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"Trans fat" e transgénicos: separar o trigo do joio

Nos Estados Unidos, os Organismos Geneticamente Modificados (OGM) e as gorduras trans voltam a dar que falar. Desta vez, por causa dos rótulos. O problema é que esta nova polémica, em vez de esclarecer, veio aumentar a confusão dos consumidores, que, quando ouvem falar de trans fat, pensam que são o mesmo que transgénicos. E não são.

04 de dezembro de 2015 às 07:00 Máxima
Depois de a Food and Drug Administration (FDA), o organismo governamental norte-americano responsável pelo controlo dos alimentos, ter exigido recentemente que os produtos declarem o seu teor de gordura trans e de a Casa Branca pedir aos Estados que emitam leis que obriguem a indústria alimentar a incluir na lista de ingredientes de um produto que contém OGM essa indicação, a polémica à volta da segurança alimentar voltou a acicatar os ânimos.  
À partida, as notícias são boas, sobretudo para os consumidores, que quanto mais informados, melhores escolhas farão. O problema é que esta nova controvérsia veio aumentar a confusão sobre os OGM e as gorduras trans. Há mesmo quem pense que são a mesma coisa ou que estão relacionados. Para o confirmar, fomos às compras com alguns consumidores em dois hipermercados na região de Lisboa. Das 12 pessoas que acompanhamos, nenhuma soube dizer o que são os OGM e o que são as gorduras trans. Mais: nenhuma tinha conhecimento de que alguns dos produtos que levavam no carrinho têm OGM, outros têm gorduras trans e outros têm ambos.
Lucinda Teixeira, 22 anos, estudante de mestrado, acha que o tomate que come na salada de alface foi geneticamente modificado, sendo que só compra legumes de origem portuguesa. Ora, a única planta GM cultivada em Portugal é o milho bt (resistente à broca) e esse "destina-se, em exclusivo, à produção de rações para gado", garante à Máxima Pedro Fevereiro, investigador em Biologia Vegetal e diretor do Centro de Informação de Biotecnologia (CIB).
EMPRESA "MONSANTO": DONA E SENHORA DAS SEMENTES

Uma das vozes mais ativas em Portugal contra os OGM é a Plataforma Transgénicos Fora (PTF), que defende uma agricultura sustentável orientada para a proteção da biodiversidade. Constituída por algumas associações nacionais, como a Quercus, a AGROBIO, a CAMPO ABERTO e o Grupo GAIA. Tumores, inflamação intestinal, stress hepático e renal em animais de laboratório são alguns dos efeitos de certos transgénicos que a PTF aponta, tendo por base "diversos estudos científicos internacionais".

Mas a bióloga Margarida Silva, porta-voz da plataforma, considera que "mais importante do que os efeitos que estão demonstrados, é o que está por investigar", referindo-se ao sistema de autorização de novos transgénicos que, segundo a mesma, "está sabotado": "Este tipo de pesquisas é muito caro e praticamente só as empresas é que têm capacidade financeira para o desenvolver. Por isso, chegamos à grande ironia da União Europeia nesta área: as empresas que investem milhões na criação dos transgénicos é que fazem a investigação para avaliar se esses mesmos transgénicos são seguros e podem ser autorizados."

Os argumentos contra a Monsanto, a maior empresa agrícola mundial, que já comprou mais de 70 empresas de sementes nos últimos 20 anos e detém grande parte das patentes, é uma das bandeiras usadas pela PTF para alertar os consumidores para as consequências deste monopólio de sementes: "Afeta-nos a todos, agora e no futuro – há menos variedades de sementes não transgénicas, menos agricultores a guardar as suas próprias sementes e redução do investimento em sementes livres." Margarida Silva questiona mesmo a credibilidade da gigante norte-americana, que já foi condenada por vários tribunais, um dos quais norte-americano, por "publicidade enganosa" e "comportamento de natureza inacreditável que ultrapassa todos os limites da decência e deve ser visto como horrível e intolerável numa sociedade civilizada".

