Prontos para criar
No cinema e nas artes plásticas, na música e na literatura, na dança e na gastronomia. O talento nacional faz sentir-se nas mais diferentes áreas, mas sempre com fulgor e intensidade. Elegemos seis figuras criadores natos que se revelaram espíritos iluminados.

JOSÉ AVILLEZ
Uma criação (sua) de que se orgulhe particularmente?
Ferrero Rocher de Foie Gras.
Um erro crasso que se tenha tornado numa lição valiosa?
Começar um negócio sem fazer bem as contas.
Fontes inesgotáveis de inspiração?
A cozinha portuguesa, as tradições, as paisagens, as gentes... Portugal.
E quando a criatividade falta qual é o melhor remédio?
Não entrar em pânico. Há de voltar.
Há condições ideais para criar?
Existem condições melhores para criar mas nem sempre é linear! Se, por um lado, num momento de descontração, podemos ter boas ideias, por outro, a necessidade também me faz produzir, criar.
Há lugares que potenciam a criação? Qual é o seu refúgio?
São lugares dentro de mim. Pode ser em qualquer lado e, por vezes, em lado nenhum.
Qual é o melhor momento do dia para criar?
Tenho muitas ideias à noite mas só levo para a frente uma ideia depois de dormir sobre ela. A noite dá-me inspiração mas a manhã traz-me lucidez. As melhores ideias surgem sem momento certo.
O momento da criação é necessariamente solitário?
Para mim, normalmente é, mas o desenvolvimento dessa ideia é feito em conjunto com a minha equipa.
Que companhias não dispensa antes, durante e depois do processo criativo?
A minha equipa.
Um expoente máximo de criatividade?
Ferran Adrià.
Se um incêndio deflagrasse em sua casa, que peça salvaria?
O caderno de notas que fiz no estágio no El Bulli.
Crio…
Tipos, conceitos de restaurantes mas principalmente pratos e conjugações de sabores.
ANA MOURA
Uma criação (sua) de que se orgulhe particularmente?
A forma que encontrei de expressar a minha alma através da música que canto.
Um erro crasso que se tenha tornado numa lição valiosa?
De momento, não me recordo.
Fontes inesgotáveis de inspiração?
A música, o cinema, a arte em geral e o contacto com outras culturas, outros costumes, outras formas de pensar sobre a vida.
E quando a criatividade falta qual é o melhor remédio?
O melhor remédio é abstrairmo-nos dessa necessidade.
Há condições ideais para criar?
O isolamento e o silêncio podem potenciar a criatividade, possibilitando uma maior facilidade de chegar aos mais profundos e distintos pensamentos.
Há lugares que potenciam a criação? Qual é o seu refúgio?
Todos os lugares inspiradores. Um dos meus refúgios é em Amarante, um sítio belíssimo e quase secreto onde o rio Olo desagua no Tâmega.
Qual é o melhor momento do dia para criar?
É a madrugada porque as distrações, o barulho e as inquietações diminuem.
O momento da criação é necessariamente solitário?
Não creio que seja necessariamente solitário. A criatividade requer dinâmica e o contacto com os outros permite-nos uma constante atualização, evolução e o desbravar caminho por novas descobertas através da partilha de experiências.
Que companhias não dispensa antes, durante e depois do processo
criativo?
As pessoas que me são mais próximas, com quem gosto de partilhar e sentir a sua reação.
Um expoente máximo de criatividade?
O Prince porque criou um estilo único e imortal na história da música.
Se um incêndio deflagrasse em sua casa, que peça salvaria?
Uma jukebox com música da editora Motown.
Crio, logo…
Sou livre e feliz.
MAIS>
ANABELA MOREIRA
Uma criação (sua) de que se orgulhe particularmente?
O Teatro Turim.
Um erro crasso que se tenha tornado numa lição valiosa?
Recusar oportunidades à espera das ideais.
Fontes inesgotáveis de inspiração?
