Angelina Jolie revela-se agora no papel de realizadora. A atriz falou-nos ainda da experiência de filmar na Bósnia, com os filhos sempre por perto, e das conversas de café com António Guterres.
Deusa planetária
30 de abril de 2012 às 09:22 Máxima
É a estrela das estrelas, a grande diva. Angelina Jolie é uma das mulheres mais bonitas do mundo e, seguramente, uma das mais atraentes, comprovada, aliás, na pose bem sexy com que anunciou um dos Óscares. Ainda assim, bem diferente de todas as demais. Olha-nos nos olhos quando responde a cada pergunta, sem evasivas, de forma direta e plena de significado. Apesar de todo o glamour espelhado em capas de revista com estilo ou revistas de mexericos, troca voluntariamente os vestidos de griffe usados nas passarelas pela roupa casual para visitar refugiados em zonas de guerra dentro da sua missão, como embaixadora das Nações Unidas. É aí que passa a maior parte do seu tempo. Por isso, não admira que a sua estreia na realização seja marcada pelo drama das mulheres bósnias na guerra fratricida que, entre 1992 e 1995, separou famílias e onde o elemento feminino foi explorado da forma mais bárbara. É claro que In the Land of Hope and Glory é marcado por este lado humanitário, mas o que não faz dele um mau filme. Muito pelo contrário. Um registo fascinante onde se nota o olhar atento de uma mulher que domina a linguagem cinematográfica.
Como se previa, no recente Festival de Berlim, Angelina voltou a merecer a atenção dos flashes dos fotógrafos. Desfilou na passadeira vermelha, distribuiu sorrisos. E falou do filme. Realmente, não é todos os dias que Angelina se disponibiliza para falar à imprensa com esta dedicação. Foi, por isso mesmo, um encontro feliz com esta mulher magra e elegante, mas que não esconde a tatuagem com as coordenadas geográficas e a hora exata do nascimento dos filhos.
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Em vez do tom feroz da guerra, optou por comparecer ao nosso encontro envergando um vestido, anel solitário e brincos, num pacífico branco-pérola. Ainda que tivesse de falar de algo bem mais sangrento. Mas não só. Do envolvimento da família na sua vida, da participação de Brad Pitt como figurante no filme, do trabalho que mantém com António Guterres e de tudo o mais que lhe preenche a vida.
Sentiu com este projeto e com este tema que estava preparada para passar para a cadeira de realizadora?
Acho que nunca nos sentimos preparados. E se sentisse que iria ser tão complicado encontrar todo o equilíbrio, não sei se teria coragem para começar. Mas estou muito contente por o ter feito neste filme. Aprendi muito sobre esta parte do mundo. Trabalhei com atores extraordinários e pessoas incríveis que me ensinaram tanto sobre a vida. Fiz o melhor que pude com o filme, mas não sei se consegui fazer o suficiente.
O que mais a marcou na guerra da Bósnia?
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Tudo começou quando eu tinha apenas 17 anos e viajava pela Europa. Senti-me ignorante relativamente a esta guerra e achei que deveria conhecer mais. Realmente, fui recolhendo muita informação ao longo dos últimos dez anos em visita a zonas de conflito e pós-conflito e trabalhei com sobreviventes que regressaram a áreas onde viveram atritos com vizinhos e mesmo familiares. Até porque muitos atores destes filmes estiverem no cerco a Sarajevo. Todas as pessoas deste filme foram, de alguma forma, afetadas por esta guerra. Em todos os lados do conflito.
A visita a uma zona de guerra é algo que nos muda para sempre.
Uma experiência que a modificou?
Seguramente. A visita a uma zona de guerra é algo que nos muda para sempre. Deixamos de ser egoístas. Faz-nos acordar de manhã e pensar como podemos ousar não ser felizes com a vida que temos.
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Até que ponto foi importante para si trazer o lado feminino, as escravas sexuais e toda a violência com mulheres?
Não foi algo que fizesse de uma forma intencional. É claro que pelo facto de ser mulher e escrever, isso acaba por sair com naturalidade. É algo que conheço e com o que me posso identificar.
A morte da criança é bastante perturbadora...
Veja bem, a perda de uma criança é um pesadelo inimaginável. Tudo isto vem de forma orgânica. Em todo o caso, nesta guerra em particular, as violações enquanto crimes de guerra foram uma realidade bastante significativa. Quarenta mil mulheres bósnias foram violadas. Foi importante mostrar isso. Mas é apenas uma história e não pretende ser uma visão definitiva.
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Achava necessário mostrar isso de forma tão direta, sobretudo sendo mãe de seis crianças?
Sendo mãe, esse foi o meu pior pesadelo, essa cena com a criança morta. Mas se olhar com cuidado, nunca chegamos a ver a criança morta. Nunca se vê sangue, nem o corpo. Apenas sentimos que o vemos. Isso faz parte do cinema.