Ana Andrade, 36 anos, advogada, deixou de comer carne por achar que os animais, que são alimentados com rações contendo derivados de culturas geneticamente modificadas, "são transgénicos e que a sua carne é geneticamente modificada". A verdade, diz Pedro Fevereiro, é que "a carne destes animais não sofre qualquer alteração". Ana também não sabe que o pão que acabou de sair do forno e que leva no carrinho de compras é "feito com aditivos enzimáticos recombinantes", ou seja, com "enzimas produzidas por microrganismos geneticamente modificados". 
Joaquim Teixeira, 65 anos, reformado da hotelaria, é diabético dependente de insulina. À pergunta se sabe o que são OGM, responde que "são uns aditivos que alteram o sabor dos alimentos". O que Joaquim desconhece é que aquilo a que chama erradamente "aditivos" é, afinal, o que lhe salva a vida, pois a insulina existente no mercado "é insulina humana produzida por bactérias geneticamente modificadas".
Pedro Quintas, 45 anos, informático, ouviu nas notícias "qualquer coisa sobre gorduras trans" e acha que "os Estados Unidos querem proibi-las porque contêm OGM". Nada disso. Os Estados Unidos não querem proibir nem as gorduras trans nem os OGM, o que querem é que os rótulos passem a acrescentar a indicação de que os produtos alimentares processados contêm, se for caso disso, OGM e gorduras trans (especificando o seu teor).
Laura Mesquita, 63 anos, reformada da função pública, pensa que "as gorduras trans chamam-se trans porque são transgénicas". Também não é verdade. As gorduras trans "são óleos que foram hidrogenados para ganharem uma consistência mais sólida, como as margarinas por exemplo, dando aos alimentos a que são adicionados uma textura mais estaladiça", como explica Susana Casal, investigadora nesta área e professora na Faculdade de Farmácia do Porto. E os OGM são "organismos nos quais o material genético foi alterado de uma forma que não ocorre naturalmente".
 
OGM produzem gorduras trans?
Também ao contrário dos OGM, está provado que as gorduras trans estão associadas a problemas cardiovasculares e acredita-se que fazem aumentar os níveis de mau colesterol e a obesidade. Mas, então, se fazem tão mal à saúde, por que razão as trans fat estão presentes em muitos alimentos? Digamos que é uma necessidade da indústria alimentar para fabricar determinados produtos. "Os óleos são líquidos e por isso não têm aplicação industrial. Imagine estar a comer uma bolacha e ficar com os dedos gordurosos. Ninguém compraria essas bolachas", explica Susana Cabral. Com a hidrogenação, consegue-se transformar os óleos em algo mais consistente e sólido e é nesse processo justamente que se formam as trans, que são gorduras mais saturadas, também conhecidas como ácidos gordos saturados.Estes quatro exemplos bastam para perceber que, de facto, é grande a confusão entre um tema e outro. Ao contrário do que se pensa, as gorduras trans não contêm OGM e as culturas geneticamente modificadas não produzem gorduras trans. A única relação existente, e talvez aí resida a confusão, é que as gorduras trans presentes em muitos alimentos como margarinas, óleos para cozinhar, bolos de confeitaria e bolachas são produzidas durante o processamento de vários óleos vegetais de culturas geneticamente modificadas (GM), como a soja, a colza e o milho.

      O que são?

  Os OGM são organismos nos quais o material genético (ADN) foi alterado de uma forma que não ocorre naturalmente. Existem vários nomes para a tecnologia usada na modificação genética dos organismos: uns chamam-lhe "engenharia genética", outros "biotecnologia moderna" e "tecnologia dos genes" ou "tecnologia do ADN recombinante". Mas mais do que o nome, importa o processo: através dela faz-se a transferência de genes individuais selecionados de um organismo para outros.  

      Onde é que eles estão?

  São vários os produtos que importamos e que podem conter OGM. Exemplos: algodão, milho, soja, colza, papaia, chicória, squash (um tipo de abóbora), batata (incluindo derivados) e alguns aditivos que habitualmente são usados na produção de múltiplos produtos alimentares e, por esta razão, cereais, bolachas, chocolates, polpa de tomate, hambúrgueres, pizza e outros alimentos também podem ter na sua composição OGM. Em Portugal, a única planta GM é o milho bt (resistente à broca) e só é utilizado na produção de rações para animais.

