Quando a pílula mata o desejo sexual
E se, desta vez, a culpa não fosse dele, da falta de preliminares, do cansaço ou do stress, mas do contracetivo hormonal que toma? Saiba mais.

O desejo sexual é muito mais frágil do que as capas de algumas revistas querem fazer parecer. Nem sempre aparece quando é preciso, e não há esquemas e fórmulas mágicas para o fazer voltar. Não está em lugar nenhum em exclusivo, por muito que se tenha apregoado que era só chegar ao ponto G e acionar o botão, e a lingerie sexy não serve de nada se a cabeça não estiver para aí virada.
Frágil e flutuante, pode ser, mas quando desaparece totalmente, ou diminui de forma drástica, as mulheres tendem a atribuir a culpa ao stress, à rotina, aos filhos, aos parceiros e, acima de tudo, a si mesmas (nessa culpa omnipresente com que se flagelam por não se imaginarem suficientemente boas esposas, amantes, mães e profissionais). Mas e se, desta vez, todos os culpados do costume estivessem (quase) inocentes, e fosse a pílula contracetiva a tramar a libido?
A PÍLULA EM TRIBUNAL
A Agência de Segurança Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde Francesa decidiu que vai retirar do mercado a Diane 35, uma “pílula” inicialmente criada para combater o acne, mas que tem sido utilizada como contracetivo, por considerar que está associada a 125 casos de trombose venosa e a 4 mortes, nos últimos 25 anos. Perante o alarme em Portugal, a Direção-Geral de Saúde e o Infarmed declararam que antes de agir vão aguardar a decisão da Agência Europeia do Medicamento. Enquanto isto, a revista francesa Science et Vie, de março, publica um artigo intitulado Pílulas: porque são razão de escândalo e afirma: “Se os riscos vasculares das pílulas de 3.ª e 4.ª geração são conhecidos há mais de 20 anos, porque foi preciso esperar uma primeira queixa contra um laboratório para que o contracetivo número 1 dos franceses fosse posto em causa. Explicações.” De uma forma detalhada defende que os riscos não justificam os benefícios, que afirmam estar por provar, das chamadas pílulas de “nova geração”. Vale a pena ler, porque não faz qualquer sentido que as mulheres não se informem, para poderem escolher.
Porque ninguém morre de falta de desejo sexual (mas há relações que podem ir por água abaixo...), porque provavelmente as mulheres continuam, mesmo que com esforço, a cumprir com as suas “obrigações” (recordando o aviso das mãezinhas de que um homem insatisfeito pode ir procurar outra...), porque muitos dos investigadores e cientistas são homens (se não fossem já teriam inventado uma pílula masculina!), a verdade é que muitas mulheres se conformam à sua sorte, sem parar para perguntar o que provocou a mudança. Por vezes passam anos, sem que se lembrem ou tenham a coragem de confessar ao médico, se o tiverem, que a pílula está a funcionar como contracetivo, apenas pela simples razão de que agora praticam a abstinência!
ACORDEM A TESTOSTERONA!
Estamos habituados a pensar na testosterona como uma hormona masculina, a que explica a agressividade e o desejo masculino. Mas o desejo feminino também está dependente da sua produção, e o que acontece é que alguns contracetivos hormonais, nalgumas mulheres, parecem baixar o nível de Testosterona Livre (a que está em circulação no sangue), levando a que a libido diminua, explica Rui Viana, ginecologista e obstetra. Embora prefira falar de “interferência” e não de relação de causa-efeito, afirma que, muitas vezes, basta mudar para uma pílula com uma outra composição para que a mulher sinta que voltou a ser quem era.
Mas esta mudança, lembra, pode não ser suficiente, se o fator da diminuição do desejo estiver relacionado com o facto de todas as pílulas adormecerem os ovários, evitando, para o bem e para o mal, os altos e baixos de um ciclo natural, nomeadamente os picos hormonais que caracterizam, por exemplo, o momento da ovulação. “Em matéria de contraceção não devem existir chavões, cada caso é um caso. E se a mulher não se der bem com uma contraceção hormonal, há outras opções”, defende.
A PÍLULA DA AMIGA...
Gratas pela libertação que a contraceção hormonal lhes deu, as mulheres tendem a esquecer-se de que a pílula é um medicamento, um químico estranho ao seu corpo, aceitando tomar a mesma pílula do que a amiga, sem saber se é a mais indicada para si, da mesma forma que eternizam o consumo da que lhes foi receita há anos e anos, sem qualquer controlo médico. “Como todos os medicamentos, a pílula tem um ‘custo-benefício’ que é importante avaliar”, diz Rui Viana. E perder a vontade de fazer amor é, decididamente, um custo que nenhuma mulher, e que nenhum casal, deve suportar.