Depois de um cenário de guerra, aqui atrai as atenções de uma vedeta. Como é que consegue esse equilíbrio?
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Realmente, não deixa de ser curioso como posso ir para certos cenários de guerra real sem qualquer proteção e depois, ao desfilar na passadeira vermelha, dizem-me que tenho de ter seis seguranças... [risos] É bizarro. Não faz qualquer sentido.
E como lida com isso? Ri-se?
Encaro o lado do divertimento, a arte e Hollywood como isso mesmo: é o lado mais leve da vida. É ótimo, é divertido. Mas não o levo muito a sério, não vivo por isso. Não afeta a minha vida. É bom poder sair à noite com o Brad... [risos] Mas é disso que se trata. Não é a vida real.
Posso estar enganado, mas acho que vi o Brad numa cameo no filme…
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[Risos] Não é suposto revelar isso... [risos]
Porque decidiu usá-lo?
Tudo começou porque eu necessitava de um duplo e a verdade é que ele morre muito bem... no cinema. É verdade. Eu não consigo morrer como deve ser. Ponho as mãos à frente da cara, não funciona comigo. Mas com o Brad, não, é capaz de cair todo direitinho. É um talento que ele tem.
É realmente a coisa mais romântica que ouvi dizer do seu marido: morre muito bem. Mas o que diz o Brad do seu filme? Está orgulhoso?
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Teria de lhe perguntar. Mas apoia-me muito. Foi fantástico durante a rodagem.
A família esteve toda junta durante a rodagem?
Sim, todos.
Até que ponto foi difícil à mamã regressar à família após uma experiência tão traumática?
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A única coisa que queria era abraçar os meus filhos, ler-lhes histórias para adormecer e dar-lhes banhos de espuma. Acho que acabo por apreciar ainda mais as coisas boas da vida.
Algum deles desenvolve já alguma curiosidade sobre aquilo que os pais fazem?
São curiosos, sim. Deixamo-los brincar com a ideia, mas desejamos dar-lhes uma visão mais alargada do mundo e uma educação que lhes permita, se calhar, escolher um futuro diferente.
Será possível viverem uma vida normal sem os paparazzi à volta deles?
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Sim, é possível. Muitas vezes saem com amigos e fazem tudo aquilo que é comum para a idade deles.
A Angelina ainda consegue viajar de forma anónima?
Sim, consigo. A melhor maneira mesmo de viajar é com uma mochila às costas. E nestas partes do mundo, as pessoas não se interessam muito por quem lá está. O que eles querem é comida e abrigo, e alguém com quem falar. Por vezes, encaram-me mais como uma mãe do que como uma estrela de cinema. É desta forma que passo a maior parte do meu tempo.
Como embaixadora das Nações Unidas que tipo de relação teve com o António Guterres, o Alto-Comissário para os Refugiados? O que acha do trabalho dele?
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Trabalhamos muito juntos sobre todos os temas de refugiados e falamos diversas vezes. Admiro-o imenso. Mesmo quando não está a dar entrevistas e está apenas a tomar um café continua apaixonado pelas questões dos refugiados e a aprender sobre tudo aquilo que não sabe.
É verdade que quer fazer também um filme sobre o Afeganistão?
Sim, escrevi algo sobre o Afeganistão, mas não sei se o farei ou darei a alguém para fazer um filme. Como fui diversas vezes ao Afeganistão e ao Paquistão ao longo destes anos, acabei por ficar muito curiosa sobre a situação da transição do poder. Acho que 2014 será um ano muito importante e em que não deveremos abdicar ou esquecer.
Que tipo de resultado pretende conseguir com este filme?
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Não pretendo um resultado económico, mas ficarei contente se mais pessoas quiserem visitar aquela região, saber mais sobre ela.
Acha que com tudo o que acontece com a sua vida, toda a exposição, sente que ainda lhe falta alguma coisa?
Para alguém que tem uma vida como a minha, tem saúde, filhos com saúde e o suficiente para comer, não pode haver nada de que me possa queixar. Seria ridículo.
Quais os prós e contras de ser a maior estrela de cinema do planeta?
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Estou grata por ter uma carreira e ter participado em diversos filmes. Sou uma pessoa que preza a privacidade, mas gosto de viver no mundo. Mas não apenas isso. Gosto de poder visitar outros países e conhecer outras culturas. Por isso, gosto até que os meus filhos possam viajar sem os pais para sentirem o que é uma vida diferente. Ainda que seja algo doloroso, mas é sempre bom saber o que é uma vida normal.
1 de 6 /Angelina Jolie
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2 de 6 /No filme Alexandre, O Grande
3 de 6 /Com Brad Pit, numa das cenas de Mr and Mrs Smith