Lili Caneças: "Desde que nasci que provoco polémicas, aos 10 anos os meus melhores amigos eram um negro e outro gay"

No 80º aniversário da socialite, conhecida pelo seu sentido de humor irreverente, celebramos consigo ao revisitar o seu icónico estilo.

Foto: Duarte Roriz
04 de abril de 2024 às 16:09 Patrícia Domingues

Sabem quando saem de perto de alguém a sentirem-se revigoradas? Há qualquer coisa em Lili Caneças que sabe a água gelada numa cara cansada. "Quando nasci a minha mãe disse que o primeiro som não foi um choro de bebé, mas uma gargalhada", conta. "Nasci de bem com a vida." Da menina que subia a bainha das saias da farda todos os dias com alfinetes à revelia do diretor da escola à Alice do País das Maravilhas numa das icónicas festas do Lux, Lili podia muito bem ser apresentada como ouvi Cate Blanchett dizer no outro dia numa apresentação de um livro sobre "mulheres difíceis": "Uma mulher que ninguém sabia o que fazer com ela ao início." O mais extraordinário ainda são as que, como ela, conseguem continuar sem se encaixar em lado nenhum, tão originais quanto elas mesmas. "Desde que nasci que provoco polémicas, aos 10 anos os meus melhores amigos eram um negro e outro gay. Fui visionária num tempo de ditadura." Hoje diz-se mais discreta, também no estilo, como na última festa da Vogue em que poderia ter abusado nos brilhos, mas escolheu uma opção de look mais comedida. Aos 50 cortou o cabelo, que lhe dava pela cintura, curto, com os anos foi deixando de usar minissaias, arrumou os seus vestidos Fátima Lopes transparentes, com rachas e diz que sente especial preocupação em tapar a flacidez dos braços que, mesmo indo religiosamente ao ginásio três vezes por semana, a atingiu. Tem 79 anos e veste o que lhe apetece. "A idade é um número e o meu corpo não me deu sinal para abrandar", explica. No entanto, há coisas que agora "seria incapaz" de usar. "Não é pelo que os outros pensam, mas é que não me preocupo mesmo – há 40 anos que sou conhecida... Se me fosse preocupar [risos]. Tenho é uma noção estética do que gosto ou não gosto. Porque quem gosta de mim gosta, quem não gosta vai sempre dizer mal."

Foto: Mariline Alves
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Nasceu a sorrir e continua a ser a primeira coisa que faz todas as manhãs. "És fantástica", repete ao espelho, o rosto ainda desmaquilhado, o cabelo por ajeitar. Quando sai à rua relata que muitas são as mulheres que lhe dão abraços, que lhe agradecem a inspiração que lhes passa, "que se maquilham por elas, fazem exercício por elas, usam saltos altíssimos". Responde-lhes com franqueza: "Ó querida, se eu consigo, tu também consegues." "E depois muitas comentam o facto de eu viver sozinha", acrescenta. "Há mulheres que não conseguem viver sozinhas, não conseguem estar sozinhas. E eu desde que me divorciei há 40 anos que vivo sozinha. Só que eu não estou sozinha – estou comigo mesma. Sou a minha melhor companhia." Não são os saltos que lhe dão altura, é a sua espinha dorsal: "As mulheres cada vez têm mais inveja uma das outras e são também mais críticas. Se nós nos juntássemos podíamos mudar o mundo... Às vezes ouço um ‘Ó velha, estás tão ridícula’, mas é raro ter coisas nas minhas redes [sociais] que sejam muito ofensivas. Vivo bem com a minha consciência." Por muito que o mundo nos tente sistematicamente convencer do contrário, não tem sido a beleza a dar o verdadeiro poder às mulheres. Como Naomi Wolf, autora de O Mito da Beleza, concluiu recentemente numa entrevista quem dita as regras não são as mais bonitas ou as que seguem um padrão rígido e pré-estabelecido, mas as que atingiram as suas conquistas pessoais e profissionais. As que têm carisma, personalidade e principalmente as que não têm medo de ser elas próprias. E isso são coisas que só a idade pode trazer.

*Excerto originalmente publicado na revista dos 35 anos da Máxima, em novembro de 2023.

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