isso é o Brasil.
O que é que para si representa a Havaianas no mundo?
Nós, brasileiros, nascemos a saber o que são Havaianas e usamo-las a vida toda, [é uma marca que] está sempre presente. E temos muito orgulho. As [chinelas] Havaianas são muito "a cultura brasileira". Então poder fazer esse trabalho para a marca é incrível.
Arte à parte, como define o seu estilo pessoal?
Por trabalhar com muita cor, estou sempre vestida com cores mais básicas. Branco, preto, cinza… Quando há um dia que me visto muito colorida é porque não vou para o estúdio…
É um pouco como acontece com os designers de moda. Por mais espalhafatosas que possam ser as suas criações, a forma como se vestem é sempre muito neutra…
É… A minha roupa é toda assim, clean. Também para poder sujar com tinta à vontade (risos).
Como é o seu dia-a-dia enquanto artista freelancer? Tem regras e rotinas?
Eu sou virginiana, logo super organizada e rotineira — chego sempre por volta das 9h e saio às 19h. Crio horários e sigo-os à risca. Trabalhar sozinha pode ser muito solitário e não tendo nenhum chefe "a cobrar"… Você tem mesmo de ter disciplina: de horários, de se obrigar a criar coisas novas, mesmo quando não tem nenhuma encomenda. Só assim é possível evoluir.
Se não vivesse no Brasil onde gostaria de viver?
Aqui! Lisboa tem uma tranquilidade impossível de encontrar em São Paulo… Esta calmaria e a leveza que sinto nesta cidade é uma coisa que me fascina. Talvez um dia…
Próximos sonhos…
Continuar a fazer trabalhos em que eu possa transferir a minha arte para outras superfícies. Trazê-la para os chinelos Havaianas foi incrível.