Os outros criadores.
E quando a criatividade falta qual é o melhor remédio?
Trabalho.
Há condições ideais para criar?
Talvez, mas se estivermos à espera das condições ideais perdemos oportunidades.
Há lugares que potenciam a criação?
Qualquer lugar pode despoletar um movimento criativo. Acredito que a necessidade de um lugar específico pode ser um truque do nosso inconsciente.
Qual é o seu refúgio?
O quarto. É onde posso estar sem máscaras conscientes ou inconscientes e relaxar dos ruídos exteriores a mim.
Qual é o melhor momento do dia para criar?
A noite, por haver menos rotinas a seguir.
O momento da criação é necessariamente solitário?
Não necessariamente: depende do objetivo e do objeto da nossa criação.
Que companhias não dispensa antes, durante e depois do processo criativo?
As das pessoas envolvidas no processo criativo em que estou envolvida.
Uma referência pessoal ou expoente máximo de criatividade?
Entre muitas outras, neste momento continuo fascinada com a obra de Fernando Pessoa.
Se um incêndio deflagrasse em sua casa, que peça salvaria?
O álbum de fotografias de família.
Crio, logo…
Exponho-me. JULIÃO SARMENTO
Uma criação (sua) de que se orgulhe particularmente?
É coletiva, previsível e lamechas: os meus dois filhos.
Um erro crasso que se tenha tornado numa lição valiosa?
Quando, em 1985, e à espera do Godot, recusei fazer parte de uma nova galeria que iria abrir em Nova Iorque! Hoje é uma Uber Galeria! Aprendi bem a lição! Já não recusei o segundo convite.
Fontes inesgotáveis de inspiração?
Observar atentamente tudo. As pessoas, as coisas, a vida...
E quando a criatividade falta qual é o melhor remédio?
Não falta.
Há condições ideais para criar?
Não.
Há lugares que potenciam a criação? Qual é o seu refúgio?
Não. O meu atelier.
Qual é o melhor momento do dia para criar?
Todos. Porque não existem melhores momentos... Todos os momentos podem ser os melhores ou os piores.
O momento da criação é necessariamente solitário?
O fazer, fisicamente, acho que sim. Absolutamente! Criar, pensar de uma maneira absoluta, pode ser feito num estádio de futebol. E cheio!
Que companhias não dispensa antes, durante e depois do processo
criativo?
Nunca pensei nisso. É-me rigorosamente indiferente.
Um expoente máximo de criatividade?
Muitíssimos e por muitas razões!
Se um incêndio deflagrasse em sua casa, que peça salvaria?
Já deflagraram dois. Já chega, não? Espero que não deflagre mais nenhum!
Crio, logo…
Logo, porquê? Mais vale criar agora!
MAIS>
JOÃO TORDO
Uma criação (sua) de que se orgulhe particularmente?
O meu último romance, O Ano Sabático.
Um erro crasso que se tenha tornado numa lição valiosa?
Sempre me avisaram que o segundo romance era o mais difícil de todos e eu parti para ele com demasiada pressa. Devia ter esperado um pouco mais para amadurecer melhor as ideias.
Fontes inesgotáveis de inspiração?
A vida, as pessoas que vou conhecendo, as cidades por onde vou passando e as histórias que me vão contando.
E quando a criatividade falta qual é o melhor remédio?
É melhor não insistir, ir fazer outra coisa qualquer e não pensar no assunto. Eu, como toco contrabaixo, vou tocar com a minha banda.
Há condições ideais para criar?
Hoje em dia essas coisas são muito esmiuçadas e tem-se uma ideia um pouco exagerada dos criadores. O Dostoiévski, por exemplo, escreveu numa prisão na Sibéria. Não faz sentido pensarmos que temos de ter condições ideais. Mas é preciso algum silêncio.
Há lugares que potenciam a criação? Qual é o seu refúgio?
