Chappell Roan quer privacidade sem abrir mão da fama. Será que é possível?
Embora esteja longe de configurar um caso parecido ao de Britney Spears ou Lindsay Lohan, que foram realmente assediadas pelos fãs, a cantora também tem dificuldade em aceitar que não pode continuar a viver uma vida "normal".

Este mês, Chappell Roan realizou o sonho de qualquer artista que trabalha com o público: seu concerto no Lollapalooza – um dos maiores e mais importantes festivais de música do mundo – foi o mais assistido desde a criação do evento, em 1991. É ainda impressionante considerando que "The Rise and Fall of a Midwest Princess" é seu primeiro disco. Porém, nem tudo são flores: a cantora usou sua conta no TikTok para demonstrar sua frustração com os fãs mais fervorosos. "Eu tenho o direito de não querer ser alvo de assédio mesmo que isso seja considerado normal no caso de celebridades. Se visses uma senhora aleatória na rua, gritarias com ela da janela do carro ou pedirias para tirar uma foto com ela?".
Ora, evidentemente a resposta é não. Mas a senhora aleatória que está a caminho do supermercado tampouco tem acesso às benesses que hoje fazem parte da vida de Chappell Roan: "Nunca imaginei que viajaria de primeira classe. E outro dia eu fui convidada para uma festa na casa da Miley Cyrus!", disse, no podcast The Comment Section.

A fama é mesmo essa venda casada: quem quer o público na plateia precisa lidar com o público na rua. Portanto, nesses casos, ser uma celebridade não é uma escolha, e sim algo compulsório. É lógico que existem artistas que se contentam com apresentações pequenas, realizadas para um nicho específico, mas é uma vida bastante difícil, financeiramente arriscada. Não há meio termo: ou é fama e dinheiro em excesso, ou é o fracasso.
A relação dos ídolos pop com seus fãs sempre foi problemática. Nos últimos anos, a sociedade começou a reavaliar o tratamento dado a artistas, sobretudo mulheres, como Britney Spears, Lindsay Lohan e Janet Jackson. No entanto, não é exatamente uma evolução, dado que também nos últimos anos que temos acompanhado o surgimento da cultura stan. O movimento foi nomeado a partir da canção homónima de Eminem, lançada em 2000, que conta a história de um fã que se mata, junto com sua namorada grávida, porque seu ídolo não lhe responde as cartas. Taylor Swift tem seus Swifties, Beyoncé tem seus BeyHives e Lady Gaga tem seus Little Monsters.


Chappell Roan tem um apelo em específico com a comunidade LGBT+. Afinal, ela é uma mulher lésbica que também é drag queen, diferentemente de outras mulheres que são ícones gays, mas são heterossexuais, como Liza Minnelli, Barbra Streisand, Madonna e Cher. As relações parassociais entre cantoras pop e seu público-alvo não existem à toa. Taylor Swift, por exemplo, escreve canções que dialogam intimamente com a subjetividade feminina, como se fosse uma amiga, uma confidente. Já Chappell Roan representa um nicho de mercado gigantesco que só agora começa a ser reconhecido como tal, e isso não se dá apenas na esfera pública e comercial, mas também pessoal, íntima e identitária.

A grande força o grande paradoxo das canções pop é seu caráter duplo tanto como obra de arte quanto produto comercial. E a fama se encontra bem no meio dessa tensão: a alma do artista é a matéria-prima, mas o produto final exige que essa alma seja transformada em mercadoria. É como se a fama fosse uma espécie de pacto faustiano – assim como o personagem de Goethe, o artista vende sua alma e em troca ganha poder, dinheiro e amor. A pergunta de um milhão de dólares é: como continuar o fazer artístico se a alma não lhe pertence mais?!

A arte existe porque a vida não basta, é o que diz o poeta brasileiro Ferreira Gullar. E é a vida o principal alimento da arte. "Eu sinto falta de fazer compras na Forever 21, eu sinto falta de usar drogas em público, de ir ao bar e dar uns beijos numa pessoa aleatória, de andar por aí, sozinha, na rua. Eu sinto falta de ser eu mesma", declarou Roan no mesmo podcast. Nesse sentido, está certíssima em preocupar-se, porque são essas as experiências e sensações cotidianas que lhe conectam com seus fãs. Não é à toa que toda vez que alguém exibe comportamentos esnobes ou classistas é chamada de "fora da realidade". E nada mais fora da realidade que uma vida com aviões privados e seguranças particulares, como é a vida da maioria das celebridades. O grande risco desse tipo de artista deixar de ser uma pessoa e virar um produto, sem material humano que possa ser extraído, metabolizado e convertido em canções que tocam a alma do público.

A sorte de Chapell Roan – cujo nome verdadeiro é Kayleigh Rose Amstutz – pousa justamente no fato que sua persona de palco é uma drag queen, com características distintas da sua verdadeira personalidade. "Quando estou no palco, quando estou em drag, ou quando estou falando com a imprensa, eu estou a trabalhar. Mas, em qualquer outra circunstância, eu não estou no modo de trabalho", escreveu, num post no Instagram. Dessa forma, talvez ela consiga o que é quase impossível: juntas as vantagens de ser um ícone mundial com a paz tão fundamental para uma vida criativa fértil. E é uma façanha que encontra precedentes em casos próximos ao seu: Lady Gaga é uma das pessoas mais famosas do mundo, mas Stefani Germanotta consegue manter uma vida relativamente privada. Vamos torcer que Kayleigh Rose Amstutz consiga o mesmo.
