Nuno Markl: 'A culpa é deles'

Desafiámos Nuno Markl a escrever sobre as suas referências de humor. E ele apresentou-nos uma lista dos responsáveis por aquilo que define como a sua desgraça. Que, bem vistas as coisas, é o nosso contentamento.

Nuno Markl: 'A culpa é deles'
08 de agosto de 2013 às 07:00 Máxima

De há uns anos para cá, Nuno Markl tornou-se uma referência incontornável do humor nacional. A escrever textos para as Produções Fictícias ou a dar voz a rubricas radiofónicas que já se tornaram históricas, como O Homem que Mordeu o Cão ou Caderneta de Cromos, Nuno Markl já é uma referência geracional. Rimo-nos com ele no carro, todas as manhãs, sintonizados na Rádio Comercial, acompanhamos as suas aventuras conjugais em Felizes para Sempre, transmitido pelo canal Q. E percebemos que, além do talento, a sua graça vem da normalidade que faz dele um de nós. Razões mais do que suficientes para querermos saber de onde vem um sentido de humor que é tão apurado como consensual. Senhoras e senhores: Nuno Markl. Em discurso direto, como de costume.

Dou por mim com 20 anos de carreira no humor – escrito e/ou interpretado – e constato que, no fim de contas, não há pior escolha de profissão para quem se mete nisto para ser amado. Sim, felizmente há quem goste de nós; mas quem odeia um humorista é capaz de proferir os mais vis insultos contra ele. Perante a evidência de que há quem não goste do que faço e de que, de vez em quando, recebo desagradáveis agressões verbais via Internet, proponho que nos unamos – eu que faço isto de profissão e vocês que me odeiam – na listagem de todos os responsáveis por ter seguido este ramo de negócio estafante e violento. A culpa é deles.

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A minha tia Mariazinha Uma das pessoas mais hilariantes que conheci na vida. Não era humorista, era simplesmente (mas grandiosamente) a minha tia Mariazinha de Vila do Conde. Fazia-me chorar a rir e ria-se, ela própria, às lágrimas. Custa a acreditar que já não ande por cá, mas decerto que existirão anjos que – apesar de não terem sexo – por algum orifício acabarão por urinar a rir.

Looney Tunes A influência deles talvez explique um dos melhores elogios que recebi na vida: “O que gosto na tua escrita é que parece para desenhos animados.” (Herman José dixit)

O Pai Tirano Uma das comédias portuguesas que todo o português viu 932 665 vezes na RTP. Para mim, é a melhor de todas, uma superior farsa de enganos que se aguenta de cabeça erguida junto de comédias de Capra ou dos Irmãos Marx.

Jim Henson Primeiro com Sésamo e depois com Marretas e Fraggles, este homem ensinou-me primeiro a ler e depois a rir. Só ainda não percebi como conseguiu ele o milagre das 1001 expressões do Cocas, uma das marionetas mais ilusoriamente simples da História.

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O Tal Canal Tinha 12 anos quando o Herman surgiu na nova televisão a cores lá de casa a operar o 25 de abril da comédia nacional. Ainda hoje me parece que ganhei a Sorte Grande, quando penso que acabei a escrever para coisas como o Herman Enciclopédia, que elevam com galhardia a minha eternamente baixa autoestima.

Guterres Não o ex-primeiro-ministro, mas um colega de escola na Secundária de Benfica: o maior bully da história. À sua brutalidade, eu respondia com piadas. Ajudou-me imenso a desenvolver a rapidez de resposta. Bem-haja por isso.

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Monty Python Primeiro foi o Flying Circus, na RTP2; depois entrei nas obras cinematográficas deles, via o menos bom dos filmes deles (mas ainda assim muito bom), O Sentido da Vida. Aceder depois aos VHS de A Vida de Brian e O Cálice Sagrado fez parte de uma epifania de décadas que atingiu o seu auge ao conhecer e comer sanduíches com o Terry Jones, quando veio a Portugal apresentar a sua ópera, Evil Machines.

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Dr. Estranhoamor Fã de Peter Sellers nos filmes da Pantera Cor-de-Rosa, foi por ele que vi esta obra-prima de Kubrick numa sessão noturna de fim de semana na RTP1, há muitos anos. E assim aprendi que a comédia pode dizer coisas importantes sobre qualquer tema – mesmo que seja a tragédia da guerra atómica.

Matt Groening Hoje em dia é mais fixe dizer que Family Guy e South Park é que é (e são, de facto, séries geniais). Mas Groening é Deus – foi ele que criou tudo não apenas com Os Simpsons, cujas primeiras 10 temporadas são consistentemente sublimes, mas com o que depois vim a descobrir que ele fazia antes: o cartoon de jornal Life in Hell, monumento de criatividade e coragem rabiscada que influenciou o meu largamente inferior mas muitíssimo bem-intencionado Há Vida em Markl, cartoon que rabisquei durante algum tempo no Inimigo Público.

Jerry Seinfeld e Larry David Com eles abri os olhos para o humor das pequeníssimas coisas da vida e percebi que são as maiores. Entrevistei Seinfeld em Madrid e senti que se eu fosse, naquele momento, fulminado por um raio, a minha vida estaria completa. (Mas não estava.)

Penguin Café Orchestra A música de Simon Jeffes e companhia é a única que não me desconcentra na escrita; pelo contrário, melhora-a e inspira-a.

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A família Os meus pais. As minhas avós. A minha hilariante e talentosa irmã. E desde há quatro anos e qualquer coisa a esta parte, o centro da minha vida, a minha mulher, Ana, e o meu filho, Pedro. De várias maneiras, todos eles têm muita graça – mesmo aqueles que já partiram, mas cujas memórias se mantêm vivas e risonhas. Queixo-me, torturo-me, mas sou um felizardo do caraças por ter inspirações assim.

Mas se querem maçar alguém – a culpa é deles!

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