Tenho vários refúgios. Normalmente, vou para residências literárias no estrangeiro e, quando fico por cá, uso uma casa que os meus pais têm no Sul e fecho-me lá a escrever. Se a criatividade é a fuga do quotidiano, eu preciso mesmo de fugir.
Qual é o melhor momento do dia para criar?
A manhã, quando as ideias estão frescas.
O momento da criação é necessariamente solitário?
Se falamos da criação de romances, sim.
Que companhias não dispensa antes, durante e depois do processo criativo?
Só quando termino o primeiro rascunho é que o partilho com a minha editora, que é a primeira pessoa a lê-lo. Durante a escrita prefiro estar sozinho mas, se passar o dia a escrever, apetece-me estar com alguém depois. E ajuda-me mais não falar sobre o romance porque isso só vai encher-me de dúvidas.
Um expoente máximo de criatividade?
Shakespeare. Acho que ele foi talvez o máximo que podia ter sido e, nas suas peças, conseguiu contar todas as histórias possíveis e de vários ângulos.
Se um incêndio deflagrasse em sua casa, que peça salvaria?
O meu computador e o meu contrabaixo.
Crio, logo…
As coisas fazem sentido.
VERA MANTERO
Uma criação (sua) de que se orgulhe particularmente?
“Até que Deus é destruído pelo extremo exercício da beleza.”
Um erro crasso que se tenha tornado numa lição valiosa?
Tentar que a ideia inicial de um trabalho seja também a ideia final. Não permitir que os acontecimentos de um processo de trabalho tenham uma palavra (ou muitas) a dizer, não deixar que a “combustão” de uma experiência, o seu lado quase alquímico, possa acontecer.
Fontes inesgotáveis de inspiração?As incongruências do ser humano. A sua capacidade simultânea de poesia e de selvajaria.
E quando a criatividade falta qual é o melhor remédio?
Escrita automática. Deixar o corpo-mente falar. E dormir muito, comer bem. E ler, ver e ouvir coisas intrincadas, rítmicas, complexas, vibracionais.
Há condições ideais para criar?
Claro!!! Excelentes performers e colaboradores, imenso espaço com imensa luz natural, imenso tempo disponível, imensos livros, imagens e fontes de toda a espécie, imensa compreensão e paciência, papel abundante de imensas dimensões, total ausência de medo.
Há lugares que potenciam a criação? Qual é o seu refúgio?
O tal imenso espaço com imensa luz. Com os telefones desligados, sem ir ao e-mail.
Qual é o melhor momento do dia para criar?
A hora do ensaio! Porque só nesse espaço e nesse tempo, destinados a uma atividade tão diferente das atividades do quotidiano comum, funcional, é que podemos passar para outra estrutura mental, que o mundo cá fora não permite. Aliás, que o mundo cá fora desincentiva.
O momento da criação é necessariamente solitário?
Tornou-se-me impossível nos últimos anos trabalhar sozinha. Não sei o que se passa mas é assim. O mundo deve-se ter tornado tão complexo que já só consigo perceber alguma coisa em diálogo e com ajuda.
Que companhias não dispensa antes, durante e depois do processo criativo?
Os tais excelentes performers e colaboradores, pessoas que têm tanta necessidade de pensar e perceber coisas como eu. Perceber com a cabeça, perceber com o corpo, perceber com a cabeça-corpo ou com o corpo-cabeça. Que queiram fazer isso comigo. Um expoente máximo de criatividade?
Um é impossível, mas posso dar vários: Ana Borralho & João Galante, Reza Abdoh, Goat Island, Forced Entertainment, Boris Charmatz, Marcelo Evelin, Ant Hampton.
Se um incêndio deflagrasse em sua casa, que peça salvaria?
O livro Eros e Civilização, do Herbert Marcuse, que ainda não li e no qual deposito muitas esperanças.
Crio, logo...
Não fico maluquinha tão depressa como ficaria se não criasse nada.
