Salto em altura
Não há dúvidas: um par de saltos altos não só transforma a silhueta de uma mulher como também a forma como os outros interagem connosco. Fiz o test-walk e vivi em cima de 10 centímetros durante cinco dias.

A maioria das mulheres prefere ir para o inferno de saltos altos do que caminhar de sapatos rasos para o céu. Quem o disse foi William A. Rossi, médico podologista e estudioso do calçado. Eu, que sou sócia honorária do clube de fãs das sabrinas, não trocaria o céu pelo inferno, mas deixo-me cair em tentação. Perante o desafio de escrever sobre saltos altos e os seus benefícios, porque de malefícios já reza a história, arranco para a sapataria em busca do par ideal para uma semana de teste nas alturas. Se é para sentir nos pés os efeitos, convém calçar-me a preceito. A variedade da coleção primavera/verão da Aldo é imensa, entre cores, design, tamanho e espessura do salto. A escolha afigura-se desde logo difícil: conforto ou estilo? Marco Costa, o gerente da loja do Centro Comercial Colombo, aconselha-me ao longo de quase duas horas por entre um vaivém de caixas, entre calça e descalça, desfile para lá e para cá. Finalmente, decido-me por uns botins pretos com tachas metálicas, superelegantes, mas pouco confortáveis, e por uns pumps de salto vertiginoso, para uma ocasião mais formal. “Espero que se converta…”, deseja Marco, a quem já olho nos olhos, à mesma altura, depois de embalar as minhas botas rasas, quase saudando uma “boa viagem”. É que sinto mesmo que levantei voo ao sair da loja. Acabo de postar no Facebook a foto dos meus pés bem calçados, anunciando o meu test-walk por cinco dias. Os “likes” e comentários mimam-me: “vai correr lindamente”, “sexy”, “gira”, “good luck”… e um “vai dar asneira” premonitório ou não…
LOUCAS POR SAPATOS São mais de 150 exemplares que testemunham o crescente fascínio por sapatos extravagantes e sedutores do século XXI. A exposição Shoe Obsession, no Museu do Fashion Institute of Technology, em Nova Iorque, inclui modelos dos best-sellers Manolo Blahnik e Christian Louboutin e também de Bruno Fisoni (Roger Vivier), Pierre Hardy, Nicholas Kirkwood, Alexandre Birman e até de mulheres com coleções incríveis, como Daphne Guinness e a designer de joias Lynn Ban. A não perder até 13 de abril. www.fitnyc.
“Saltos altos são prazer com dor.” (Christian Louboutin)
Uma das primeiras mensagens que os meus pés comunicam ao meu cérebro, que por sua vez comanda as minhas pernas, é: abranda a passada. E é curioso que o famoso designer da sola vermelha, Christian Louboutin, sugere que as mulheres deviam viver ao ritmo dos sapatos, ganhando mais tempo para pensar e olhar à sua volta. Diz ele que um camelo viu mais na vida do que um cavalo galopante! Não me restam dúvidas que do alto de 10 centímetros a perspetiva é absolutamente diferente e exige equilíbrio, segurança, firmeza, autoridade a cada passo… que eu ainda não tenho. Nada que não se treine e conquiste. Aliás, investigadores da Universidade de Portsmouth (Inglaterra) publicaram recentemente um estudo sobre a influência dos saltos – basta que tenham 6 centímetros – no movimento de todo o corpo (pavimento pélvico, ancas, pernas, joelhos e até ombros), realçando a feminilidade e a atração sexual.
É incontestável que um homem não resiste a uns stiletto. Este tipo de salto agulha é, de resto, a forma mais extrema, moderna e até perigosa. Não é em vão que são chamados killer heels, no duplo sentido para os pés e para quem observa. William A. Rossi também defendia que eram o afrodisíaco mais potente alguma vez confecionado. Eu bem senti os olhares perscrutarem-me dos pés à cabeça. A marcha em tic-tic-tic dos botins com tachas (quais esporas!) combinada com a minha postura “vou formosa e quase segura” era suficiente para captar a atenção deles, e não só. Porque elas também reparam – e de que maneira!
“Deem à mulher os sapatos certos e ela conquista o mundo.” (Marilyn Monroe)
Em 2008, um estudo dirigido pela urologista italiana Maria Cerruto, da Universidade de Verona (Itália), foi pioneiro ao demonstrar uma relação benéfica do uso de saltos altos com a redução dos problemas de incontinência urinária, através do fortalecimento dos músculos do pavimento pélvico. As mulheres que participaram neste estudo caminharam com elétrodos nas nádegas, o que na realidade só afetava a contração dos glúteos. Por isso, José Pedro Cadilhe, assistente hospitalar de urologia na Unidade Local de Saúde do Alto Minho, prefere subscrever que o uso continuado dos saltos altos fortalece acima de tudo os glúteos, pode até atenuar a celulite (nada cientificamente provado!), favorecendo apenas a silhueta feminina e eventualmente despertando um maior desejo sexual.
Já Caroline Cox, em Stiletto (ver caixa), defende que o caminhar limitado por estes sapatos promove o tónus muscular da vagina, ampliando simultaneamente os glúteos. Além disso, o sex appeal dos saltos agulha confirma-se também pela própria posição arqueada do pé que corresponde à posição do pé da mulher durante o orgasmo.
Caroline Cox, um nome de referência da história da moda e consultora de tendências, assina Stilleto (Bounty Books), onde aborda a história do salto agulha e explora a sua longa relação com o sexo, o poder, a feminilidade, a moda e o fetichismo. Destaque para as ilustrações e fotografias vintage. Um must-have!
“Usar os sonhos nos pés é o princípio para realizar os seus sonhos.” (Roger Vivier)
É inegável o impacto desta experiência na minha autoestima, rotina, interação com os outros e, é claro, nos meus pés. Confirmei sobretudo que os saltos altos são uma fonte de ambivalência. Não é em vão que se têm mantido presença constante na história da moda, subindo e descendo, refletindo sempre a cultura, a época e as necessidades da mulher. Dei-lhes uma segunda oportunidade: não estão reservados exclusivamente para os programas de sábado à noite ou eventos de trabalho. Mas não me ouvirão dizer o mesmo que Carrie Bradshaw que reconhece e não se importa que os Manolos lhe tenham destruído completamente os pés. Afinal, é para isso que servem. Eu dou graças pela tendência dos mid-heels nesta estação. É que dá sempre jeito um intermédio.
