Lipedema. A “doença das pernas gordas” que não é celulite

Esta é uma condição crónica, hereditária e com uma componente hormonal. Razão pela qual tende a piorar na puberdade e com a toma da pílula. Muitas jovens queixam-se de bullying na escola. Mulheres adultas sentem as pernas pesadas e têm dificuldade em cumprir as obrigações diárias. A boa notícia é que há tratamento.

Doença crónica causa bullying e pernas pesadas, mas há tratamento Foto: Getty Images
11 de junho de 2025 às 12:51 Madalena Haderer

Hoje celebra-se o Dia Mundial do Lipedema, condição crónica também conhecida como “doença das pernas gordas”. Reconhecido, desde 2019, como uma doença distinta pela Organização Mundial de Saúde, o lipedema é de difícil diagnóstico, sendo frequentemente confundido com obesidade, retenção de líquidos ou linfedema. Esta doença, que afeta cerca de um milhão de mulheres em Portugal e aproximadamente 20% da população mundial, caracteriza-se pela proliferação excessiva e, portanto, patológica, de células de gordura (adipócitos), sobretudo na metade inferior do corpo. Apesar de ser uma condição maioritariamente feminina, também pode afetar homens. É uma doença hereditária que não tem cura, mas tem tratamento, que deve ser seguido durante toda a vida.

No âmbito desta efeméride, o Instituto Português do Lipedema organizou, esta manhã, rastreios gratuitos, em Lisboa, para que mais mulheres possam finalmente receber o diagnóstico correto. Uma iniciativa que se repetirá na manhã do dia 25 de junho. Os rastreios são personalizados, e incluem observação e scan corporal e ecografia à base de IA, feitos pelos especialistas do instituto. As mulheres que estiverem interessadas devem da clínica MS Medical Institutes. Os rastreios vão decorrer nas instalações do Instituto, na Avenida da República 43, 6º andar, e têm a duração aproximada de 40 minutos por paciente.

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Além disso, dia 15 de junho, domingo, o Instituto Português do Lipedema organiza também uma caminhada pela visibilidade e consciencialização da doença, no Parque das Nações, às 10h. O ponto de encontro é junto à entrada principal da FIL. Se sofre desta patologia, esta é uma excelente forma de fazer novas amizades que compreendem aquilo por que está a passar e de perceber como é que outras pessoas vivem com a doença.

Nas últimas duas semanas, publicámos dois artigos sobre doenças femininas de difícil diagnóstico, nomeadamentee . Hoje, para marcar este dia, voltamos à conversa com a médica ginecologista Mónica Gomes Ferreira, que nos fala, como não podia deixar de ser, sobre o lipedema.

Doença crónica com componente hormonal afeta pernas e causa desconforto diário Foto: DR

O que é o lipedema e quais as suas causas?

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O lipedema é uma doença crónica e pró-inflamatória que faz com que exista uma produção anormal de gordura, predominantemente, nos membros inferiores. Em algumas mulheres, pode também afetar os membros superiores: os braços. E é mais comum nas mulheres porque tem também um fator hormonal associado ao estradiol.

[Aqui, no instituto,] estas mulheres são vistas por vários profissionais com base num atendimento multidisciplinar, para que se consiga resolver o problema como um todo. Não é “esta doente tem lipedema, vamos tratar as pernas”. Não. Temos que tratar o todo, com foco na nutrição, na dieta, no exercício, o lado psicológico, por exemplo, também é muito importante. Estas doentes, geralmente, sofrem muito da parte psicológica porque estas alterações começam, precisamente, na puberdade, por causa do fator hormonal, o que faz com que, muitas vezes, tenham sofrido bullying na escola.

E não são tratadas logo quando os primeiros sintomas começam a aparecer?

Normalmente, não. O lipedema começa ali na puberdade, com pequenas alterações que, às vezes, são desvalorizadas. Dizem que é uma questão familiar, porque as mulheres da família têm todas as pernas mais gordinhas. Mas não bem isso. Há de facto um factor genético, mas não estamos a falar de uma propensão, estamos a falar de uma doença e que, como tal, não deve ser desconsiderada, nem vista como algo contra o qual não há nada a fazer, porque a mãe é assim e a avó também era.

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Então, há tratamento?

Sim. Para além do que já falámos, é muito importante o apoio da fisioterapeuta, que faz movimentos e massagens que ajudam a drenar esta inflamação. Há casos cuja indicação é mesmo a cirurgia, para retirar este excesso de gordura anómala – que não é celulite, é um tipo de gordura diferente –, mas isso não impede que se faça também um acompanhamento multidisciplinar, com nutricionista, fisioterapeuta, com tratamento hormonal – que é feito por mim. Fazemos um estudo para ver como é que estão os valores hormonais da doente. Porque, por exemplo, a maioria das mulheres, estamos a falar de mulheres jovens, toma a pílula e a pílula combinada tem o estradiol, que piora o lipedema. Muitas chegam aqui e confirmam isso mesmo: “Realmente, piorei muito quando comecei a tomar a pílula.” Porque esse estradiol desencadeia esta inflamação, é um elemento pró-inflamatório. E, portanto, nesse encaminhamento, podemos sugerir-lhes métodos contraceptivos que não têm estradiol. Há, aliás, opções com efeito diurético e que ajudam a drenar esse excesso de inflamação.

Que opções são essas?

A Slinda, por exemplo, que é uma pílula só com progesterona, tem um efeito diurético. E ajuda muito nestes casos.

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As mulheres vão sempre precisar de cirurgia, em algum momento?

Não necessariamente. Há mulheres em que é mesmo preciso fazer uma intervenção cirúrgica porque, simplesmente, já está num grau tão avançado que os tratamentos menos invasivos não vão ser suficientes porque já há muita gordura acumulada. É preciso, então, eliminar essa gordura e depois começar a fazer todo o acompanhamento multidisciplinar e continuar sempre, para evitar que a gordura se volte a acumular nessas zonas. E há outras mulheres que nem é preciso cirurgia e que só com o acompanhamento conseguimos eliminar aquela inflamação localizada e controlar a doença.

vários graus, em termos de evolução do lipedema, e de acordo com cada um, ajustamos o tipo de tratamento. E, claro, também varia em função das expectativas de cada doente. Duas mulheres com o mesmo grau de doença, uma pode queixar-se mais dos sintomas do que outra. Muitas doentes queixam-se de sentir as pernas pesadas, cansadas, dizem que chegam a meio do dia e já quase não conseguem andar. Para algumas, isso interfere mesmo com as atividades básicas da vida diária: levar os filhos à escola, ir trabalhar, apanhar o autocarro, ir às compras… Há doentes que têm uma profissão mais ativa, que exige esforço físico, ou que as obriga a andar a correr de um lado para o outro. E depois cansam-se e não conseguem. Nesse caso, se calhar, podemos indicar a cirurgia.

Depois, há outras doentes que passam mais tempo sentadas, algumas até trabalham em casa, e não se cansam tanto e não têm tantos sintomas ao longo do dia. Para as que têm menos queixas, só acompanhamento conservador de drenagem, apoio da parte hormonal, nutrição e exercício físico, é suficiente. Portanto, é fundamental individualizar o tratamento.

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