Robert De Niro, Patty Jenkins e Whoopi Goldberg: o que as estrelas partilharam no festival Tribeca
Patty Jenkins revelou uma vontade de filmar em Portugal, desencorajada pela política fiscal nacional. Para Whoopi Goldberg, é importante o cruzamento cultural e Robert De Niro frisou a necessidade de uma boa história para contar em cinema.

O primeiro dia do festival de cinema Tribeca em Lisboa começou com um atraso básico - mas não o podemos cobrar às estrelas de Hollywood que inauguraram o programa. Quando Robert De Niro chega 45 minutos mais tarde do que estava planeado, o kick-off de imprensa espera por ele. Whoopi Goldberg, Patty Jenkins e Chazz Palminteri tomaram conta dos microfones e partilharam com os jornalistas as expectativas para esta primeira edição em Lisboa. Para Jenkins, realizadora e argumentista, o mais entusiasmante é "poder conhecer mais realizadores", especialmente nesta que diz ser "a época mais importante para histórias. Precisamos de histórias para salvar o mundo". Já Palminteri, ator em A Bronx Tale, elogiou Tribeca como sendo "um dos principais festivais" de cinema, agora com uma edição na cidade a que chamou a "joia da coroa". Para Goldberg, atriz vencedora de prémios Emmy, Grammy, Óscar e Tony, "juntar filmes portugueses e internacionais" é um dos aspetos de louvar desta iniciativa. A lista de qualidades, com certeza, seria bem mais longa, mas foi interrompida pela chegada do convidado de honra, que anunciou à imprensa: "Bob De Niro acaba de entrar neste edifício".

"Nunca imaginei vir para o outro lado do oceano com o Tribeca". Para além de ator, produtor e realizador, Robert De Niro é co-fundador do festival que criou em 2002 ao lado de Jane Rosenthal. Depois dos ataques do 11 de setembro, a dupla quis devolver alguma positividade a Nova Iorque e fê-lo através de um encontro de criativos na cidade. Nas palavras de Rosenthal: "É sempre bom ver novas histórias, especialmente num mundo que é tão desconcertante".
Os dois fundadores juntaram-se em palco para o primeiro painel aberto ao público. O enorme pavilhão erguido na Unicorn Factory, no Beato, tem capacidade para algumas centenas de pessoas. E, para ouvir De Niro e Rosenthal, eram escassas as cadeiras vazias e muitos os que assistiram à conversa de pé. Os dois recordaram a primeira edição do que começou por ser "um festival de bairro". Nelson Mandela e Francis Ford Coppola prestaram apoio ao projeto, que, segundo Rosenthal, sempre se dedicou ao storytelling, a "contar histórias, independentemente da plataforma". Enquanto que há 22 anos pouco sabiam sobre "o que é um sponsor", depois dos dias 17 e 18 de outubro de 2024 podem dizer que o festival já chegou à Europa. Para De Niro, Lisboa "é o local perfeito para um festival e para atividades culturais" e Rosenthal, produtora nata, acrescentou que está "sempre à caça de talento jovem", especialmente neste mercado que vieram conhecer.

Para abrir oficialmente a primeira edição europeia do festival Tribeca, o poder do storytelling foi o tema deste painel moderado pelo CEO da Impresa, Francisco Pedro Balsemão. O cruzamento de plataformas - filmes, séries, podcasts - define o programa, em que as histórias são o elemento transversal. Robert De Niro, que já produziu filmes como O Irlândes (2019) e Ezra (2023), frisa que o que procura em argumentos é que "a história seja especial. Podes ter um bom conceito, mas tens de o escrever". Só assim, explica o ator e produtor, é possível trabalhar para refinar uma ideia que poderá ser a base de um filme - material que "pode mudar o mundo com cenários alternativos".
O poder de uma história é um ponto de convergência para os dois fundadores do Tribeca. Rosenthal diz que "filmes podem mudar perspetivas", ao que De Niro acrescenta que permitem que "pessoas encontrem maneiras diferentes de lidar com as suas situações".

Abandonamos o gigante pavilhão e seguimos rumo à ponta oposta do recinto para assistir a mais uma conversa, desta vez sobre o futuro das salas de cinema. Pelo caminho, a multidão dispersa-se. Uns ficam a meio do percurso, curiosos para espreitar o filme em exibição na sala de produções portuguesas, outros param para ouvir música ao vivo ou mesmo para ir buscar um pacote de pipocas. Quem chega ao limite do espaço encontra uma sala acolhedora, onde as dezenas de interessados vão poder ouvir Patty Jenkins, realizadora de Monster e Wonder Woman, falar acerca das diferenças entre lançar um filme nos cinemas e nos serviços de streaming. "A forma como vês um filme muda a tua relação com ele", particularmente se foi feito a pensar numa tela gigante e visto num computador - foi o caso de Wonder Woman 1984, que foi filmado em IMAX e, devido ao encerramento dos cinemas durante a pandemia, acabou por ser lançado apenas em streaming. A realizadora não tem pudor em admitir: "Eu quero que as pessoas vejam os meus filmes" e, para já, "o streaming ainda não fez um fenómeno cultural".
Num espaço onde circulam rostos que muitos só conhecemos através do ecrã, a única maneira de conseguir trocar algumas palavras com estas figuras é à margem dos painéis em que participam. E assim que terminou a conversa com Patty Jenkins, o público esperou ansiosamente pela sua vez de conhecer a realizadora. Aos jornalistas presentes, Jenkins falou da vontade de filmar em Portugal. Contudo, as condições fiscais de dedução de impostos (o chamado tax credit) não são suficientes para projetos de grande magnitude. "Se o governo entendesse isso, teria um crescimento brutal na indústria cinematográfica, mas têm de financiar", diz. Para além do investimento estatal, a realizadora realçou a necessidade de diversificar o género de filmes em que grandes estúdios apostam.

"Em vez de fazerem 20 filmes para públicos diferentes, fazem um que tem de ser para toda a gente. Mas a verdade é que não são para todos, não são para a minha mãe nem para o meu filho". Fala de filmes feitos com o objetivo de serem blockbusters, sucessos de bilheteira, que acabam por deixar de fora certas demografias, como os idosos: "Adoram ir ao cinema, mas não há nada para eles verem. É como se estivessem a dizer que não vale a pena fazer um filme, a não ser que toda a gente no país o vá ver". Nesse aspeto, vê com bons olhos a construção de catálogos dos serviços de streaming, que acabam por ser muito mais variados. "Ponham lá tudo e vão ficar surpreendidos com o que vai ser um sucesso", como o caso imprevisível que foi a série Squid Gam (2021).
Diversificado também é o programa da primeira edição do Tribeca em Lisboa. Para além das várias talks com convidados internacionais, o Beato Innovation District acolhe exibições de novidades do cinema norte-americano e português. Fazem parte do alinhamento Anora, que venceu a Palma d’Ouro em Cannes, Ezra, o novo filme com Robert De Niro, bem como a estreia de realização de César Mourão, Podia Ter Esperado Por Agosto.