      Como se avalia a sua segurança ou perigosidade?

  Através de várias investigações, onde se afere os efeitos diretos na saúde humana, a tendência para provocar reações alérgicas, os componentes específicos suspeitos de possuírem propriedades nutritivas ou tóxicas, a estabilidade do gene inserido, os efeitos nutritivos associados à modificação genética e os efeitos indesejados que possam resultar da inserção do gene.

      Quem beneficia com eles?

  Existem vantagens tanto para os agricultores como para os consumidores. Os agricultores têm uma melhor rentabilidade das culturas (com menos perdas, maiores produtividades, redução do uso de pesticidas e de herbicidas); os consumidores têm à disposição produtos de melhor qualidade (mais vitaminados, mais licopeno e betacaroteno, mais ferro, mais ómega-3 e menos microtoxinas).

 

Fontes: Organização Mundial de Saúde, CIB e Pedro Fevereiro, investigador em Biologia Vegetal

No caso dos transgénicos, há a ideia generalizada de que fazem mal à saúde e ao ambiente e que estamos a consumir OGM a torto e a direito sem sabermos, mas, acredita Pedro Fevereiro, é "uma invenção dos movimentos anti-OGM", que só serve para "manipular e desinformar". Na União Europeia, todos os produtos alimentares que contenham mais do que 0,9% de qualquer componente proveniente de uma variedade vegetal geneticamente modificada têm de ter essa indicação no rótulo. De contrário, garante o investigador, "não podem ser comercializados". Exemplo disso é o milho doce, muito usado nas saladas, que só é comercializado nos países da UE porque no rótulo vem a indicação de que é resultante de uma variedade GM. 

O diretor do CIB vai mais longe e afirma que "faz tanto sentido rotular os OGM como os produtos alimentares resultantes do melhoramento por salvamento de embriões vegetais. Ou resultantes da aplicação de radiação ionizante. Ou de variação somaclonal. Não faz qualquer sentido rotular um processo de melhoramento porque isso não esclarece nada sobre as características do produto".Em todo o caso, qual é a relevância dessa declaração no rótulo? Que indicação sobre as suas características ou sobre a sua inocuidade dá dizer que um alimento contém OGM? Para Pedro Fevereiro, apenas "atemoriza as pessoas" sem as informar: "OK, o rótulo diz que o produto contém OGM. E então? O que é que isso diz aos consumidores? Rotular OGM quer dizer que este alimento contém componentes provenientes de variedades vegetais melhoradas com recurso à engenharia genética. Mas existem diferentes alterações genéticas. No rótulo também se vai dizer quais?"

 
25 anos sem reações adversas
As aplicações desta tecnologia que gera tanta controvérsia e polémica são várias. A modificação genética de plantas já permite, por exemplo, ter fruta e verduras que levam mais tempo a amadurecer, reduzindo assim perdas por deterioração; plantas com valor nutricional enriquecido, como o arroz que contém pró-vitamina A; plantas mais bem adaptadas a condições ambientais adversas, como a seca ou o excesso de salinidade dos solos; plantas resistentes a insetos e a vírus; e plantas tolerantes a herbicidas.Quanto aos efeitos dos transgénicos no meio ambiente e na saúde humana e animal, diz o investigador que, até agora, em 25 anos de investigação e aplicação da biotecnologia, além de "não haver registo de intoxicação alimentar", "não existem dados científicos que provem que as plantas geneticamente modificadas são mais prejudiciais do que as plantas produzidas em agricultura convencional", que recorre a herbicidas, inseticidas, pesticidas e químicos afins. A própria Organização Mundial de Saúde já veio a público dizer que "os produtos alimentares GM disponíveis no mercado internacional não apresentam riscos para a saúde humana".
No entanto, a lista de aplicações poderia ser muito mais extensa "se não fosse a guerra contra os OGM". Nos laboratórios do mundo inteiro onde se investiga a modificação genética de plantas, estão a fazer-se descobertas que "poderiam melhorar substancialmente a proteção das plantas contra doenças e pragas". Por exemplo, árvores que crescem mais rapidamente, que acumulam maior quantidade de ferro, que resistem a nematodes ou que têm maior teor de ómega-3. 
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